O ultimato de Putin aos Estados Unidos
Não só exigiu desculpas como uma mudança de toda a
política estado-unidense
Mas os media corporativos silenciam isto
por Rostislav Ishchenko
[*]
Depois de o presidente da Federação Russa decretar que a
Rússia suspendia a implementação do acordo com os EUA
sobre a eliminação de plutónio apto a fins militares, e
após a apresentação ao parlamento de um projecto de lei
nesse sentido, os media começaram a perguntar se isto estava relacionado
com a ruptura de cooperação na Síria. A segunda pergunta
era a razão porque a Rússia, sabendo que os Estados Unidos
não estavam a cumprir a sua parte do acordo, respondeu só
vários anos depois.
Alguns peritos nucleares dizem que o acordo beneficiou a Rússia.
É possível; não sou um perito e assim não posso
dizer se eles estão a ser objectivos. Além disso, o que é
lucrativo para a indústria nuclear pode ser não benéfico
para a segurança.
Embora pense que a Rússia não tem problemas especiais de
segurança, ela tem suficiente poder nuclear para infligir um golpe
mortal aos EUA, e Washington admitiu isso. Há suficiente material para
fabricar novas ogivas. No caso de uma grande permuta nuclear, seria
inútil produzir outra fornada de ogivas, além de ser
impossível. O problema seria preservar o que permaneceu da
civilização ao nível da Idade da Pedra.
Quanto à questão síria, não é a primeira vez
que os EUA assinam acordos e a seguir os rompem. A resposta da Rússia
não podia claramente ser comparada à recusa oficial dos EUA a
continuar a cooperação.
Embora Putin tenha retirado a Rússia do acordo de reprocessamento, ele
anúncio que este poderia ser recomeçado, sob certas
condições, incluindo
o cancelamento de todas as sanções contra a Rússia, a
compensação a Moscovo por perdas resultantes não só
daquelas sanções como das contra-sanções russas, o
cancelamento da Lei Magnitsky, a redução da presença
militar americana em países da NATO próximos da fronteira da
Rússia e o fim da política de confrontação com
Moscovo.
Os pedidos de Putin só podem ser definidos como um ultimato.
Anteriormente isto só aconteceu uma vez, em 1861, quando a
Grã-Bretanha apresentou um ultimato a Washington em
relação ao Trent Affair, durante a Guerra Civil Americana.
Naqueles tempos, embora em severas dificuldades, a América só
parcialmente satisfez os pedidos britânicos, embora nada houvesse de
humilhante quanto a eles. Os EUA haviam violado o direito internacional,
prendendo pessoas (britânicos) de navios neutrais, infringindo a
soberania da Grã-Bretanha, quase provocando uma guerra. Depois de
desautorizar o capitão e libertar as pessoas presas, a América
recusou-se a pedir desculpas.
Agora Putin exige não só pedido de desculpas e a
libertação de um par de prisioneiros como uma mudança de
toda a política da América, além de
compensação. Isto é uma exigência não
prática e insultuosa de rendição incondicional, numa
guerra híbrida que Washington não considera irreparavelmente
perdida.
Só a Grã-Bretanha reclamou aos EUA algo semelhante, ante do fim
da Revolução Americana, quando ainda era um súbdito
rebelde. Durante a última centena de anos, ninguém podia imaginar
falar a Washington desse modo. Putin claramente intencionalmente humilhou os
EUA, mostrando perante o mundo que se podia falar desse modo.
Ao que Putin estava a responder? Pensava ele realmente que os EUA cumpririam o
acordo entre Kerry e Lavrov sobre a Síria? Estava ele realmente
desapontado? A Rússia esteve consciente durante anos de que Washington
não esteve a cumprir o Pacto do Plutónio, mas isto beneficiava
sua indústria nuclear, a qual praticamente tornou-se um monopólio
global e pouco se importava com as limitações técnicas que
impediam os EUA de se desfazerem do seu plutónio apto para fins
militares como estipulado no acordo.
À resposta dura e quase imediata da Rússia seguiu-se um
anúncio do Departamento de Estado dos EUA de que a partir da
Síria esta iria enviar sacos de cadáveres de volta para casa,
perder seus aviões e que terroristas poderiam atacar cidades russas.
