Como evitar guerras petrolíferas, terrorismo e colapso económico

por Richard Heinberg [*]

Richard Heinberg. Neste momento a maior parte das pessoas bem informadas está consciente de que a produção global de petróleo poderá atingir em breve o seu pico histórico, e de que as consequências provavelmente serão severas.

Muitos países importantes na produção de petróleo (tais como os Estados Unidos, a Indonésia, o Irão) e algumas regiões inteiras (tal como o Mar do Norte) já ultrapassaram os seus máximos de produção. A cada ano, aproximadamente, mais um país atinge um plateau de produção ou principia o seu declínio terminal.

Enquanto isso, as taxas globais de descobertas petrolíferas têm estado a cair desde o princípio da década de 1960, como foi confirmado pela ExxonMobil. Todos os 100 campos gigantes ou supergigantes que são responsáveis colectivamente por cerca da metade da produção actual do mundo foram descobertos nas décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970. Nenhum outro campo de dimensão comparável foi descoberto desde então. Ao invés disso, a exploração durante os últimos anos resultou apenas em campos muito mais pequenos que se esgotam relativamente rápido. O resultado é que hoje está a ser descoberto apenas um novo barril de petróleo por cada quatro que é extraído e utilizado.

Os líderes mundiais têm a sua capacidade de avaliar a situação restringida pela falta de dados consistentes. Os números das reservas provadas de petróleo parecem reconfortantes: o mundo ainda teria aproximadamente um trilião (10 12 ) de barris para produzir, talvez mais. Na verdade, os números das reservas oficiais nunca foram tão elevados. Contudo, a evidência circunstancial sugere que alguns dos maiores países produtores inflacionaram os números das suas reservas por razões políticas. Enquanto isso, as companhias de petróleo habitualmente (e legitimamente) relatam crescimento das reservas de campos descobertos décadas atrás. Além disso, os números das reservas muitas vezes são conspurcados pela inclusão de recursos de petróleo não convencional, tais como areias betuminosas — os quais precisam ser levados em conta, mas numa categoria separada, pois as suas taxas de extracção estão limitadas por factores diferentes daqueles que constrangem a produção do petróleo bruto convencional. Em consequência de todas estas práticas, as reservas de petróleo tendem a dar uma impressão de expansão e abundância, enquanto os dados de descobertas e de esgotamento indicam o oposto.

Este aparente conflito nos dados provoca disputas entre peritos acerca de quando acontecerá o pico petrolífero global. Alguns analistas dizem que o mundo agora está virtualmente no seu pico de produção, outros respondem que o evento pode ser adiado por duas décadas ou mais através do investimento avançado na exploração, da adopção de novas tecnologias de extracção, e da substituição do petróleo convencional por fontes de petróleo não convencionais (areias betuminosas, condensados de gás natural e petróleos asfálticos).

Entretanto, há pouco ou nenhum desacordo em que uma série de picos de produção está agora à vista — primeiro, para o petróleo convencional não-OPEP; a seguir para o petróleo convencional em termos global; e finalmente para todas as fontes petrolíferas globais em conjunto, convencionais e não convencionais.

Além disso, apesar de poder haver discussão quanto ao momento temporal destes eventos, está a tornar-se amplamente reconhecido que o pico mundial de todas as fontes em conjunto terá consequências económicas globais significativas. Os esforços de suavização exigirão muitos anos de trabalho e triliões de dólares de investimento. Mesmo que as previsões optimistas quanto ao momento do pico global de produção se revelem exactas, o mundo está a enfrentar uma mudança histórica que é sem precedentes em âmbito e profundidade de impacto.

Devido à dependência sistemática do petróleo para o transporte, agricultura e as produção de plásticos e produtos químicos, todos os sectores de todas as sociedades serão afectados. Serão necessários esforços para criar fontes alternativas de energia, para reduzir a procura por petróleo através de eficiência energética elevada, e para redesenhar sistemas inteiros (cidades inclusive) para operarem com menos petróleo.

