O referendo italiano, o Euro e a soberania... (2)
por Jacques Sapir
(5) Esta morte do euro é inelutável a médio prazo, com ou
sem vontade política de precipitá-la?
A morte do euro está inscrita nas realidades económicas. Mas as
condições, e sobretudo a data desta morte, dependem da vontade
política. Se se tem uma vontade política para dizer que o euro
chegou ao fim da vida, que hoje ele é uma instituição
não só nefastas como também perigosa, então poderia
haver um fim do euro que se verifica sem problemas. Esta é a via da
razão. Seria preciso, na realidade, dissolver o euro de comum acordo.
Mas, para que se tenha uma massa política crítica decisiva a este
respeito, seria preciso que houvesse um acordo entre a França e a
Itália, no mínimo. Eis porque, se o "não" vencer
no referendo italiano, será muito importante eleger entre os candidatos
declarados, aquele que estiver em melhores condições de realizara
uma frente comum com o novo governo italiano para falar aos alemães de
modo decisivo acerca deste ponto.
Do contrário, nós ainda nos atolaremos numa vontade de fazer
viver o euro a qualquer preço, com programas de austeridade cada vez
mais violentos, em detrimento dos povos e das economias, e não
experimentaremos inelutavelmente uma ascensão do desemprego e das suas
consequências, como a anomia social e as diferentes patologias que dela
decorrem. Mas estou convencido que mesmo esta situação
será transitória ´pois os problemas económicos
permanecem. Os factos são teimosos dizia Lenine; isso é ainda
mais verdadeiro nos factos económicos. O problema portanto é
abreviar os sofrimentos, tanto sociais como individuais, que o euro provoca.
Para além disso, é preciso fazer explodir o obstáculo que
impede o retorno ao crescimento. O euro hoje proíbe conduzir
políticas centradas num crescimento forte. Nisto, tornou-se
completamente obsoleto.
(6) Em que é que o euro é politicamente um travão
democrático?
Se o euro é uma catástrofe económica, e isso agora
é reconhecido por um número crescente de economistas, as
consequências políticas do euro não são menos
graves. O euro construiu um quadro político que se verifica
incompatível com a expressão democrática da soberania
popular. Ele conduz os dirigentes europeus a tomarem posições
cada vez mais liberticidas.
O euro faz parte de um projecto, aquele de instaurar uma Europa supranacional,
uma Europa federal, mas sem consultar as populações.
Aliás, Jean-Claude Junckers já o disse. Sobretudo nada de
referendo, sobretudo nada de debate político
[9]
. Esta declaração, bastante assustadora, vai a par daquela que
ele havia feito em Janeiro de 2015, a seguir às eleições
legislativas na Grécia (em que ele igualmente interveio
[10]
), em que dizia não poder haver escolha democrático contra os
tratados europeus
[11]
.
De facto, o euro não é simplesmente uma instituição
económica; é também e talvez sobretudo um
modo de governação. Se se considera sua declaração
de Janeiro de 2015 deve-se ver ali a afirmação tranquila e
satisfeita da superioridade de instituições não eleitas
sobre o voto dos eleitores, da superioridade do princípio
tecnocrático sobre o princípio democrático
[12]
. A única legitimidade de que Jean-Claude Juncker pode invocar é
apenas a legalidade de um tratado. Temos então um exemplo imediato e
directo da circularidade de raciocínio mantido nas instâncias
europeias. É preciso legitimidade para contestar um direito legal num
outro país. Mostrei isso, e todas as consequências que daí
decorrem, no livro que publiquei no princípio deste ano,
Souveraineté, Démocratie, Laïcité
[13]
. Mas esta legalidade não provém ela própria senão
da legalidade de um tratado fundador. Em que esta legalidade será
superior à legalidade do escrutínio na Grécia, ou por
exemplo na Itália ou em França? Não há nenhuma base
para estabelece-lo, pois seria preciso então referir-se a um
princípio de Soberania, o que as instituições europeias
não querem sob pretexto algum.
O sr. Juncker não é o chefe do governo de um país. O facto
de que ele tenha permitido fazer esta declaração, que se pode
julgar escandalosa, testemunha realmente que ele pensa ter direito de
fazê-la. E é este "direito" que devemos interrogar, pois
ele decorre da lógica federal implícita na criação
do euro. Significa que o sr. Juncker pensa deter um direito superior aos
eleitores gregos para dizer por quem eles devem ser dirigidos. Com esta
declaração, o sr. Juncker trai o facto de que ele considera que a
Comissão Europeia é realmente uma instância
superior
aos governos dos países membros, uma instância cuja legitimidade
lhe permite, pequeno político apodrecido de um país cujas
práticas fiscais constituem um escândalo permanente, ditar suas
condições.
