FMI / Troika: prosseguir a destruição do país
por Daniel Vaz de Carvalho
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No tratado sobre sofismas políticos diz Bentham, em linguagem que parece
antecipar Marx, que os moralistas sentimentais e ascéticos servem o
interesse da classe governante e são produto de regime
aristocrático. Quem ensina a moralidade do sacrifício deseja que
outros se sacrifiquem em seu proveito.
Bertrand Russel
[1]
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1 UM GOVERNO PROSTRADO AOS DITAMES DA TROIKA
A carta enviada ao FMI e responsáveis da troika, termina assim:
"Estamos confiantes que as políticas descritas no atual e
prévios MEFPs
(Memorandos de Políticas Económicas e Sociais)
são adequadas para alcançar os objetivos sob o programa. Estamos
prontos a tomar medidas adicionais necessárias para alcançar os
objetivos do programa económico e consultaremos o FMI, a Comissão
Europeia e o BCE, antes de quaisquer revisões das políticas
contidas nesta carta e Memorando anexo." Assinam: Paulo Portas, vice
primeiro-ministro, Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças,
Carlos da Silva Costa, governador do Banco de Portugal.
Seria tristemente ridículo, se não representasse uma
tragédia nacional. À semelhança de outras para a troika,
estas cartas ficarão como páginas vergonhosas na História
do país. Piores que a submissão ao ultimato de 1890, precursor da
Republica e que inspirou o hino nacional. Mas a que se comprometem estas
personagens e este governo?
A "austeridade", isto é, a espoliação das
classes trabalhadoras é para continuar: "Para alcançar um
défice de 2,5% do PIB em 2015 são necessárias medidas
permanentes adicionais de 1,2 % do PIB, além disto um esforço
fiscal adicional de 0,5% do PIB." (FMI p.12).
Quer o consumo público quer o privado têm se ser ajustados para
níveis mais baixos, criando espaço para o investimento privado.
(FMI p. 5) Porém, em completa contradição com isto, em 3
anos a procura interna reduziu-se de 14% e a FBCF 30%. (FMI p. 39)
Exigem mais "reformas estruturais" nos impostos e pensões para
manter as finanças públicas sustentáveis. (FMI p.25) Isto
é, pretendem reduzir o rendimento disponível e ao mesmo tempo
aumentar a poupança e ter um crescimento alto. (FMI p.5) Não
passa de um contra-senso. O que a evidência mostra é que cortar
despesas do Estado e aumentar impostos tem um impacto negativo na economia e
provoca maior endividamento, tornando impossível a sustentabilidade da
dívida pública e privada.
O documento destes tecnocratas subservientemente aceite pelo governo e pelo
Banco de Portugal, não passa como vemos de um moinho de
contradições e, independentemente do que a propaganda afirma, com
estas políticas, os cortes são permanentes e serão sempre
insuficientes.
Os salários e o emprego têm espaço destacado. Deve ser
assegurada a redução do emprego na função
pública. Carreiras e remunerações no sector público
continuarão a ser revistas. (FMI p.12)
A lógica anti-laboral e anti-sindical está patente em
questões que nada têm que ver com dívida e défice,
como: "reduzir custos laborais no trabalho portuário" (FMI
p.26) quando os salários são uma componente mínima dos
custos portuários, comparados com as amortizações de
infraestruturas e equipamentos, custos de energia, consumíveis, etc.
Apesar das sucessivas alterações para pior na
legislação laboral pretendem reduzir ainda mais os
salários no sector privado, insiste-se em eliminar a "rigidez nos
salários nominais", (FMI p. 21) reduzir a proteção no
emprego e os benefícios no despedimento e desemprego. (FMI p.20) A
redução das indemnizações por despedimento
já feita é saudada, mas considerada insuficiente.
Exigem descentralizar as discussões salariais, encorajar a flexibilidade
salarial e - sem pejo - reduzir incentivos para contestar demissões
individuais em tribunal. Estas propostas serão discutidas na 11ª
avaliação. (FMI p. 25) Introduzir maior grau de
representação antes de permitir a extensão dos acordos
coletivos e facilitar acordos de empresa (FMI p. 32) O que se pretende é
dividir para reinar, tornar inócuos os direitos laborais e a perspectiva
sindical, colocando os trabalhadores sob toda a espécie de chantagens.
Será ainda possível falar em democracia nestas
condições?
O liberalismo da direita fica completamente a nu quando se exige que o governo
tem de garantir que com a redução do desemprego não
aumentam os salários. (FMI p.23) Espantoso, para os salários
não há "equilíbrio de mercado"?! Receiam que
havendo "crescimento e emprego" os salários possam subir e
portanto a competitividade a desaparecer, visto que apenas se baseia em
salários baixos. Há então que eliminar os
"poderes" sindicais que tanto incomodam o sr. César das Neves.
Como referia Marx: o liberalismo é a anarquia na produção
mais o agente de polícia.