Estes esforços serão bastante desafiadores no contexto de um ambiente económico estável. Entretanto, se os preços para o óleo se tornarem extremamente voláteis, os programas de suavização poderiam ser prejudicados. Enquanto preços altos mas estáveis encorajariam a conservação e o investimento em alternativas, preços que repetidamente disparam e a seguir mergulham poderiam devastar economias inteiras e desencorajar o investimento a longo prazo. Carências reais de petróleo — de que os choques de preços seriam apenas um sintoma — seriam ainda mais devastadoras. Os piores impactos seriam sofridos por aqueles países, e aqueles aspectos das economias nacionais, que não pudessem obter para si próprios petróleo a qualquer preço razoável. Interrupções da oferta provavelmente ocorreriam com maior frequência e por períodos crescentes de tempo à medida que a produção global de petróleo chegasse ao seu término.

Os esforços para planear uma transição energética a longo prazo seriam frustrados, tanto nos países importadores como exportadores. Enquanto isso, a percepção entre os importadores de que os países exportadores estariam a aproveitar-se da crise fomentaria animosidades e uma escalada da predisposição para conflitos internacionais.

Em suma, o pico global de produção é provável que conduza ao caos económico e a tensões geopolíticas extremas, levantando espectros de guerra, revolução, terrorismo e mesmo fome — a menos que os países adoptem algum método de reduzir cooperativamente sua dependência do petróleo.

Um plano de desactivação global

O Protocolo do Esgotamento do Petróleo (Oil Depletion Protocol) proporciona um caminho para o futuro (o texto está no fim deste artigo). Ele foi redigido pela Association for the Study of Peak Oil (ASPO). Entretanto, a fonte deste documento tem pouca importância — só o seu conteúdo tem interesse. Apesar de ser simplesmente uma sugestão esboçada, que exigirá concretização e negociações pormenorizadas, o Protocolo é basicamente simples. Como se tornará claro a partir da discussão abaixo, seria desnecessário para todos os países ratificarem o Protocolo para este ter um efeito benéfico. Mesmo se apenas um país o adoptasse, esse país seria beneficiado. Entretanto, se um número substancial de países o assinarem isto criará uma plataforma para a estabilidade económica internacional e a cooperação.

O Protocolo será apresentado em várias importantes conferências internacionais onde estarão presentes líderes mundiais em 2005. Também serão efectuados esforços para publicá-lo e comunicá-lo ao público geral. Espera-se que uns poucos políticos corajosos em cada país venham a entender a sua importância e o levem aos respectivos corpos governamentais para consideração e adopção.

COMO FUNCIONARIA?

A ideia do Protocolo é essencialmente directa: países importadores de petróleo concordariam em reduzir as suas importações numa porcentagem anual ajustada (a Taxa de Esgotamento do Petróleo Mundial, World Oil Depletion Rate ), ao passo que os países exportadores concordariam em reduzir a sua taxa de exportações de acordo com a sua Taxa de Esgotamento nacional.

O conceito de Taxa de Esgotamento é talvez o aspecto técnico mais desafiador do Protocolo, apesar de ser fácil apreende-lo se se pensar um pouco. Cada país tem claramente uma dotação finita de petróleo dada pela natureza. Assim, quando o primeiro foi extraído, há consequentemente um a menos deixado para o futuro. Aquilo que é deixado para o futuro consiste de dois elementos: primeiro, quanto permanece em campos petrolíferos conhecidos, denominado Reservas Remanescentes (Remaining Reserves); e segundo, quanto ainda há para ser descoberto no futuro (denominado Ainda por Descobrir, Yet-to-Find ). Quanto é o Ainda por Descobrir pode ser razoavelmente estimado através da extrapolação da tendência de descobertas do passado. A Taxa de Esgotamento é igual ao total do Ainda por Descobrir dividido pela quantidade anual actualmente a ser extraída.

VAMOS ANALISAR UNS POUCOS EXEMPLOS:

A Noruega é um país que relata estimativas de reservas excepcionalmente exactas. O total produzido até à data é de 18,5 mil milhões de barris (Gb), e 11,3 Gb permanecem em campos conhecidos, com cerca de 2 deixados por descobrir, o que dá um total arredondado de 32 Gb. Segue-se que 13,5 Gb restam por produzir. Em 2004, foram extraído 1,07 Gb, o que dá uma Taxa de Esgotamento de 7,4 porcento (1,07/13,5). Esta é uma taxa comparativamente elevada, típica de um ambiente offshore.