Nisso, o senhor Juncker, e antes dele o senhor Barroso, retomam, sabendo ou
não, o discurso da União Soviética em
relação aos países do Leste em 1968 aquando da
intervenção do Pacto de Varsóvia em Praga: a famosa teoria
da soberania limitada. Eles parecem considerar os países membros da
União Europeia como colónias, ou mais precisamente
"domínios", cuja soberania estava submetida àquela da
metrópole (a Grã-Bretanha). Salvo que no caso não
há metrópole. A União Europeia e a União
Económica e Monetária, ou seja, a zona euro, seriam portanto um
sistema colonial sem metrópole. E, talvez, não seja senão
um colonialismo por procuração, um colonialismo em proveito de
uma potência mascarada, certamente a Alemanha, mas por trás dela
os Estados Unidos.
(7) O sr. explica que o euro estará no cerne da campanha presidencial de
2017. Esta verá oporem-se o campo do rigor orçamental contra o da
desvalorização monetária? Equivale isso a escolher entre a
deflação de um lado e a inflação do outro?
De facto, o que se confrontará na eleição presidencial
é uma estratégia, de que François Fillon deu uma
visão coerente, que visa realizar uma desvalorização
interna,
fazer baixar os salários e os preços em França, em
relação a uma estratégia que visaria, recuperando a
soberania monetária, também fazer baixar estes preços e
estes salários para da outra vez competitividade à economia
francesa. Dir-se-á então: não é a mesma
estratégia?
Na realidade, os efeitos destas duas estratégias são muito
diferentes. Naquela que François Fillon quer aplicar, dito de outra
forma nesta estratégia que se chama
desvalorização interna,
a baixa dos salários e das prestações é o
mecanismo que deve induzir a baixa dos preços. Mas, devido à
rigidez relativa da estrutura dos preços, pelo facto de que alguns
não estão directamente ligados aos salários, esta baixa
dos rendimentos implica em primeiro lugar uma baixa importante da procura
interna, que se traduz por uma ascensão do desemprego. Pode-se avaliar
em cerca de 500 mil pessoas nos dois primeiros anos (2018 e 2019). Entretanto,
é preciso saber que esta estimativa não inclui o que se chama de
desemprego "induzido", ou seja, as destruições de
empregos provocadas pelas primeiras destruições de empregos que
são, elas próprias, provocada pela baixa da actividade. Este
desemprego induzido poderia afectar cerca de 250 mil pessoas suplementares, num
total de 750 mil pessoas. Mas este não seria o único efeito
negativo. A alta dos lucros não provocaria uma alta da actividade, esta
permaneceria deprimida devido à baixa do consumo das famílias.
Ora, se o lucro representa o resultado da actividade
passada
da empresa o investimento representa uma aposta que o empresário faz
sobre o
futuro.
O investimento é assim bem mais sensível às incertezas
sobre a procura do que ao nível dos lucros
[14]
. Os investimentos seriam na realidade bem mais fracos do que supõe
François Fillon, tanto mais porque a sua política se traduziria
também por um abandono do investimento público, que é
essencial para a competitividade de um território. A qualidade dos
serviços públicos desempenha um papel determinante na
atractividade de um território
[15]
. Os lucros das empresas seriam traduzidos por uma saída maciça
de capitais, para investir fora da França uma vez que as perspectivas de
crescimento da França estariam muito deprimidas. Teríamos
então a constituição de uma finança muito
especulativa vindo enxertar-se numa economia deprimida. Finalmente, a baixa da
actividade reduziria as receitas fiscais do Estado e dos regimes sociais, no
momento mesmo em que o forte aumento do desemprego os confrontaria com um
acréscimo das despesas. Os défices públicos e dos regimes
sociais seriam assim agravados por esta política visando, teoricamente,
reduzi-los. Foi o que se viu no conjunto dos países que adoptaram esta
política.
