Eurocomunismo, ou o render dos ideais (II)
por Catarina Casanova
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O carácter relativamente "pacífico" do período
de 1871 a 1914 alimentou o oportunismo primeiro como estado de espírito,
depois como
tendência e finalmente como grupo ou camada da burocracia operária
e dos companheiros de jornada pequeno-burgueses. Estes elementos
sóì podiam submeter o movimento operário reconhecendo em
palavras os objetivos revolucionários e a táctica
revolucionária. Eles sóì podiam conquistar a
confiança das massas através da afirmaç
ão solene de que todo o trabalho «pacífico» constitui
apenas uma preparação para a revolução
proletária. Esta contradição era um abcesso que alguma vez
haveria de rebentar, e rebentou. Toda a questão consiste em saber se se
deve tentar, como fazem Kautsky e Cª, reintroduzir de novo esse pus no
organismo em nome da «unidade» (com o pus) ou se, para ajudar a
Ì completa cura do organismo do movimento operário, se deve, o
mais depressa possível e o mais cuidadosamente possível,
livraì-lo desse pus, apesar da temporária dor aguda causada por
esse processo. (Lenine, 1916 in O Oportunismo e a Falência da II
Internacional, publicaç
ão original na Revista Vorbote, nº1.
www.dorl.pcp.pt/images/classicos/lenine_oportunismo2internacional.pdf
A derrocada da dominação da burguesia só é
possível pelo proletariado, única classe cujas
condições económicas de existência a tornam capaz de
preparar e realizar essa derrocada. O regime burguês, ao mesmo tempo que
fraciona, dissemina os camponeses e todas as camadas da pequena burguesia,
concentra, une e organiza o proletariado. Em virtude do seu papel
económico na grande produção, só o proletariado
é capaz de ser o guia de todos os trabalhadores e de todas as massas
que, embora tão exploradas, escravizadas e esmagadas quanto ele, e mesmo
mais do que ele, não são aptas para lutar independentemente por
sua emancipação.
A doutrina da luta de classes, aplicada por Marx ao Estado e à
revolução socialista, conduz fatalmente a reconhecer a supremacia
política, a ditadura do proletariado, isto é, um poder
proletário exercido sem partilha e apoiado diretamente na força
das massas em armas. O derrubamento da burguesia só é
realizável pela transformação do proletariado em classe
dominante, capaz de dominar a resistência inevitável e desesperada
da burguesia e de organizar todas as massas laboriosas exploradas para um novo
regime económico. (Lenine, 1918 in O Estado e a Revolução.
Obras Escolhidas de Lenine, Edição em português da
Editorial Avante, 1977, T2: pp 219-305; traduzido das O. Completas de Lenine 5ª
Ed. Russo, t.33: pp 1-120)
www.dorl.pcp.pt/images/classicos/t25t088.pdf
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Pode parecer estranho que partidos nascidos da ruptura revolucionária
com a II Internacional (como o PCF, o PCI ou o PCE), venham a repetir com
semelhanças evidentes o que de pior houve nos partidos
social-democratas: democratismo, conciliação de classes,
cretinismo parlamentar, tudo foi repetido. O resultado de tais
repetições é uma consequência natural de causas
idênticas.
Morreram em luta contra o nazi-fascismo, das barricadas de Barcelona às
montanhas do norte de Itália, milhares de militantes comunistas, contra
o capitalismo. O capitalismo, seja em putrefacção (nazi-fascismo)
ou não, é sempre capitalismo, ainda que dê migalhas ao
proletariado como em regimes de fachada pseudo-democrática com
parlamentos burgueses, sufrágio universal, mas onde na verdade, o
capital e os seus representantes políticos estão sempre em
vantagem. De resto, se por acaso os comunistas chegarem ao poder de acordo com
as regras burguesas, o capital rapidamente arranja forma de quebrar as regras
por ele ditadas (veja-se o Chile). Os comunistas jamais lutam pelo capitalismo,
seja com que formato for. Lutam sempre tendo como perspectiva a
revolução socialista. Portanto, importa lembrar que estes
milhares de comunistas morreram pelo fim da sociedade da
exploração e da opressão, pelo socialismo, pelo comunismo.