Imediatamente a seguir àquela declaração, o
Pentágono anunciou sua prontidão para um ataque nuclear
preventivo sobre a Rússia e o ministro russo das Relações
Exteriores disse que Moscovo estava consciente da intenção dos
EUA de começar uma guerra aérea contra tropas sírias e a
presença legal da Rússia ali.
Que outras razões haverá para o ultimato de Putin?
O treino em defesa míssil, defesa aérea e de Forças
Estratégicas de Mísseis para repelir um ataque nuclear à
Rússia, incluindo um lançamento sob ataque, verificou-se seis
meses atrás. Exercícios do Ministério de
Situações de Emergência da Rússia (
envolvendo até 40 milhões de civis
) são anunciados para os próximos dias a fim de verificar a
prontidão dos aparelhos de defesa civil quanto à guerra nuclear e
informar a população de medidas de emergência.
Se colocarmos tudo isto junto, vemos que os EUA têm há muito, de
modo não oficial, intimidado a Rússia com a ameaça do
conflito nuclear, enquanto Moscovo deixava saber que estava pronta e não
em vias de recuar.
Agora, os falcões de Washington decidiram elevar a aposta durante os
últimos meses da presidência Obama, incertos quanto à
vitória de Clinton. Eles chegaram a um ponto extremamente perigoso,
quando o conflito começa a desenvolver-se independentemente. Nesta
etapa, o Armagedão nuclear poderia ocorrer a qualquer momento, devido
à incompetência
(inadequacy)
do pessoal do Pentágono e da Casa Branca.
Moscovo tomou a iniciativa e elevou as apostas, mudando a
confrontação de outro modo. Ao contrário dos Estados
Unidos, não ameaça com guerra, mas dá uma resposta
política e económica dura, a qual, ao invés de fazer com
que o sonho de Obama se torne verdadeiro, ameaça arruinar a economia dos
EUA se se comportar mal.
A acção da Rússia minou gravemente o prestígio
internacional dos EUA, mostrando que a América pode ser batida com a sua
própria arma. Assim como você dá, assim você recebe.
Com esta sequência de eventos, poderíamos ver centenas de pessoas
das elites americanas no tribunal de Haia, não só dentro da nossa
esperança de vida como antes do fim do primeiro mandato do
próximo presidente americano.
Os EUA devem escolher: ou implementar suas ameaças e lançar uma
guerra nuclear ou suportar o facto de que isto não é mais um
mundo unipolar e começar a comportar-se consequentemente.
Não sabemos o que Washington escolherá. Há bastantes
pessoas estúpidas e ideologicamente motivadas no establishment
político americano prontas a imolarem-se num incêndio nuclear
juntamente com o resto da humanidade, ao invés de aceitar o fim da
hegemonia estado-unidense. Eles terão de escolher, porque quanto mais
Washington pretender que nada aconteceu, mais dos seus vassalos (que são
chamados de aliados mas são realmente dependentes) ignorarão
ambições americanas e desertarão para o novo pode
multipolar.
Os EUA podem esperar até não haver nem um único centro num
mundo multipolar. Não só africanos, asiáticos e
latino-americanos como também europeus vingar-se-ão do antigo
poder hegemónico por humilhações passadas. E eles
não são tão atenciosos quanto a Rússia.
Finalmente, o ultimato de Putin foi uma resposta a todos aqueles que
perguntaram indignadamente porque tanques russos não haviam capturado
Kiev, Lvov e Varsóvia e Paris ainda em 2014, especulando
sobre qual era o plano de Putin.
Escrevi então que se você fosse ter uma confrontação
com o poder hegemónico, era preciso estar seguro de que seria capaz de
responder a qualquer coisa que ele fizesse. A economia, os militares, o governo
e toda a sociedade precisam estar preparados. Se você não estiver
preparado, você precisa tentar ganhar tempo.
Agora está tudo pronto e as cartas estão sobre a mesa. Veremos
como os EUA respondem. Mas o quadro geopolítico nunca será o
mesmo outra vez. O mundo já mudou. A luva foi lançada aos Estados
Unidos e este não teve a coragem de apanhá-la de imediato.
06/Outubro/2016
[*]
Observador político da Agência Internacional de Notícias
Rossiya Segodnya
O original encontra-se na RIA Novosti e a versão em inglês em
russia-insider.com/en/politics/putins-ultimatum/ri16851
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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