No caso dos EUA (considerando apenas os 48 estados do continente e excluindo águas profundas), os números correspondentes são:   produzido até à data, 173 Gb; Reservas Remanescente, 24 Gb; Ainda por Descobrir, 2 Gb — o que significa que há 27 Gb restantes. A produção anual em 2004 foi de 1,3 Gb, o que dá uma Taxa de Esgotamento de 4,6 por cento (1,3/27).

Para o mundo como um todo, 944 Gb foram produzidos; 722 permanecem em campos conhecidos e uns estimados 134 Gb estão no Ainda por Descobrir, o que significa restarem 906 Gb. A produção de petróleo convencional em 2004 foi de 24 Gb, assim a Taxa de Esgotamento é de 2,59 porcento (24/906).

Estas estimativas excluem petróleos não convencionais — xistos petrolíferos, areias betuminosas, petróleo pesado e extra-pesado, petróleo de águas profundas e líquidos de unidades de gás. A maior parte do petróleo produzido até à data tem sido da variedade convencional, a qual no futuro dominará de longe toda a oferta, de modo que faz sentido nos concentrarmos sobre esta categoria.

Deve se enfatizado que as actuais estimativas de Reservas que estão no domínio público são grosseiramente inconfiáveis, e uma das finalidades do Protocolo é assegurar melhor informação. A Taxa de Esgotamento estimada para cada país, e finalmente para o Mundo como um todo, é sujeita a revisão quando se torna disponível melhor informação, mas a resultante correcção da Taxa de Esgotamento não será grande, provocando provavelmente uma variação de menos de um porcento.

O Protocolo de Esgotamento exigiria aos importadores que reduzissem as suas importações de acordo com a Taxa Mundial de Esgotamento (que é de 2,5 porcento) a cada ano a fim de por a procura em equilíbrio com a oferta mundial. Tal como declarado antes, os exportadores reduziriam a sua produção de acordo com a sua Taxa de Esgotamento nacional. Assim, a Noruega reduzria a sua produção em 7,4 porcento a cada ano (a produção daquele país já está a declinar a uma taxa ainda mais elevada).

A imposição sobre os países produtores não representa um grande fardo, uma vez que de qualquer forma poucos agora aumentam a sua taxa de produção, e muitos estão a experimentar produção declinante por razões puramente geológicas, como é o caso da Noruega e dos EUA. Concordar em produzir menos petróleo não inibiria a exploração porque novas descobertas reduziriam a Taxa de Esgotamento nacional, e isso permitiria uma taxa de exportação mais elevada do que seria o caso antes das mesmas. O principal impulso do Protocolo seria no sentido de exigir aos importadores que cortassem importações, mas a inclusão dos produtores nas disposições estimularia maior cooperação entre as duas facções. Qualquer produção nativa num país que fosse um importador líquido provavelmente não proporcionaria àquele país uma vantagem injusta, pois a produção dentro da maior parte dos países importadores já está a declinar a uma taxa mais alta do que a Taxa de Esgotamento Mundial.

Como os importadores tratariam internamente da restrição de importação seria da sua própria competência (embora estratégias tanto para obter ofertas de combustíveis alternativos e para reduzir a procura por petróleo sem dúvida fossem necessárias). Alguns podem pretender introduzir uma quota (allowance) de energia como uma de ração comerciável (como será discutido abaixo com mais pormenor.

DISCUSSÃO DO PROTOCOLO
QUESTÕES E POSSÍVEIS OBJECÇÕES


À primeira vista o Protocolo pode parece simplesmente uma boa ideia sem nenhuma possibilidade real de implementação. Entretanto, um exame mais atento sugere que a sua implementação beneficiaria quase todos os intervenientes globais importantes e as objecções que provavelmente serão levantadas poderão ser facilmente rebatidas.

