O impacto do pico petrolífero sobre a segurança alimentar
por Caroline Lucas
[*]
Andy Jones
[**]
e Colin Hines
[**]
"Quando o preço do petróleo elevou-se acima dos US$ 50/barril
nos fins de 2004, a atenção pública começou a
focar-se na adequação do abastecimento mundial de petróleo
e especificamente sobre quando a produção atingiria o pico
e começaria a declinar. Os analistas estão longe de um consenso
acerca desta questão, mas várias personalidades eminentes
acreditam agora que o pico petrolífero está iminente".
[1]
US Department of Energy, 2005
Ao longo dos últimos meses tem havido muita especulação
acerca das causas dos preços mais elevados do petróleo, e sobre a
probabilidade de esta alta continuar ou não. Os comentários
têm sido focados sobre a instabilidade geopolítica do Médio
Oriente; o aumento da dependência da Rússia; a retomada do
controle das indústrias do petróleo por governos da
América Latina; e estrangulamentos de oferta tais como a capacidade de
refinação.
Os constrangimentos geológicos quanto à futura oferta de energia,
conhecido como pico petrolífero
(peak oil)
o ponto a partir do qual a produção cessa de aumentar e
começa o seu inevitável declínio a longo prazo
têm entretanto recebido muito menos atenção. Ainda que a
maioria dos constrangimentos ao acesso ao petróleo pudessem
potencialmente ser ultrapassados através de políticas ou meios
económicos, a realidade geológica dos sempre minguantes
fornecimentos de combustíveis fósseis é
indiscutível.
Enquanto foram precisos 145 anos para consumir metade dos 2-2,5 x 10
18
barris de petróleo convencional, geralmente considerados como o total
disponível, é provável que, dado particularmente os
enormes aumentos da procura da China e da Índia, a outra metade
será consumida sobretudo dentro dos próximos 40 anos. Cerca de
98% do petróleo bruto global vem de 45 países, mais da metade dos
quais já atingiram o pico da produção, incluindo sete dos
países da OPEP. Em 2003, pela primeira vez, as descobertas de grandes
campos de petróleo caíram a zero, ao passo que o excesso de
capacidade mantido pelos países da OPEP definhou de uma média de
30% para cerca de 1% da procura global de hoje.
[2]
A produção mundial de petróleo e gás está
a declinar a uma média de 4-6% ao ano, ao passo que a procura
está a crescer 2-3% ao ano. As implicações disto, para
todos os aspectos das nossas vidas de hoje, são esmagadoras. Alguns
analistas começaram a falar nos impactos sobre os nossos sistemas de
transportes, e sobre o aquecimento das nossas casas. Mas até agora
muito pouca atenção tem sido dada às
implicações para os nossos sistemas alimentares. Este
relatório apresenta a tese de que, a menos que seja tomada
acção urgente, à medida que a segurança
petrolífera se deteriorar deteriorar-se-á também a
segurança alimentar. Rapidamente verifica-se que decisões
tomadas por departamentos governamentais de energia, quer continuem a promover
combustíveis fosseis ou mudem para fontes de energia renováveis,
podem ter um efeito maior sobre a segurança alimentar a longo prazo do
que quaisquer acções tomadas por departamentos da agricultura.
A quantidade de energia que está concentrada mesmo numa pequena
quantidade de petróleo ou gás é extraordinária. Um
barril de petróleo contem a energia equivalente a quase 25 mil horas de
trabalho humano. Um simples galão [3,78 litros] de petróleo
contem o equivalente energético a 500 horas de trabalho humano. E, por
todo o mundo, os sistemas de produção alimentar fazem um uso
extenso desta energia armazenada nos combustíveis fósseis e numa
escala maciça.
A industrialização da agricultura acelerada dramaticamente nos
países industrializados após a Segunda Guerra Mundial, e
principiou em muitos países mais pobres em resultado da
Revolução Verde das décadas de 1950 e 1960. Estas
tendências transformaram a produção alimentar por todo o
globo, com colheitas mundiais de cereais a aumentarem 250%. Mas esta
dependência dos combustíveis fósseis na forma de
fertilizantes (os quais representam cerca de um terço do consumo de
energia da agricultura), pesticidas e maquinaria agrícola alimentada a
hidrocarbonetos e sistema de irrigação significa que a
agricultura industrializada consome 50 vezes o input energético da
agricultura tradicional. Nos casos mais extremos, o consumo energético
da agricultura aumentou 100 vezes ou mais. Foi estimado, por exemplo, que 95%
de todos os nossos produtos alimentares exigem a utilização do
petróleo.