Não foi pela democracia burguesa que Gramsci ou
Arthur Dallidet
morreram. Não foi para isso que milhões de comunistas deram a
vida contra o nazi-fascismo.
Após a II Guerra Mundial surge a ideia peregrina de a democracia ser um
regime neutro no que toca à natureza de classe (uma tese kaustkysta
desmentida por Lenine 30 anos antes em A Revolução
Proletária e o Renegado Kautsky). O aparelho de Estado
democrático poderia ser utilizado, independentemente das
relações de produção, quer pelo proletariado para
atingir o socialismo, quer pela burguesia para aprofundar o capitalismo. Em
face disto, a preparação e o desenvolvimento da luta
revolucionária tornava-se desnecessária: a tarefa dos partidos
comunistas passava a ser no plano sindical discutir e negociar reformas
(bastante próximas do programa de transição de Trotsky
[1]
) e no plano político, como disse Stalin
[2]
, serem máquinas de propaganda eleitoral e apêndices de um grupo
parlamentar.
Assim se gerou um período de várias décadas de paz social
dissimulada por um discurso que utilizou e utiliza todos os conceitos
teóricos: marxismo-leninismo, partido
revolucionário, a importância da luta de
classes mas que, no fundo, é pautado por práticas
reformistas de que é exemplo claro a prática não coincidir
com o discurso. Esta degenerescência atingiu o ponto máximo
quando, extravasando o plano nacional, se materializou na tese da
refundação do projecto europeu por meios democráticos e
pacíficos, elemento programático central do Partido da Esquerda
Europeia onde cabem, forças que vão desde o PCE, o PCF
até ao Syriza e ao Bloco de Esquerda caracterizado pela
Resolução Política do XIX Congresso do PCP
[3]
como estrutura de natureza supranacional e reformista que
não só não contribui para a unidade e
cooperação das forças comunistas e progressistas da
Europa, como introduz novos factores de divisão, afastamento e
incompreensão, que dificultam avanços na cooperação
e solidariedade entre forças comunistas e de esquerda na Europa.
Na contemporaneidade, o eurocomunismo e o Partido da Esquerda Europeia
são os responsáveis máximos pela claudicação
ideológica contribuindo escandalosa e conscientemente para o atraso da
consciencialização das massas encaminhando-as para becos sem
saída.
É urgente encarar a luta contra o reformismo como uma tarefa central dos
comunistas. Sobretudo quando as experiências governativas feitas tendo o
programa destes partidos como alicerce veja-se o Syriza se
revelaram em tudo iguais às dos partidos burgueses: alianças com
o sionismo, deportação de refugiados, prisão de
sindicalistas, repressão de manifestações e
aplicação de memorandos da troika.
Não é possível utilizar o Estado burguês funcionando
ao serviço dos trabalhadores. Os trabalhadores devem erguer o seu
próprio Estado pela via revolucionária.
17/Maio/2016
Notas:
[1] Trotsky, L. 1938, in O Programa de Transição.
https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap01.htm#1
[2] Significa que os partidos da II Internacional não servem para a luta
do proletariado, que não são partidos de luta do proletariado,
que possam conduzir os operários à conquista do Poder, mas um
aparelho eleitoral, adaptado às eleições parlamentares e
à luta parlamentar
(Stalin, 1924 in Sobre os Fundamentos do Leninismo, Jornal Pravda,. 96, 97,
103, 105, 107, 108 e 111, respectivamente em 26 e 30 de Abril e 9, 11, 14, 15 e
18 de Maio. O PCP publicou uma edição clandestina desta obra
durante a ditadura de Salazar)
https://www.marxists.org/portugues/stalin/1924/leninismo/cap08.htm
[3]
www.pcp.pt/resolucao-politica-do-xix-congresso
A primeira parte deste artigo encontra-se em
resistir.info/portugal/c_casanova_05mai16.html
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Professora Associada da Universidade de Lisboa
O original encontra-se em
cravodeabril.blogspot.pt/2016/05/eurocomunismo-e-reformismo.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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