O que aconteceria se as previsões de um pico a curto prazo na produção global de petróleo estivessem erradas? Não será um custo preparar demasiado cedo para o pico petrolífero? Em termos práticos, não significará isto sufocar voluntariamente o crescimento económico?

Porque há demasiado em jogo, é importante que estas questões vitais sejam dirigidas não apenas pelos participantes no debate acerca do momento temporal do pico da produção petrolífera (os chamados "optimistas" e os "pessimistas"); é necessária alguma avaliação independente dos custos de preparar demasiado cedo versus os custos de preparar demasiado tarde.

Felizmente, tal avaliação já foi realizada —"Peaking of World Oil Production: Impacts, Mitigation, & Risk Management" —, um relatório preparado pela Science Applications International Corporation (SAIC) para o Departamento de Energia dos EUA, divulgado em Fevereiro de 2005, cujo autor principal é Robert L. Hirsh (daqui em diante referido como "o Relatório SAIC"). [Excerto do mesmo em português em http://resistir.info/energia/pico_petrolifero.html ].

O Relatório SAIC conclui que uma suavização substancial dos impactos económicos, sociais e políticos do Pico Petrolífero poderia vir só de esforços tanto para aumentar as ofertas de energia de fontes alternativas como para reduzir a procura por petróleo. Em relação à afirmação de que as medidas de eficiência seriam suficientes para impedir impactos horríveis, Hirsch e os co-autores observam que "Se bem que maior eficiência no uso final seja essencial, só o aumento da eficiência não será nem suficiente nem bastante atempado para resolver o problema. A produção de grandes quantidades de combustíveis líquidos substitutos será necessária". Além disso, "A suavização exigirá o mínimo de uma década de esforço intenso e caro, porque a escala da suavização de combustíveis líquidos é por natureza extremamente grande". Hirsh e os co-autores também destacam que "Os problemas associados com o pico da produção mundial de petróleo não serão temporários e a experiência das passadas 'crises de energia' proporcionarão uma orientação relativamente pequena".

O Relatório SAIC concorda em que os esforços de suavização empreendidos demasiado cedo em breve também se tornariam um custo para a sociedade. Contudo, conclui que "Se o pico estiver iminente, a falha em iniciar a suavização atempada poderia ser extremamente nociva. A administração prudente do risco exige o planeamento e a implementação da suavização bem antes de chegar ao pico. A suavização antecipada quase certamente será menos cara do que a suavização retardada.

O que se passa se os pessimistas estiverem certos e o mundo já estiver no seu pico da produção de petróleo? Nesse caso, será demasiado tarde para implementar o Protocolo do Esgotamento?

Se o mundo atingir o pico da produção dentro dos próximos dois anos haverá muito pouco tempo para empreender grandes esforços de suavização antes do evento e, portanto, há a probabilidade de serem severos os impactos económicos, sociais e políticos esboçados no Relatório SAIC.

Contudo, nesse caso a necessidade do Protocolo deveria tornar-se evidente de forma rápida e ampla. Se bem que todas as nações venham a sofrer com os preços mais elevados e os desabastecimentos, só um sistema cooperativo de quotas nacionais e internacionais impedirá as crises económicas e geopolíticas ainda mais extremas que caso contrário se seguiriam.

Por que o mercado não pode cuidar do problema? Será que preços altos não estimularão mais exploração e o desenvolvimento de alternativas? Não seria danosa a interferência com os mecanismos do mercado?

Os autores do Relatório SAIC rejeitam a afirmação de que o mercado poderá resolver quaisquer problemas de escassez decorrentes do pico da produção petrolífera global, com preços mais altos do petróleo a estimularem investimentos em fontes de energia alternativa, carros mais eficientes e assim por diante. Os sinais do preço advertem apenas da escassez imediata. Contudo, os esforços de suavização necessários a fim de preparar o mundo para o pico da produção petrolífera global e assim deter desabastecimentos e remoinhos de preços devem ser empreendidos muitos anos antes do evento. Hirsch e os co-autores sustentam que, "Será exigida a intervenção por parte dos governo, porque as implicações económicas e sociais do pico petrolífero do contrário seriam caóticas. As experiências das décadas de 1970 e 1980 proporcionam importantes orientações tanto para acções do governo que são desejáveis como para aquelas que são indesejáveis, mas o processo não será fácil".