[3]
Apenas para criar uma única vaca e para entregá-la no mercado
requer 6 barris de petróleo, o suficiente para mover um carro de Nova
York a Los Angeles.
[4]
Este relatório pormenoriza a extensão em que os sistema
alimentares do século XXI estão dependentes da
utilização intensiva de energia, e examina porque eles são
particularmente vulneráveis ao impacto dos altos preços da
energia devido aos fertilizantes, pesticidas, plásticos,
combustível de aviação, 'armazenagem sobre rodas' e
sistema de entrega 'just in time', centrais no sistema alimentar do Reino Unido
que é dominado pelos supermercados. Tivemos um vislumbre de quão
dependente a oferta até mesmo dos alimentos mais básicos se
tornara em relação ao petróleo durante os bloqueios de
refinarias e depósitos de distribuição em Setembro de
2000, quando o protesto de agricultores e transportadores rodoviários
contra impostos mais elevados sobre combustíveis disparou uma
"crise nacional de combustíveis". O presidente da Sainsbury,
um dos maiores retalhistas do Reino Unido, escreveu ao primeiro-ministro a
adverti-lo de que a crise do petróleo estava a ameaçar os stocks
alimentares britânicos e que as lojas provavelmente seriam esvaziadas de
alimentos "em dias e não em semanas".
[5]
Grande parte do nosso sistema alimentar tem uma ineficiência global
estarrecedora incluindo custos energéticos para maquinaria
agrícola, transportação, processamento e
matérias-primas para produtos químicos destinados à
agricultura. O moderno sistema alimentar consome aproximadamente dez calorias
de energia em combustíveis fósseis para cada caloria de energia
alimentar produzida.
[6]
O processamento é particularmente dependente da energia. Da
próxima vez que apanhar uma típica caixa com 450 gramas de cereal
para o pequeno almoço, por exemplo, pode considerar que aquilo poderia
ter exigido mais de7000 quilocalorias de energia para o processamento, ao passo
que o próprio cereal proporcionaria apenas 1100 quilocalorias de energia
alimentar.
[7]
A dependência do Reino Unido da importação de alimentos
torna-nos particularmente vulneráveis à elevação
dos preços da energia.
Actualmente confiamos nas importações para proporcionar quase um
terço dos alimentos consumidos no Reino Unido, e temos um dos mais
baixos rácios de auto-suficiência alimentar na União
Europeia.
[8]
Embora o Reino Unidos tenha sido um importador líquido de alimentos
durante um longo tempo, as importações estão actualmente a
crescer a uma taxa significativa. Os números do DEFRA mostram que as
importações em toneladas aumentaram 38% de 1998 a 2002. Para
alguns tipo de alimentos, o aumento tem sido mais dramático. As
importações, por exemplo, de fruta duplicaram, enquanto as de
legumes triplicaram. Metade de todos os legumes e 95% de toda a fruta
consumida no Reino Unido agora vem do além mar.
[9]
O relatório examina a realidade do nosso sistema alimentar intensivo em
energia através de estudos de caso para examinar como um conjunto de
custos acrescidos de petróleo e gás natural afectará o
preço de algumas das mais básicas mercadorias alimentares
quotidianas. Demonstrámos como uma galinha de £3 [4,45]
poderia quase duplicar de preço, ou triplicar se os custos de entregar
na loja, armazenar e cozer em casa forem incluídos. Para os
ingredientes de uma fritura típica, os custos associados ao transporte
só com os ingredientes aumentariam entre £1.70 e £3.95
[2,52 e 5,86].
Contudo, o efeito do aumentos dos preços do petróleo sobre a
produção alimentar é apenas a metade da história.
O seu efeito sobre a procura por bens alimentares também é
extremamente significativo. Uma vez que virtualmente todas as plantas que
actualmente cultivamos para alimentos também podem ser convertidas em
combustível automóvel, tanto em destilarias de etanol como em
refinarias de biodiesel, preços elevados do petróleo
abrirão um vasto mercado novo para produtos agrícolas. Aqueles a
comprarem bens para produtores de combustíveis estarão a competir
directamente com os processadores de alimentos pelos abastecimentos de trigo,
milho, soja, açúcar de cana e outros produtos agrícolas
chave. Como observou Lester Brown, o preço do petróleo
está a estabelecer o preço para os alimentos simplesmente porque
se o valor do combustível de uma mercadoria exceder o seu valor como
alimento, ela será convertida em combustível "com
efeito, supermercados e estações de serviço estão
agora a competir pelas mesmas mercadorias".