Inversamente, a outra estratégia, que visa realizar uma baixa dos
preços por uma depreciação da moeda, teria resultados bem
diferentes. A depreciação da moeda faria instantaneamente baixar
todos os preços e salários, mas mantendo a relação
entre estes preços e estes rendimentos. Não haveria baixa do
consumo para os bens e os serviços produzidos em França. Em
contrapartida, os bens importados evidentemente aumentariam. Mas estes bens
representam cerca de 40% do consumo médio das famílias. As
empresas veriam seus lucros aumentarem, quer nos mercados de
exportação ou no mercado interno, pois os produtos importados
veriam seus preços agravados. A actividade cresceria tanto nos mercados
de exportação como numa substituição progressiva
das importações por produções realizadas no
território francês. De facto, estudos recentes mostram que a taxa
de câmbio tem uma importância considerável sobre a
competitividade
[16]
. A França tornar-se-ia atractiva outra vez para os investimentos
estrangeiros que viriam instalar no nosso país novas capacidades de
produção. O FMI considera actualmente que uma
depreciação de 10% da moeda engendra uma alta de actividade de
1,5% em média. No caso de uma saída do euro, calculou-se que nos
três anos seguintes a criação de emprego
líquido
seria da ordem dos 1,5 milhões de postos de trabalho. Dito de outra
forma, por um efeito
directo
teríamos em três anos um retorno ao emprego de aproximadamente da
metade dos que procuram emprego na categoria "A". As
criações de emprego induzidas também seriam importantes,
mas mais delicadas de estimar, entre 250 e 600 mil
[17]
. Esta forte baixa do emprego traduzir-se-ia mecanicamente por uma baia das
despesas e uma forte alta das contribuições, que reconduziriam ao
equilíbrio as diferentes caixas, quer se trate do seguro-desemprego ou
da segurança social.
Vê-se que a estratégia preconizada por François Fillon se
assemelha muito fortemente com políticas de deflação que
foram conduzidas com resultados catastróficos na Alemanha sob o
chanceler Brunning de 1930 a 1931, na Grã-Bretanha por Ramsay MacDonald
ou em França por Pierre Laval. Eis porque uma política de
depreciação interna da moeda é sempre preferível a
uma desvalorização interna.
De maneira geral, a inflação surge sempre como mais prometedora
do que a deflação. A inflação, apesar de ter
inconvenientes evidentes e que são bem conhecidos, tem também a
vantagem de libertar os empresários da mão morta do passado, como
dizia Keynes na sua obra
"A tract on monetary reform"
[18]
, e de favorecer o espírito de empresa e o desenvolvimento de novas
actividades sem o peso das dívidas acumuladas.
(8) Com o que poderia parecer concretamente uma saída do euro?
Cidadãos franceses perderiam mais do que outros?
Numa saída do euro, e qualquer que seja o cenário, temos uma
decisão de redenominar todos os pagamentos e todas as contas do euro em
franco (ou qualquer outro nome dado à moeda francesa). Uma pessoa que
receba 1400 euros por mês, que paga um aluguer de 650 euros, que
está endividada em 10 mil euros e que tem no total 30 mil euros em
diversas contas bancárias encontra-se de um dia para outros com 1400
francos de salário, aluguer de 650 francos, uma dívida de 10 mil
francos e haveres bancários de 30 mil francos. Dito de outra forma: para
ela não muda nada.
Se o Franco se depreciar 30% em relação à moeda
alemã, 10% em relação ao Dólar dos Estados Unidos,
mas apreciar-se 5% em relação à Lira italiana, o que se
passa? Quando a nossa pessoa, se tiver um carro, abastecer-se de
combustível num posto de serviço este terá aumentado
não 10% (a depreciação do Franco em relação
ao Dólar) mas 10% sobre o seu preço sem impostos, que é
apenas 15% do preço total. O custo do combustível terá
aumentado 1,5%. Admitamos que esta pessoa vá depois comprar o seu
pão: ela não verá nenhuma diferença. Se ela for ao
supermercado comprar massas italianas, ela verá uma baixa de -5%, mas se
ela quiser comprar um produto alemão, em contrapartida ela
verificará que tem uma alta de 30%. Examinemos este problema. Admitamos
que esta pessoa pretende trocar de carro. Ela constatará que os carros
alemães aumentaram fortemente, os carros franceses permaneceram no mesmo
preço (para os modelos fabricados em França), mas que um carro
italiano baixou ligeiramente. Deseja ela partir de férias? Primeiro,
recordemos que apenas 55% dos franceses tiram férias e neste total cerca
de 25% no estrangeiro, ou seja, 14%. Se esta pessoa quiser partir para a
Alemanha (há de todos os gostos na natureza...) ela verificará
que as suas férias são consideravelmente mais caras. Mas se ela
decidir partir para a Itália, Espanha, mesmo a Grécia
(países que depreciariam as suas moedas mais do que o Franco o faria),
ela constataria que suas férias lhe custam menos caro. E se ela decidir
ficar em França (como a maioria dos franceses) ela verá que nada
terá mudado. Esta pessoa não sentiria senão muito
fracamente o impacto desta depreciação. Em contrapartida, ela
poderia constar muito rapidamente que o clima económico mudou, que o seu
vizinho pôde encontrar trabalho, que ela própria, que se preocupa
na sua empresa e que temia um plano social, vê doravante o futuro
desanuviar-se.