A atitude perante as "rendas" é também profundamente
contraditória. Passa em claro nada de consistente ter sido feito desde o
início nesse sentido.
[2]
Nem outra coisa seria de esperar, numa política que promove os
monopólios, consequência direta das privatizações,
das PPP e da decantada "reforma do Estado".
Querem privatizações nos transportes e da EGF (lixos). As
concessões no sector das águas (mais PPP
) ficam por ora
adiadas. (FMI p. 11)
[FMI]
Certamente à espera de algum "consenso"
do PS
Defendem monopólios e privatizações, mas com farisaico
desplante afirmam que os "preços do não
transacionável fizeram elevar os custos" (FMI p.6), considerando
que "as reformas implementadas não são suficientes,
permanece significativa rigidez na economia". (FMI p. 22) É
evidente que um país submetido aos monopólios e à
especulação atinge extremos de rigidez económica
estrutural e desequilíbrios sociais.
Falam numa lei de enquadramento para reguladores "independentes" com
o objetivo de garantir a desregulação do ambiente dos
negócios. Ridículo. Não há forma de regular
monopólios privados. É dos livros
liberais. Mas que importa,
o objetivo é outro.
O Tribunal Constitucional, apesar da sua visão minimalista da
Constituição e de não deixar de ser colaborante com os
objetivos do governo, torna-se o alibi para os falhanços e é
repetidamente mencionado. "As decisões do Tribunal Constitucional
contra as reformas podem minar a confiança e perspectivas de
crescimento". (p.9, 24, 73, etc)
A troika impõe o seu "modelo", mas a nada se compromete: a
procura externa mais lenta pode reduzir a contribuição para a
recuperação, tal como os riscos deflacionários na Zona
Euro (FMI p. 9). "As condições de mercado podem rapidamente
deteriorar-se". Então para que é que serve o mercado, que
raio de eficiência se garante com o "mercado"? "Os riscos
de que os objetivos do programa não sejam atingidos continuam
altos". Face a isto, o que é necessário segundo a troika?
Mais racionalização nas transferências sociais. (FMI p. 25)
Está tudo dito: os direitos e a política social são para
destruir. Eis o seu objetivo.
2 - A SITUAÇÃO ATUAL E O FUTURO
Cada vez que este governo anuncia "sucessos" os portugueses têm
mais dívida, sem redução do défice, mais
desemprego, três anos de recessão para continuar, empobrecimento
generalizado, emigração em massa, destruição da
classe média, redução do consumo e do investimento
comprometendo o futuro de forma dramática. Até o
"sucesso" das emissões de dívida não passa de
alinhar com a especulação em taxas de juro incomportáveis.
Sucessos destes lembram o que Napoleão teria dito depois da batalha de
Borodino na Rússia em 1812: Com mais uma vitória destas fico sem
exército
Com mais "sucessos" deste governo só
não ficamos sem país porque há quem lute para que tal
não aconteça.
O PIB decresce 1,6% em 2013, não mais devido ao Tribunal Constitucional
ter cancelado medidas do governo; 47% das empresas não conseguem ganhar
o suficiente para pagar as dívidas (TR p.28)
[TR]
. A rendibilidade da banca
é afetada pelo reduzido volume de negócios. O endividamento das
empresas permanece acima dos 155% do PIB (FMI p.16).
A situação dos bancos nacionais está pior do que em 2010,
apesar dos altos benefícios fiscais. Têm de reserva apenas 54% dos
empréstimos insolventes. Este rácio era de 78% na primeira metade
de 2010. (TR p.29)
As falências e o desemprego são a prova mais evidente que sobre os
trabalhadores e sobre os MPME foi colocada uma carga de austeridade que impede
o crescimento, o investimento, a poupança, o aumento do nível de
vida e segurança das famílias.
O défice público inicialmente previsto para 2013 era 3%; atinge
5,9%, 5,5% excluindo a recapitalização dos bancos privados. O PIB
está 5% abaixo do previsto (165 contra 174 mil milhões de euros).
O endividamento deveria estar em 109%, ficou em 129,4%. Porém, a despesa
do Estado é 45% do PIB, inferior à média da UE, 46%. (TR
p. 37) A carga de impostos atinge 43% do PIB, 37% em 1995, demasiado elevada
atendendo ao nível de rendimentos das pessoas. (TR p. 36)
Desde 2008 o emprego caiu 13%; o desemprego é mascarado com a
emigração, o trabalho parcial de 1 a 10 horas por semana,
ações de formação e estágios por conta do
Estado.
O crescimento de 5% das exportações deve-se principalmente
à exportação de produtos petrolíferos. O
crescimento dos produtos não petrolíferos foi de apenas 1,5%,
não por aumento da produção, mas desviando consumo interno
para exportação. Contudo a capacidade produtiva disponível
de produtos combustíveis é limitada e está esgotada,
quanto ao turismo aproveita o desvio do Norte de África devido à
situação aí existente. Além de que o crescimento da
UE é inferior ao do mercado mundial.
