Viagem ao Brasil
por Jorge Figueiredo
Rever o Brasil depois de alguns anos de ausência provoca uma
impressão dolorosa. O Brasil é hoje um país arruinado e
agora em crise profunda económica, social e política. A
queda da cotação do real é vertiginosa; falta água
na Grande S. Paulo (39 municípios); no estado de S. Paulo está
previsto o desaparecimento de 610 mil postos de trabalho até o fim do
ano
(Estadão,
17/Set/2015); a Petrobrás ameaça entrar em
incumprimento
; os escândalos de corrupção (endémicos) sucedem-se;
as exportações de commodities mirram tanto em termos de
preço como de quantidade; a reacção leia-se o
capital financeiro está na ofensiva.
Apesar dos seus gigantescos recursos naturais, o país hoje encontra-se
exangue e o seu povo passa privações. A social-democracia lulista
malbaratou todas as oportunidades que teve. Hoje o PT é um dos partidos
mais odiados do Brasil e a presidente Dilma é refém das forças reaccionárias
que o lulismo tanto acarinhou. Ela acaba de comprar, ao preço de sete ministérios, o apoio do PMDB no Congresso.
É em meio a esse caos que surgem os numerosos pedidos de impeachement da
presidente Dilma. Trata-se de uma arma da direita para chantagear a presidente
e forçá-la à capitulação total, ou seja, a
fazer ainda mais cedências do que já fez até agora. Dada a
sua docilidade, é de supor que a ameaça da
utilização da arma do impeachment baste para que a
reacção alcance seus objectivos e consiga
tudo o que quer sem chegar a interromper o seu mandato.
O actual Congresso, em que o PT está em minoria, é um dos mais
corruptos da história do Brasil. Há quem o chame o Congresso BBB
(boiada-banqueiros-bispos), pois é dominado por
latifundiários pecuaristas, banqueiros e "bispos" de
seitas evangélicas. A presidente está nas mãos desse
parlamento. Já lhe fez tantas cedências que descaracterizaram
totalmente as tímidas medidas sociais-democratas do PT.
Neste momento o Brasil assiste ao fracasso do lulismo. A sua figura de proa,
Lula, pôde avançar graças à "bênção" da ditadura militar.
Quando esta estava nos seus estertores, o general Golbery, seu ideólogo
principal, receava que o fim da repressão ao movimento operário
provocasse a ascensão dos comunistas nos sindicatos. Provocou assim uma
repressão ainda mais brutal contra dirigentes operários
comprometidos com a sua classe e deu graus de liberdade aos indivíduos
que defendiam o
chamado "sindicalismo de resultados". Isso permitiu o começo
da carreira política de Lula, a qual depois extrapolou o movimento
sindical. Além disso, antes de tomar posse no seu primeiro mandato
(2002), Lula garantiu por escrito a manutenção da política
económica neoliberal do seu antecessor F. H. Cardoso (PSDB). O documento foi
chamado de "Carta aos Brasileiros", mas mais adequadamente deveria
ser chamado de "Carta aos Capitalistas".
A social-democracia retardatária implantada com o lulismo é um
mostruário perfeito dos malefícios do neoliberalismo. O lulismo
não tinha e não tem uma estratégia de desenvolvimento e,
muito menos, qualquer veleidade de transcender o modo de produção
capitalista. Limitou-se a aproveitar o boom das commodities, provocando a
reprimarização da economia brasileira
e afunilando-a na exportação de produtos de pouco valor
acrescentado
(minérios em bruto, soja, etc) a fim de obter receitas. Enquanto durou o
boom, essas receitas serviram em
parte para modestas políticas assistencialistas (programas Fome Zero,
Minha Casa-Minha Vida, etc). Mas pouco serviram para incrementar o
desenvolvimento real do país. Hoje a indústria brasileira
tende à obsolescência e a Reforma Agrária (outrora bandeira
do lulismo) há muito que foi posta entre parênteses. Isto se
reflecte em tudo.
Na educação por exemplo: para exportar produtos primários
não é preciso ciência nem gente muito instruída. Assim,
todos os níveis do ensino
público estão degradados devido ao sub-financiamento. O mesmo se
passa na saúde e em outras áreas.
A degradação chega ao nível sensorial. Rever S. Paulo
depois de alguns anos de intervalo provoca uma impressão chocante.
É uma cidade cada vez mais suja e deteriorada. Os edifícios de
condomínio, por toda a parte, têm casamatas de vidro blindado na
entrada e são cercados por grades altas com pontas. Mesmo as casas mais
pobres são cercadas por rolos de arame farpado estendidos em cima dos
muros, o que dá uma ideia dos níveis de medo ou de criminalidade.
Uma das poucas indústrias que tem prosperado é a da blindagem de
automóveis.
Os níveis de poluição são terríficos, mas a
maior parte da população parece que já se habituou
à qualidade do ar produzida por milhares de autocarros fumarentos com
motores diesel (seria tecnicamente fácil melhorá-la impondo
autocarros a gás natural nos transportes públicos). Mas os
problemas do povo e as suas reivindicações são tantas que
falar em qualidade do ar parece um luxo desnecessário. A gestão
da municipalidade (Haddad, PT) é medíocre e faz demagogia
pseudo-ecológica com a construção de pistas para
bicicletas.