Historicamente, a produção petrolífera tem sido administrada pelos governos ou por cartéis. Nos dias primitivos do petróleo, os ciclos de crescimento e queda do mercado livre levaram à bancarrota muitos dos participantes (incluindo o "pai" da indústria petrolífera, Edwin Drake). A seguir John D. Rockefeller trouxe uma certa ordem para a situação através da criação da Standard Oil Trust (ao fazer isso ele expulsou muitos competidores e pessoalmente aproveitou-se disso num grau extraordinário). Este regime chegou a um fim em 1911, quando o governo americano desmembrou a Standard Oil depois de processá-la por violação das leis anti-trust.

Este regime acabou em 1911, quando o Governo americano desmembrou a Standard Oil depois de processá-la por violação das leis anti-trust. A partir da década de 1930, com os EUA em posição para controlar os preços globais do petróleo, a Texas Railroad Commission pôs um tampão nos níveis de produção a fim de estabilizar o mercado. Depois de a produção de petróleo americano ter atingido o pico em 1971 e de o país ter perdido a sua capacidade para controlar os preços globais, o centro de gravidade do petróleo transferiu-se para o Médio Oriente, e a OPEP começou a impor quotas de produção aos seus membros a fim de manter os preços dentro de uma banda desejável.

Assim, apesar de a administração de preços globais do petróleo ter precedentes, a situação no futuro será fundamentalmente diferente daquela existente até agora, em que o problema anterior era demasiado petróleo e preços em colapso que proporcionavam pouco incentivo à exploração. A situação que o mundo enfrentará em breve é a de oferta insuficiente que leva a choques extremos de preços, volatilidade de preços e escassez aguda. Assim, uma nova espécie de esquema de administração será necessária.

Como a adopção do Protocolo afectará importadores e exportadores de modo diferenciado?

Importadores: Não há dúvida que os países industriais descobrirão que é difícil sustentar o crescimento económico enquanto utilizam cada vez menos petróleo a cada ano. Assim, a adopção voluntária do Protocolo pelos importadores pareceria desvantajosa — "difícil de vender".

Entretanto, deve ser reconhecido que um declínio na disponibilidade de petróleo é inevitável em qualquer caso; apenas o período temporal do princípio do declínio é incerto. Sem um acordo estruturado em vigor para limitar as importações, os países serão inclinados a protelar os preparativos para a transição energética até que o preços subam, momento em que uma tal transição se tornaria muito mais difícil devido à condições económicas caóticas que se seguiriam. Com o Protocolo em vigor, os importadores serão capazes de contar com preços estáveis e poderão então, mais facilmente, empreender o difícil mas necessário processo de planear um futuro com menos petróleo.

Os países pobres podem objectar que ao utilizar menos petróleo eles terão de privar-se do desenvolvimento económico convencional. Contudo, o desenvolvimento ulterior que for baseado na utilização de petróleo simplesmente criará dependência estrutural num recurso que está em esgotamento. Sem o Protocolo, estes países serão sangrados financeiramente pelos preços altos e voláteis. Com o Protocolo em vigor e com preço estabilizados, estes países serão capazes de arcar com a importação do petróleo que eles necessitam absolutamente, ao mesmo tempo que terão todos os incentivos para desenvolver as suas economias por um caminho que não seja petróleo-dependente.

Exportadores: Economias que são baseadas primariamente no rendimento da extracção e exportação de recursos naturais muitas vezes tendem a provocar governos que são mais sensíveis aos interesses de poderosos compradores estrangeiros de recursos do que às necessidades dos seus próprios cidadãos. Assim, é do interesse dos países exportadores de recursos desenvolverem indústrias nativas a fim de diversificar as suas economias.

Países que dependem primariamente do rendimento das exportações de petróleo precisarão desabituar-se desta dependência, afinal da contas, em qualquer caso à medida que os seus campos petrolíferos são esgotados. O Protocolo proporciona-lhes um meio de efectuar a transição de uma forma que lhes permita planear a longo prazo.