Sem investimento, sem motivação dos trabalhadores, com os mais
qualificados obrigados à emigração, a competitividade
manifesta-se pelos baixos salários e permanece muito insuficiente nos
termos do "comércio livre" instituído.
O endividamento do Estado incluindo a dívida criada às empresas
públicas, PPP, SWAP (cujas perdas potenciais são de 1,5 mil
milhões de euros), atinge na realidade 147% do PIB. O desastroso
endividamento do país em relação ao PIB, graças
à "ajuda" da troika que o sr. Coelho, primeiro-ministro,
agradece, é agora 47% mais elevado que a média da Zona Euro, 348%
contra 237%. (TR p. 19)
As necessidades de financiamento atingem em 2014 e 2015, respetivamente 46,5 e
40,2 mil milhões de euros, em dois anos mais de 50% do PIB de 2013. (FMI
p.43) Porém os bancos terão também de se refinanciar no
mesmo período em 83 mil milhões de euros. (TR p. 17).
Com taxas de juro médias de 3,5% para a dívida ser
sustentável o PIB teria de crescer mais de 3,5%. Algo absolutamente
impossível com os atuais constrangimentos impostos pela UE/ troika. Com
os 0,9% de excedente em 2013, Portugal levaria 77 anos a atingir os 60% de
endividamento requeridos pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade, isto no caso
da dívida não aumentar. Ora, desde 2009 o endividamento em
relação ao PIB aumentou um ponto percentual por mês. (TR p.
32
3 A TROIKA E O SEU MODELO DE DITADURA
Na expressão dos representantes da troika na reunião com os
parceiros sociais, "o modelo é este e têm de o cumprir".
Um "modelo" que promove um poder estéril nos seus resultados,
corrupto na promiscuidade com o grande capital monopolista e usurário,
obsoleto nos seus conceitos.
O neoliberalismo que instituem pela chantagem e pela agressão,
não passa de uma teoria dedutiva sustentada na ponta de alfinete de um
dogma: a autorregulação dos mercados e o seu equilíbrio
competitivo.
O PS não entende que não se trata de mais ou de menos
"austeridade". Ao defender isto, está a aceitar os conceitos
implícitos da própria austeridade promovida pela UE /FMI.
Não entende que o que está em causa é a própria
democracia, a soberania popular e do país usurpada pelo
"modelo" da troika, basicamente instituído nos tratados da UE,
entusiasticamente acolhidos pelo PS.
Com estas políticas as perspectivas futuras são desoladoras. A
direita vive de mentiras, criando ilusões em pessoas desinformadas pelos
propagandistas do sistema. Promove-se o obscurantismo, uma
característica fascista.
O relatório do FMI destrói toda a propaganda do governo, mas
também a do "europeísmo". Os sacrifícios
já feitos são considerados insuficientes e as famigeradas
agências de rating avaliam Portugal como lixo financeiro. Será
este "lixo" a saída limpa do sr. Portas do CDS e do sr. Coelho
do PSD?!
Portugal tinha em 2012 o segundo mais elevado coeficiente Gini da UE, que
representa o nível de desigualdades, praticamente a par com a Espanha,
em primeiro, e da Grécia, em terceiro. (TR p.26) Mas pretendem ainda
mais "austeridade" e mais vantagens para o grande capital. "O
povo português suporta injustamente a plena carga do ajustamento enquanto
especuladores lucram". (TR p.23)
O programa do FMI mostrou ser um falhanço completo, exceto para um
punhado de oligarcas que aumentam incessantemente a sua riqueza. As empresas
não financeiras nacionais pagam 6,2% de juros contra 3,8% em
média nos países da Zona Euro. (TR p.28) De que UE e Zona Euro
estamos a falar? Que "europeísmo"?
Se a direita alguma vez tivesse falado a verdade nunca teria chegado ao poder.
Agora, ao mesmo tempo que destrói o país considera que não
há alternativas. Mas também o PS não as apresenta. As
declarações do seu porta-voz depois da reunião da troika
com o PS sugerem idênticas transigências e perspectivas igualmente
más. Na realidade, apenas quem desistiu do seu país ou deixou de
pensar pode dizer que não há alternativas.
Notas
[1] História da Filosofia Ocidental, Bertrand Russel, Lisboa, Livros
Horizonte, p. 706
[2] As reduções em PPP foram obtidas com trabalhos a menos e
passagem de serviços de manutenção para a Estradas de
Portugal. As leoninas condições contratuais e as TIR (taxas
internas de rentabilidade) permaneceram intocáveis.
FMI - Tenth review under the extended arrangement and request for waivers of
applicability of end December performance criteriastaff report; press
release; and statement by the executive director for Portugal.
www.imf.org/external/pubs/cat/longres.aspx?sk=41355.0
TR Tortus Capital, Rehabilitating Portugal, janeiro de 2014.
rehabilitatingportugal.com/presentation.html
Ver também:
Três anos da Troica em Portugal
, CGTP-IN
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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