Este exemplo mostra que a afirmação de que uma
depreciação do franco de 10% seria traduzida por uma alta dos
preços de 10% é absolutamente falsa e não tem nenhuma base
económica. As declarações de Laurent Wauquiez quanto a
isto raiam o delírio
[19]
. Primeiro, os alugueres, os preços dos transportes em comum, da cantina
escolar (se esta pessoa tiver filhos) não se alterariam. A seguir, sobre
os produtos importados, seria preciso determinar de onde vêm. No caso de
uma explosão do euro, certas moedas seriam depreciadas mais que o
Franco. Os preços destes produtos baixariam. Em contrapartida, o Franco
depreciaria face ao Dólar dos Estados Unidos, mas sobretudo face ao
Marco alemão. A questão que se colocará então para
esta pessoa será mudar de produtos, abandonar produtos feitos na
Alemanha para escolher produtos feitos em França, ou nos países
cuja moeda se tiver depreciado mais do que o Franco. Se, ao invés desta
pessoa que ganha 1400 euros/francos tomarmos um quadro dirigente, que ganha
7000 euros/francos por mês, que anda em Audi ou Mercedes e que gosta de
passar um fim de semana em Nova York, ou seja, um representante típico
destas elites mundializadas que nos dão como exemplo, o custo do seu
consumo aumentaria fortemente. Mas tais pessoas representam 1% da
população activa. Constata-se, através deste exemplo, que
uma depreciação da moeda é também um mecanismo de
reequilibragem entre a parte da população consome
"local" e a (pequena) parte da população que consome
"mundial".
Se considerarmos agora o problema geral das dívidas, vê-se que se
está muito longo das descrições catastrofistas que foram
feitas. A dívida pública, se for emitida em França
é
automaticamente
redenominada em Franco. Ora, 97% da dívida pública francesa
é em títulos do Tesouro emitido em França. A dívida
das famílias e, também ela, muito amplamente emitida em
França e não se alteraria. A dívida das empresas é
composta em 33% por títulos emitidos sobre praças estrangeiras
[20]
. Estes títulos seriam reavaliados (10% se forem emitidos em
Dólares). Mas são empresas multinacionais que emitem estes
títulos. Ora, uma sociedade que vende ao estrangeiro realiza sua
facturação na moeda dos países onde ela venda. Isso
significa que a facturação realizada na Alemanha será
reavaliada também ela em 30%, aquela realizada nos Estados Unidos em 10%
e assim por diante. A dívida dos bancos e sociedades financeiras
é emitida em 40% em títulos estrangeiros, mas seu volume de
negócios é tal como para as empresas não
financeiras em grande medida realizado em países estrangeiros. O
risco de dívida é assim muito fraco, ainda que seja preciso
examinar com precisão o caso individual de certas sociedades financeiras
ou de certas empresas.
No que se refere à poupança das famílias francesas, grande
parte desta é constituída pelo imobiliário ou por produtos
financeiros muito estáveis, como os seguros-vida. Estes produtos
não experimentarão mudanças. A pequena parte da
poupança que é constituída por acções
poderia experimentar movimentos contraditórios. Uma saída do euro
implicará durante algumas semanas uma baixa da bolsa. Depois, quando os
mercados financeiros compreenderem as vantagens que a França
extrairá desta nova situação, a bolsa
recomeçará a aumentar fortemente. Foi o processo que se viu no
Reino Unido após o êxito do referendo sobre o Brexit.
É aqui que na realidade se situa o principal problema que se
apresentará, a prazo, a um governo francês. À medida que se
compreender que uma saída do euro beneficia consideravelmente a economia
francesa, os capitais internacionais virão investir-se em França.