[10]
As implicações disto são ainda mais graves, considerando
que já estamos a enfrentar um mundo de escassez de cereais potencial.
Na China, por exemplo, a colheita de cereais caiu de 34 milhões de
toneladas, ou 9%, entre 1998 e 2005. Há um risco real de que uma
combinação de crescente dependência da China dos mercados
mundiais por grandes importações, juntamente com uma crescente
diversão de mercadorias agrícolas para biocombustíveis,
resultará em preços de cereais a serem conduzidos a uma altura
tal que muitos países em desenvolvimento de baixo rendimento
simplesmente não serão capazes de importar cereal suficiente.
[11]
Isto por sua vez poderia conduzir à escala dos preços
alimentares e à instabilidade política numa escala global. Num
mundo que enfrenta o acréscimo anual de mais de 70 milhões de
pessoas a uma população mundial de mais de 6 mil milhões,
num momento em que a água potável está a escassear, as
temperaturas as ascender devido à mudança climática
[NT 1]
, e quando os abastecimentos de petróleo estão em vias de
definhar, a necessidade da acção decisiva não poderia ser
mais urgente.
O relatório termina com o esboço das mudanças abrangentes
que serão necessárias para assegurar que as necessidades
alimentares de todo e cada um dos países seja plenamente cumprida. Isto
envolverá uma mudança radical para um sistema agrícola de
baixa energia, baixo input, cada vez mais orgânico e localizado, e
exigirá mudanças fundamentais na política
energética e nas regras do comércio mundial. Para a UE,
exigirá também uma mudança radical na
direcção e âmbito da Política Agrícola Comum
e do Mercado Único, o qual actualmente da prioridade à
competitividade internacional em relação à
segurança alimentar nacional. Um dos elementos chave da
estratégia de segurança energética da EU, o
desenvolvimento em grande escala de biocombustíveis, também
precisará ser revisto, uma vez que ironicamente esta estratégia
podia por si própria colocar uma ameaça à segurança
alimentar, pois é transferida terra da produção alimentar
a fim de se cultivarem plantas para combustível. Finalmente, no Reino
Unido, estamos a apelar por uma Comissão Real sobre Segurança
Alimentar a fim de elevar a maior consciência política a
necessidade urgente de desconectar nosso sistema alimentar da dependência
dos combustíveis fósseis. Trata-se de exigências
ambiciosas. Mas a escala da crise que enfrentamos exige não menos do
que isso.
Notas
1- US Dept of Energy, Energy Information Administration, Select Crude Oil spot
prices at
www.eia.doe.gov/emeu/international/crude1.html
, updated 28 July 2005. Alfred J. Cavallo, Oil; Caveat Empty, Bulletin of the
Atomic Scientists, vol. 61, no.3 (May/June 2005).
2-
www.epolitix.com/EN/MPWebsites/Michael%2BMeacher...
3- Chris Skrebowski, Joining the Dots, Presentation to Energy Institute
Conference, London, 10 November 2004.
4- The price of steak, National Geographic, June 2004.
5- Elliot, V. 2000, Panic buyers force stores to ration food,
The Times.
September 14th 2000.
6- Grazing Lands: RCA Issue Brief #6, US department of Agriculture, National
Resources Conservations Service, November 1995.
7- Danielle Murray, Rising oil prices will impact food supplies, 13 September
2005.
8- DEFRA, The Validity of Food Miles as an indicator of Sustainable Development,
July 2005, p.19
9 DEFRA, op cit
10- Lester Brown, Plan B 2.0: Rescuing a Planet under stress and a civilisation
in trouble, Norton 2006
11- Ibid.
NT 1- Trata-se de um equívoco dos autores. Ver
Aquecimento global: uma impostura científica
e
Aquecimento global: origem e natureza do alegado consenso científico.
O presente texto é a introdução do relatório. O documento
completo encontra-se em
Fuelling a Food Crisis
(PDF, 550KB)
A Soil Association examinará o Pico petrolífero e a agricultura
na sua conferência anual em 26 e 27 de Janeiro de 2007.
Clique aqui para mais pormenores
.
[*]
Deputada Verde por South-East England e membro dos Comités de
Ambiente e de Comércio Internacional do Parlamento Europeu.
[**] Autor de 'Eating Oil'.
[***] Autor de 'Localisation: A Global Manifesto'.
O original encontra-se em
http://www.energybulletin.net/24319.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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