Os pobres ciclistas terão de respirar em largos haustos a fumarada do
óleo diesel.
No plano estadual, a gestão da coisa pública é ainda pior.
Como se concebe que uma metrópole de 22 milhões de habitantes
esteja a sofrer racionamento de água? Para a gestão das
águas o governo do estado (Alckmin, PSDB) tem uma parceria
público-privada (PPP), a Sabesp. E, de acordo com a ideologia
neoliberal, uma PPP
é para dar lucro e não para servir a população.
Assim, não foram feitos os investimentos necessários e hoje seis
dos oito reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de S.
Paulo estão em colapso. O racionamento faz-se por regiões da
cidade, cortando-se a água sobretudo aos mais pobres. A ameaça de
doenças infecciosas como o dengue e a cólera é uma
realidade. A gestão dos recursos hídricos é tão
irracional que continua a ser despejado esgoto não tratado num
reservatório que existe junto à cidade de S. Paulo (represa
Billings) e a Sabesp vai buscar água potável a centenas de
quilómetros.
Nos transportes públicos, S. Paulo é outra catástrofe. As
gestões da municipalidade têm sido medíocres há
muitos anos (com excepção da de Irundina, então PT). O
desperdício de recursos públicos tem sido colossal com a
construção de túneis e viadutos para o automóvel
privado. Consequentemente, o congestionamento do tráfego já é constante.
Mas a extensão do metro, que agora tem apenas uns
míseros 78 km, arrasta-se há longos anos em meio a
escândalos de corrupção e acidentes em obras. A culpa
é sobretudo do governo do estado, responsável pelo seu
financiamento. Mas a filosofia privatizadora prevalece: os transportes
são para dar lucro, não para servir a população. O
secretário dos Transportes do governo estadual, sr. Pelissioni, anuncia
com orgulho que "já tem 20 contratos de concessões no sector
rodoviário". Além disso, pretende instalar e operar
através de PPPs as futuras linhas 4 e 5 do Metro (revista
ESPM,
nº 99, pg. 142). Por sua vez, as linhas de autocarros são
concedidas pelas municipalidades da Grande S. Paulo a empresas privadas.
Vê-se assim porque os transportes de S. Paulo estão no caos
actual, quando no passado já houve uma companhia municipal (CMTC) que
proporcionava um serviço razoável à
população. É de pensar no que acontecerá à
qualidade do serviço dos transportes de Lisboa e Porto depois de
consumadas as privatizações feitas pelo governo PSD-CDS.
Além da péssima qualidade os transportes são caros para o
nível de rendimento da sofrida população que os utiliza. A
viagem num autocarro (com carroçarias geralmente montadas sobre altos
chassis de camião) custa R$3,50 (0,88). Nas carruagens do metro e
comboios suburbanos a população viaja apinhada como
sardinhas em lata e muitas vezes gasta mais de três horas por dia
na
viagem casa-trabalho-casa. De um modo geral os transportes são demasiado
caros no Brasil. Uma viagem de avião S.Paulo-Rio-S.Paulo, cerca de 400x2
km, pode custar até R$1.800 (450).
Nas condições péssimas em que vive a
população brasileira, por vezes há revoltas
espontâneas como
aconteceu em 2013. Há uma efervescência que tende a explodir, mas
não ainda uma resistência organizada. Isso se deve a várias
razões, tais como: o papel perverso e desinformativo dos media
(não existe nenhum jornal ou revista progressista que chegue às
bancas de jornais); o baixo nível de cultura política de grande
parte da população (fraca consciência de classe, de
nível de organização, indisponibilidade de tempo para uma
vida cultural e política) e, sobretudo, a função
apassivadora dos partidos e organizações que os media apresentam
como sendo "esquerda" (PT com o seu acólito PCdoB, central sindical CUT, sindicalismo
amarelo, etc).
Em meio a esse panorama, as forças realmente progressistas tentam elevar
o nível de consciência popular e combater o falso dilema de optar
entre a direita propriamente dita (PSDB, PMDB, etc) ou defender o governo
reaccionário da sra. Dilma que se pôs ao serviço do capital
financeiro (o actual ministro das Finanças, Levy, foi presidente do
maior banco brasileiro). Assim, no dia 18 de Setembro houve uma
manifestação nacional em S. Paulo contra o PT, o PMDB e o PSDB
simultaneamente. Numerosas organizações democráticas
participaram da marcha, dentre as quais o
PCB
. Durante o percurso (da Av. Paulista à Pr. da República, cerca
de 5 km), os manifestantes (cerca de 15 mil) foram ladeados à direita e à
esquerda por filas de
soldados da Polícia Militar do Estado de S. Paulo muitos deles
com escudos acrílicos e coletes acolchoados. Esse enquadramento policial mostra
os limites da democracia brasileira.
26/Setembro/2015
Este artigo encontra-se em
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