Se os investimentos directos, que criam emprego, são uma boa coisa, os
investimentos puramente financeiros são maus. Eles provocam bolhas
especulativas e uma reapreciação da moeda, que poderia apagar, ao
fim de dois ou três anos, os benefícios (ou uma parte deles) de
uma saída do euro. Será preciso portanto que o governo utilize os
controles de capitais para impedir que estes capitais especulativos entrem em
França. A introdução de um sistema de controle dos
capitais é mesmo aconselhada pelo FMI
[21]
. De facto, o risco principal que poderia descarrilar a economia francesa numa
perspectiva de saída do euro é o de uma apreciação
demasiado rápida do Franco, na sequência de manobras
especulativas. Será preciso portanto precaver-se.
Isso indica igualmente que o quadro das actividades financeiras não
poderia permanecer inalterado no caso de uma saída do euro. De facto,
esta saída implica mudanças importantes na
estruturação e na organização das actividades
financeiras, mas também das suas repercussões sobre as empresas.
Estas mudanças seriam mais eficazes se fossem concertadas, se não
no conjunto dos países da zona euro pelo menos numa parte deles, por
exemplo entre a França, Itália, Espanha e Portugal. Ainda aqui,
alguns dos nossos parceiros podem ter as mesmas visões que nós e
outros não, como é o caso da Alemanha em relação
aos Países Baixos. Através desta questão da
cooperação redesenhar-se-á de facto uma outra Europa, uma
Europa estruturada por projectos e não por constrangimentos ou regras
como é o caso actualmente na União Europeia. E isto revela uma
das apostas da uma saída do euro: conseguir criar uma outra Europa, que
não seja mais uma Europa da financiarização e da
austeridade mas uma Europa voltada para a livre cooperação das
Nações soberanas pelo progresso social dos povos que a
compõem. É para isso que a saída do euro é
absolutamente capital para o devir tanto da França como da
Itália, assim como os países que compõem a Europa em geral.
(9) O que pensa da vontade de certos responsáveis políticos de
passar da moeda única que é o euro para uma moeda comum que
permitiria a manutenção de moedas nacionais? Isso faria retornar
ao "Sistema Monetário Europeu", dito SME, posto em vigor em
1979 com a criação do ECU (unidade de conta europeia)?
É absolutamente claro que será preciso uma
cooperação, ou no mínimo uma concertação,
dos países europeus no caso de uma saída do euro, e também
após esta saída. Pode-se, naturalmente, imaginar que esta
cooperação dê nascimento a um sistema em que países
constituiriam uma zona com suas moedas para o comércio intra-zona, mas
utilizariam uma nova moeda, dita "comum" para os intercâmbios
com o exterior da zona. Este sistema seria então o prolongamento do que
teria podido tornar-se o Sistema Monetário Europeu, se a decisão
de tombar para uma moeda única não houvesse sido tomada no
relatório Delors do fim dos anos 1980.
Em teoria, o sistema SME é interessante. Mas precisa apoiar-se sobre
duas coisas que faltaram nos anos 80 e 90 e que explicam seu fracasso: um
mecanismo de revisão regular das paridades de câmbio permitindo
corrigir desequilíbrios em matéria de inflação e de
produtividade e conduzindo a uma apreciação das moedas dos
países experimentando excedentes estruturais; e um mecanismo de controle
dos movimentos de capitais a fim de evitar os assaltos especulativos a favor ou
contra uma moeda. Foi a ausência destes dois mecanismo que tornou
delicada a gestão do SME e que levou a crise como aquela de 1992 que
acabou por afastar o SME
[22]
. Ora, sabe-se que a Alemanha se opõe ferozmente a tais mecanismos.
Decorre daí que se uma cooperação é
desejável, esta será feita muito certamente sem a Alemanha.
Compreende-se então que não haverá solução
de continuidade entre o euro tal como existe hoje e um hipotético
sistema monetário europeu que poderia evoluir, com o tempo, para uma
moeda comum. Não que este sistema, ou que esta moeda "comum",
não seja desejável em teoria. Mas da teoria à
prática há todo um mundo. Será preciso portanto que a
desconstrução, ou a destruição, do euro seja em
primeiro legar levada ao seu termo para que se possa pensar na
reconstrução de um sistema alternativo. Digamos francamente: o
tema da "moeda comum", tal como é agitado por certos
responsáveis políticos, tem sobretudo a vantagem de
"pensar" o fim do euro sem assustar demasiado os auditórios,
tendo em conta a natureza quase religiosa do apegamento ao euro no nosso
país. Mas isso não tem realidade operacional. O objectivo
prioritário hoje é destruir o euro e permitir às moedas
nacionais que existam. É uma condição prévia para
toda reconstrução futura. Mas, ao mesmo tempo, é preciso
conservar em mente o facto de que uma cooperação entre os Estados
será necessária. Dois princípios devem fundar esta
cooperação: um mecanismo organizando uma flexibilidade dos
câmbios e um mecanismo de tipo controle de capitais protegendo as moedas
da especulação e dando espaço político aos Bancos
Centrais para pilotar a política monetária e fixar as taxas de
juros. Fora disso, não é muito realista falar de uma
cooperação ou de uma concertação de longo prazo.
