A lei fundamental da economia
para não economistas (1ª parte)
por Daniel Vaz de Carvalho
[*]
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Para se saber se um país é rico ou pobre, basta resolver esta
questão: qual a taxa de juro que nele vigora (
) A baixa do juro ou
restrição da usura é causa primária e principal da
riqueza de uma nação.
Josias Childs, séc. XVII, citado por Marx em Teorias da Mais-Valia
[1]
A teoria económica como é amplamente ensinada desde a
década de 1980 fracassou miseravelmente no entendimento das
forças que estão por detrás da crise financeira.
James Galbraith, A desgraçada profissão de economista,
[2]
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1 A LEI FUNDAMENTAL
Em termos de economia política podemos dizer que uma lei fundamental,
válida para todos os sistemas económicos, é a da
correspondência entre as relações de produção
e o desenvolvimento das forças produtivas. Esta lei traduz-se em
capitalismo pela maximização do lucro e em socialismo pela
maximização das necessidades sociais.
É de facto uma lei fundamental que Marx exprime no prefácio
à "Critica da Economia Política": "Num certo
estágio do seu desenvolvimento as forças produtivas entram em
choque com as relações de produção existentes ou
com as relações de propriedade no seio das quais até
aí tinham evoluído. São as contradições
geradas neste processo de contradição entre a
maximização do lucro e a necessidade de desenvolvimento das
forças produtivas que dão origem às crises e à
consciência que relações de produção
superiores devem substituir as existentes".
Mas o que queremos agora mencionar é uma outra "lei", que o
meu professor de economia (com um certo despeito) enunciou da seguinte forma:
"parece que para engenheiros a lei fundamental da economia é:
"quem paga?". Assim mesmo.
Ora, se um dos princípios da democracia, é que não deve
haver "taxação sem representação", uma
pergunta pertinente no exercício da cidadania democrática
será muito justamente a que atrás deixamos: quem paga o
quê, a quem, como e porquê. E não sendo uma lei não
deixa de ser uma questão fundamental a colocar. Aliás
questão atualmente obscurecida pela dogmática do mercado dito
livre.
O mercado tornou-se o biombo atrás do qual as pessoas são levadas
a acreditar que ninguém nem o Estado podem fazer nada para alterar os
seus desígnios. Mas o mercado são pessoas e é o
comportamento das pessoas nessas atividades que tem de ser regulado e
controlado de acordo com critérios democráticos e sociais.
Aliás não há "os mercados", há diversos
tipos e modos de funcionamento do mercado, designadamente: o das MPME, o
monopolista, o financeiro especulativo. Se a sociedade vive sob uma
inquestionável dogmática dos mercados, a democracia, a
própria soberania perdem conteúdo real, são meras
formalidades, vergadas ao dogma.
Recordo que uma sra. deputada do CDS, confrontada com os escandalosos
rendimentos dos administradores dos grandes grupos económicos face ao
congelamento salarial e perda de direitos dos trabalhadores, afirmou que
"os "vencimentos" dos administradores são decididos pelos
acionistas e os salários dos trabalhadores pelo mercado". Espantosa
metafísica! Os administradores são também acionistas e
todos eles (como classe) constituem "os mercados" que promovem a
usura e a austeridade. De facto, é como se houvesse, com os
"incentivos" e "riscos sistémicos", "socialismo
para os ricos e mercado para os pobres".
[3]
O iluminismo do século XVIII veio mostrar que a teologia
escolástica era a forma de obscurecer os espíritos, impedir o
livre pensamento e a descoberta das leis da natureza. A
"ciência" económica atual, integralmente ao
serviço da grande capital, tem funções muito semelhantes
mostrando-se, por isso mesmo, incapaz de resolver quaisquer problemas criados
com a sua prática. Afastados os axiomas do "equilíbrio
competitivo dos mercados" e da "eficiência do mercado
livre", tudo se desmorona como baralho de cartas.
Chamar a atenção para as leis fundamentais dos diferentes
sistemas económicos, parece-nos da máxima importância. O
que pôs fim às ilusões, maquinações e burlas
da alquimia, com a sua pedra filosofal e movimento perpétuo, foram as
descobertas das leis da química e da termodinâmica. Também
o fim das ilusões, manipulações populistas e burlas do
sistema capitalista está ligado à compreensão das suas
leis fundamentais.
Pseudo soluções avulsas ou que remetem para o subjetivismo e
voluntarismo, deixando intocáveis as leis de funcionamento do sistema,
estão destinadas ao fracasso. São como as operações
da alquimia que, embora várias tenham sido aproveitadas pela
química, nada podiam fazer, pois contrariavam as leis fundamentais da
matéria.