Sem o Protocolo, os países exportadores mais pequenos provavelmente estarão à mercê de importadores militarmente poderosos. O Protocolo proporcionará meios para minimizar interferências políticas externas nos assuntos destes países. Em consequência, muita tensão e conflito internacional, incluindo a ameaça de terrorismo, pode ser minimizada — o que será uma ajuda também para os importadores ricos.

Como as companhias de petróleo serão afectadas?

Sem o Protocolo, as companhias de petróleo podem desfrutar de rendimentos record — por algum tempo. Mas elas serão demonizadas por se aproveitarem da miséria do resto da sociedade. Ao mesmo tempo, terão as suas operações entravadas pela desestabilização de economias nacionais resultantes de rodopios selvagens nos preços do petróleo. Como observado anteriormente, a Standard Oil Trust, a Texas Railroad Commission e a OPEP proporcionaram mecanismos de produção-racionamento que trouxeram ordem àquilo que de outra forma teriam sido situações caóticas. As companhias petrolíferas (por vezes de forma relutante) aceitaram estes mecanismo, reconhecendo que um ambiente económico estável era mais importante para elas a longo prazo do que a oportunidade de fazer lucros momentâneos inesperados.

Com o Protocolo, as companhias de petróleo permanecerão lucrativas, elas terão o incentivo para empreender novas explorações, e serão capazes de planear para as décadas pela frente. Elas também ficarão motivadas a se tornarem companhias de energia mais genéricas (ao invés de permaneceram apenas companhias de petróleo) e assim investir no desenvolvimento de fontes de energia alternativas.

Já há evidências de que as companhias de petróleo estão preocupadas acerca de uma reacção adversa do público quando os preços da gasolina sobem: a Chevron Texaco iniciou a campanha cara de relações públicas "Será que você se juntará a nós?" ("Will You Join Us?"), apresentando um sítio web ( www.willyoujoinus.com ) e anúncios caros em jornais a informar os leitores de que "a era do petróleo fácil está ultrapassada" e a pedir ao público discussão sobre a questão. O Protocolo do Esgotamento Petrolífero proporcionará mais segurança a longo prazo para a indústria petrolífera do que qualquer campanha de PR poderia alguma vez fazer e sem custos.

Será que tanto os importadores como exportadores não serão tentados a trapacear? Como seria imposto o Protocolo?

O Protocolo exigirá um sistema para monitorar a produção, a exportações e as importações — as quais não pode ser escondidas num grau muito grande em qualquer caso. A aplicação exigirá o estabelecimento de um Secretariado para o julgamento (adjudication) de disputas e reclamações, e um sistema de penalidades económicas a ser negociado pelos países que o subscrevem.

Como podem os países ajustar-se internamente para ter menos petróleo?

O retrocesso da dependência petrolífera será um imenso desafio que exigirá cooperação e compromisso da parte de todo e qualquer indivíduo. Serão necessários esforços tanto para criar ofertas de combustíveis alternativas como para reduzir a procura por petróleo.

Esta última tarefa será muito mais fácil se forem concebidos sistemas para fazer com que o interesse individual seja não só de reduzir a sua própria dependência do petróleo como também persuadir outros a reduzirem a sua. Um tal sistema para criar motivação colectiva e cooperação consiste nas Quotas Internas Comerciáveis (Domestic Tradable Quotas, ou DTQs).

As DTQs podem ser usadas para racionar todas as fontes de energia de hidrocarbonetos (a fim de reduzir as emissões de gases com efeito estufa) ou combustíveis específicos tais como petróleo. A bem da simplicidade da discussão, vamos supor a utilização dos DTQs apenas para o petróleo, como um meio de implementar o Protocolo do Esgotamento dentro dos países.

Primeiro, seria redigido um Orçamento do Petróleo nacional, baseado na produção nativa do país e nas importações de petróleo como imposto pelo Protocolo do Esgotamento. Um segmento do Orçamento do Petróleo seria então emitido como um direito (entitlement) para todos os adultos e dividido igualmente entre eles; o remanescente seria leiloado para a indústria, utilizadores comerciais e governo. As unidades poderiam então ser compradas e vendidas, de modo que utilizadores incapazes de arcar com a sua ração poderia aumentá-la, ao passo que outros que mantem o seu consumo de combustível baixo poderiam vender e comercializar as sua Petro-unidades no mercado nacional. Todas as transacções seriam executadas electronicamente, utilizando tecnologias e sistemas já existentes para sistemas de débito directo e cartões de crédito.