02/Dezembro/2016
Notas
[9]
www.express.co.uk/...
[10] AFP cité par
le Point,
" Grèce, la 'provocation' de Jean-Claude
Juncker ", publié le 13/12/2014,
www.lepoint.fr/...
[11] Jean-Jacques Mevel in
Le Figaro
, le 29 janvier 2015, Jean-Claude Juncker : " la Grèce
doit respecter l'Europe ".
www.lefigaro.fr/...
Ses déclarations sont largement reprises dans l'hebdomadaire
Politis, consultable en ligne:
www.politis.fr/Juncker-dit-non-a-la-Grece-et,29890.html
[12] Sapir J., La loi contre le légalisme ", note reprise sur le
site IPhilo, le 19 novembre 2016,
iphilo.fr/2016/11/19/etat-de-droit-et-politique/
[13] Sapir J.,
Souveraineté, Démocratie, Laïcité,
Paris, éditions Michalon, 2016.
[14] Ceci est montré par divers travaux scientifiques depuis
trente ans. On regardera à ce sujet Malinvaud, E,
" Profitability and investment facing uncertain
demand ",
Document de travail de l'INSEE,
n° 8303, Paris, 1983, Bourdieu J, Benoît Curé et
Béatrice Sédillot " Investissement, incertitude et
irréversibilité ",
Revue économique,
Volume 48, n°1, 1997. pp. 23-53 et Carruth A., Dickerson A. et Henley A.
(2000), " What Do We Know About Investment Under Uncertainty? ",
Journal of Economic Surveys,
vol. 14, n° 2, pp. 119-153.
[15] Naboulet A. et Raspiller S., "Les déterminants de la
décision d'investir: une approche par les perceptions subjectives des
firmes", Document de travail de la Direction des Études et
Synthèses Economiques, n° G 0404, Insee, 2004. Voir aussi :
D.A. Aschauer, "Is public expenditure productive?", in
Journal of Monetary Economics
, vol. XXIII, n°2, mars, 1989, pp. 177-200. Idem, "Why is
Infrastructure Important?", in A. H. Munnell, (ed.),
Is there a Shortfall in Public Capital Investment
, Federal Reserve Bank of Boston, Boston ; et R. Ford & P. Poret,
"Infrastructure and Private-Sector productivity", OCDE, Departement
d'économie et statistique,
Working paper
n°91, OCDE, Paris, 1991.
[16] IMF, "Exchange Rates and Trade Flows: Disconnected?" in
World Economic Outlook: Adjusting to Lower Commodity Prices
, Octobre, 2015 pp. 10542.
[17] Ces estimations sont présentées dans : Sapir J.,
Les scénarii de dissolution de l'Euro
, (avec P. Murer et C. Durand) Fondation ResPublica, Paris, septembre 2013.
[18] Keynes J/M.,
A Tract on Monetary Reform
, (1923) Londres, Mac Millan and Co., republié en 2009
[19]
www.rtl.fr/...
[20] ECB,
Financial Integration report 2016,
Francfort, 2016.
[21] Fernández A., Michael W. Klein, Alessandro Rebucci, Martin
Schindler, et Martín Uribe,
Capital Control Measures: A New Dataset,
IMF-Workin Paper, WP-15/80, IMF, Washington DC, 2015. Voir aussi, Kevin P.
Gallagher, Stephany Griffith-Jones, José Antonio Ocampo,
Regulating Global Capital Flows for Long-Run Development
, The Frederick S. Pardee Center for the Study of the Longer-Range Future,
Boston, 2012.
[22]
du Bois de Dunilac P.
,
Histoire de l'Europe monétaire (1945-2005) : Euro qui comme Ulysse,
Genève et Paris, Presses universitaires de France, 2008, 249 p.
Ver também:
La victoire du « non » et la défaite de Renzi
, 05/Dez/16
A primeira parte desta entrevista encontra-se em
O referendo italiano, o Euro e a soberania... (1)
O original encontra-se em
russeurope.hypotheses.org/5484
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
.
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