O PS nas suas propostas, parece não ter consciência desta
situação, apenas se propõe gerir melhor o capitalismo,
aceite como sistema absoluto, sem ter em conta as suas
contradições e vícios, em particular do fundamentalismo
neoliberal dominante na UE. Quaisquer que sejam as suas "boas
intenções", não passam de meras ilusões de
alquimia política, logo esquecidas perante as pressões do grande
capital, como se viu no passado.
2 QUEM PAGA
Vamos então à questão fundamental. Quem paga as
reduções de IRC? Quem paga os benefícios e
privilégios ao grande capital e à finança? Quem paga os
prejuízos originados pela fraude e pela má gestão na banca
dedutíveis no IRC durante anos? Quem paga os lucros e todas as manobras
legais e ilegais para a fuga aos impostos dos grandes grupos económicos?
Quem paga as fraudes ou a má gestão no BPN, no BPP, no BANIF, nas
PPP? Quem paga os cerca de 3 mil milhões de euros de perdas potenciais
dos SWAP?
Perante tudo isto, a direita e seus comentadores apenas questionam o que o
Estado gasta em salários, pensões, prestações
sociais.
Quem paga a livre transferência de capitais (descapitalizando o
país)? Os paraísos fiscais e a "concorrência
fiscal" na UE? Quem paga os empréstimos do BCE não aos
Estados, mas aos especuladores? Quem paga os excedentes comerciais da Alemanha
e as taxas de juro negativas (abaixo da inflação) que
obtém? Quem paga o Euro? Uma moeda imersa em capital fictício,
com os bancos europeus a necessitar serem recapitalizados entre 500 e 1000
milhares de milhões de euros.
Quem paga? Os mais ricos não por certo, pois o dinheiro da oligarquia
desaparece sem pagar impostos nos paraísos fiscais. Os propagandistas do
sistema explicam: trata-se de "incentivos ao capital para captar
investimento". Falso. Porque eles não investem: especulam com as
dívidas.
Quem paga? A pergunta é ociosa, como se costuma dizer. Se a lei
fundamental do sistema se baseia na maximização do lucro e na
exploração da força de trabalho, resta alguma
dúvida sobre quem recaem, todos os desmandos e
contradições de um sistema que além do mais sofre do mal
congénito da queda tendencial da taxa de lucro? Sabemos quem paga:
são os trabalhadores e também os MPME.
A economia atual, os "economistas vulgares", na expressão de
Marx, são injustos para com Malthus, envergonham-se de tão
má companhia, porém seguem-lhe as pisadas. Malthus para quem
"um salário alto desestimula o trabalhador, o lucro baixo um
desalento para os capitalistas.
[4]
Sabemos quem paga, com salários mais baixos, impostos mais altos,
prestações sociais (que são salário indireto e
forma de redistribuição de riqueza) cada vez menos
acessíveis e mais onerosas. Sabemos quem paga transportes mais caros
para os utentes e quem lucra com salários reduzidos para os
trabalhadores, em empresas que gastam muito mais em juros que em
salários.
São os "sacrifícios para todos" e a
"comparticipação solidária". Mas
"solidária" com quem e com quê? A solidariedade
não se estabelece com os povos, mas com os "mercados".
Os "incentivos" e os "riscos sistémicos", são
a formalização desta "solidariedade", sem margem para
cedências, o capitalismo sem riscos. O "risco sistémico"
foi uma invenção da "ciência económica
atual", diga-se que desde logo adotada pelo PS. Riscos sistémicos,
fundamentados em coisa nenhuma, com o argumento de porque sim, que foi o que de
concreto disseram responsáveis pelas finanças
3 JUROS E DÍVIDA
Acerca da dívida diz-se que temos de "honrar os nossos
compromissos". Trata-se do mesmo tipo de "honra" do servo na
defesa do senhor feudal. Vejamos então em que consiste a dívida e
o juro.
Quem paga a dívida? A dívida é impossível de pagar
nas atuais condições. Marx cita o economista Hodgskin (1797-1869)
que em vários textos adotou "o ponto de vista
proletário": "Nenhum trabalho, nenhuma força produtiva
e nenhuma arte podem satisfazer as exigências dos juros compostos".
[5]
Tal é sabido desde a antiguidade, compreendendo que o juro era a forma
dos grandes proprietários e grandes comerciantes expropriarem os
pequenos, os plebeus, ou ainda apropriarem-se dessas pessoas. Por isso,
legisladores de então fixaram limites ao juro e o cancelamento
periódico de dívidas, para evitar a destruição da
economia e a desestabilização social.