Quando consumidores (cidadãos, negócios ou o governo) fazem compras de combustível, eles entregariam a sua quota ao retalhista de energia, acessando a conta da sua quota através (por exemplo) do uso do seu cartão Petro ou débito directo. O retalhista a seguir entregaria as unidades ao comprar energia do grossista. Finalmente, o fornecedor de energia primária entregaria unidades de volta ao Registo Nacional (National Register) quando a companhia bombeasse ou importasse o petróleo. Isto fecha o anel (loop).

Todas as compras de petróleo seriam feitas com Petro-unidades, seja do petróleo a ser usado como combustível ou como matéria-prima para plásticos ou produtos químicos. Desde que o petróleo tenha sido usado como combustível, a Petro-unidades teriam de ser passadas para trás da linha, principiando pelo utilizador final. Entretanto, se o petróleo fosse incorporado como matéria-prima na fabricação de um produto (tais como plásticos), o fabricante simplesmente acrescentaria o custo das Petro-unidades ao custo do produto. Assim, no caso de matérias-primas, o fabricante de bens seria o presumido utilizador final.

Compradores não dispondo de quaisquer Petro-unidades para entregar num ponto de venda — visitantes estrangeiros, pessoas que esqueceram o seu cartão ou gastaram toda a sua quota logo que a receberam — comprariam uma quota no ponto de compra, a seguir entrega-la-iam imediatamente em troca de combustível, mas pagariam um custo como penalidade por isto (isto é, o spread da oferta e procura cotado pelo mercado).

Os DTQs colocariam toda a gente no mesmo barco: famílias, indústria e governos teriam de trabalhar juntos, enfrentando o mesmo Orçamento do Petróleo, e comerciando no mesmo mercado em Petro-unidades. Toda a gente teria um pé no sistema. Todos teriam o senso de que os seus próprios esforços de conservação não seriam desperdiçados pela prodigalidade energética de outros, e que o sistema era justo.

Além disso, os DTQs são garantidos para serem efectivos, porque o único combustível que poderia ser comprado seria o combustível dentro do Orçamento. O Orçamento ajustaria um horizonte temporal distante de modo que as pessoas teriam a motivação e a informação de que necessitam para efectuar acções no presente a fim de alcançar reduções drásticas na utilização de petróleo ao longo de um período de vinte anos.

O que aconteceria se apenas uns poucos países assinassem? Não seria o Protocolo ineficaz se uns poucos grandes exportadores ou importadores se recusassem a aderir?

À primeira vista pode parecer que aqueles países que não adoptassem o Protocolo teriam uma vantagem. Contudo, qualquer benefício temporário seria obtido a expensas de calamidades económicas posteriores. Como discutido no Relatório SAIC, os países que embarcarem na transição energética mais cedo ficarão muito melhor do que aqueles que a adiarem.

E quanto ao gás natural e ao carvão? Deveria haver protocolos semelhantes para estes? Podem os países simplesmente queimar mais carvão para compensar por terem menos petróleo?

O Protocolo do Esgotamento Petrolífero não impede outros acordos destinados a reduzir a utilização de combustíveis fosseis a fim de evitar impactos no clima global, mas ele será mais ambicioso na sua trajectória de redução do que o Protocolo de Quioto ou o Asia Pacific Partnership on Clean Development and Climate. Se os países sentirem que o Protocolo do Esgotamento Petrolífero é positivo, isto proporcionará motivação para forjar acordos semelhantes que cubram estes outros combustíveis fósseis.

Como pode começar o processo de adopção do Protocolo do Esgotamento Petrolífero?

Um programa destinado a conseguir a implementação do Protocolo deve focar tanto a educação do público em geral como dos decisores de alto nível.