Para demonstrar como são impagáveis as dívidas na base de
juros (acima do que a taxa de crescimento económico permita) o
matemático Richard Price em 1769 calculou que 1 xelim à taxa de
6% ao ano daria desde o nascimento de Cristo até àquela data o
equivalente a uma esfera de ouro com 1 780 milhões de milhas de
diâmetro!
[6]
Tal é mais que evidente no endividamento dos países ditos em
desenvolvimento: entre 1970 e 2009 esses países pagaram como
serviço de dívida 4 529 mil milhões de dólares,
isto é, reembolsaram 98 vezes o que deviam em 1970, mas a dívida
é 32 vezes maior, atingindo 1460 mil milhões de dólares.
(Les Chiffres de la dette, 2011, CADTM)
Portugal, submetido à burocracia antidemocrática da UE, enveredou
pela via do subdesenvolvimento, agravada com a troika. Entre 1999 e 2012,
Portugal pagou de juros de dívida pública 65 716,8 milhões
de euros, a soma dos défices do Estado foi de 112 117 milhões,
porém a dívida pública passou de 58 657,1 para 204 485
milhões de euros (mais 145,8 mil milhões!). Ou seja, quanto mais
se paga mais se deve. Em 2013, os juros atingiriam cerca de 100% do
défice do Estado previsto pelo governo, como o défice aumentou
representam agora 82% (contra 69% em 2012), cerca de 5% do PIB! Mas o governo
diz que estamos no "bom caminho" de quem?
O aumento da dívida é devido à especulação
financeira. Com as receitas a reduzirem-se devido à paragem do
crescimento económico, com o grande capital exigindo partes crescentes
do RN, através das privatizações, das PPP, dos SWAP, dos
"resgates" e garantias financeiras à banca, o país, sem
soberania financeira, ficou submetido "aos humores" da
especulação e respetivos juros usurários.
Compreende-se assim como é importante manter as pessoas na
ignorância, (destruir a escola pública e generalizar a pobreza
como no fascismo ajuda
) propagandeando como um
"êxito" a "ida aos mercados", na realidade um
verdadeiro suicídio coletivo. Entre 2014 e 2021 os encargos da
dívida pública atingem uma média anual de 18 000
milhões de euros; estimativas apontam para 20 mil milhões anuais
nos próximos três anos; 20 mil milhões de euros adquiridos
nos "mercados" a 6% representam mais 1 200 milhões de euros
ano de juros a adicionar aos existentes. E isto sem diminuir o endividamento!
A riqueza criada no país vai servir para pagar juros e ser
"livremente" transferida para centros financeiros.
A direita considera que o Estado será eficiente, cortando no social,
vivendo do crédito privado obtido com taxas negativas (abaixo da
inflação) no BCE. Mas crédito é dívida, e no
fim a questão é: quem paga esta "eficiência".
Este ano as maiores empresas da Bolsa portuguesa distribuíram mais de
1,7 mil milhões de euros em dividendos aos acionistas; cerca de 1/3 vai
para o estrangeiro. (
Jornal de Negócios,
13/Maio/13).
"O juro revela a forma como a mais-valia se reparte entre as diferentes
espécies de capitalistas."
[7]
O BCE está organizado para os Estados vergarem a sua soberania ao peso
da dívida, constituindo uma reserva de mão-de-obra barata e sem
reivindicações significativas de forma a garantirem a
competitividade da UE no processo de "globalização"
imperialista.
O endividamento do Estado é um alibi para impor esta estratégia
assegurando a perpétua obtenção de rendas financeiras,
através da austeridade, o eufemismo adotado para designar a
exploração generalizada e sem direitos, ou seja, um programa
económico e social idêntico ao do fascismo.
1. Teorias da Mais-Valia, Livro 4, Vol. III, de "O Capital", Difel,
S.Paulo, 1985, tradução a partir da MEW 26.2, Dietz Verlag,
Berlim, 1974, p. 1574
2. A desgraçada profissão de economista, James Galbraith,
resistir.info/crise/galbraith_18mai10.html
3. Um roubo de US$16 milhões de milhões, Atílio
Bóron,
resistir.info/eua/boron_02ago11.html
4. Teorias da Mais-Valia, ob. cit. p. 1178
5. idem, p. 1349
6. The bubble and beyond, Michael Hudson, Ed. ISLET, 2012, p. 82
7. Teorias da Mais-Valia, ob. cit. p. 1528
[*]
Engenheiro.
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