A adopção do Protocolo exigirá que uns poucos decisores políticos o promovam e o apresentem diante do seu parlamento nacional ou congresso. Se apenas um país adoptar o Protocolo, isto ajudará a abrir a discussão global.

Ao mesmo tempo, é importante que os cidadãos entendam as questões e o que está em jogo, pois a pressão a partir de baixo sobre os responsáveis eleitos ajudará a focar a atenção destes últimos sobre o assunto.

No futuro próximo, estará a caminho um programa para obter apoios ao Protocolo da parte de organizações e indivíduos proeminentes. Este artigo é parte de um esforço preliminar para informar o público tanto da questão do Pico Petrolífero como do Protocolo do Esgotamento Petrolífero. Ajude por favor a copiar este artigo e enviá-lo à família, amigos, colegas, media e responsáveis eleitos. Esta pode ser a nossa última melhor oportunidade para impedir o recurso a guerras, terrorismo e colapso económico ao entrarmos na segunda metade da Era do Petróleo.

PROTOCOLO DO ESGOTAMENTO DO PETRÓLEO

Considerando que a passagem da história tem registado um ritmo de mudança crescente, de modo que a procura por energia tem aumentado rapidamente em paralelo com a população mundial ao longo dos últimos 200 anos posteriores à Revolução Industrial;

Considerando que a oferta de energia exigida pela população mundial tem vindo principalmente do carvão e do petróleo, tendo sido formados quase sempre no passado geológico, e que tais recursos estão inevitavelmente sujeitos a esgotamento;

Considerando que o petróleo proporciona 90 por cento do combustível para os transportes, é essencial ao comércio e desempenha um papel crítico na agricultura, necessária para alimentar a expansão populacional;

Considerando que o petróleo está desigualmente distribuído sobre o Planeta por razões geológicas bem entendidas, com grande parte dele estando concentrado em cinco países junto ao Golfo Pérsico;

Considerando que todas as maiores províncias produtivas do Mundo já foram identificadas graças à tecnologia avançada e ao conhecimento geológico cada vez melhor, sendo agora evidente que as descobertas alcançaram um pico na década de 1960, apesar dos progressos tecnológicos e de uma pesquisa diligente;

Considerando que o pico passado da descoberta inevitavelmente conduz a um correspondente pico da produção durante a primeira década do século XXI, assumindo que não haja um declínio radical da procura;

Considerando que o início do declínio deste recurso crítico afecta todos os aspectos da vida moderna, o que tem graves implicações políticas e geopolíticas;

Considerando que é adequado planear uma transição ordenada para o novo ambiente mundial de oferta de energia reduzida, tomando disposições para evitar o desperdício de energia, estimular a entrada de energias substitutas e estender o tempo de vida do petróleo remanescente;

Considerando que é desejável atender aos desafios que assomam no horizonte de uma maneira cooperativa e equitativa, assim como os relacionados com as preocupações da mudança climática, da estabilidade económica e financeira e das ameaças de conflitos para acesso a recursos críticos.

É PROPOSTO AGORA QUE

1- Seja convocada uma convenção de nações para considerar a questão tendo em vista concertar um Acordo com os seguintes objectivos:
        a) evitar a especulação (profiteering) com a escassez, de modo a que os preços do petróleo possam permanecer num relacionamento razoável com o custo de produção;
        b) permitir aos países pobres manterem as suas importações;
        c) evitar desestabilizar fluxos financeiros decorrentes de preços excessivos de petróleo;
        d) encorajar os consumidores a evitarem o desperdício;
        e) estimular o desenvolvimento de energias alternativas.

2- Tal Acordo terá disposições com os seguintes contornos:
        a) Nenhum país produzirá petróleo acima da sua actual Taxa de Esgotamento, sendo a mesma definida como produção anual como uma porcentagem da quantidade estimada deixada para produzir;
        b) Cada país importador reduzirá as suas importações para atingir a actual Taxa Mundial de Esgotamento, deduzindo qualquer produção interna.

3- Disposições pormenorizadas cobrirão a definição das várias categorias de petróleo, isenções e qualificações, e os procedimentos científicos para a estimação da Taxa de Esgotamento.

4- Os países signatários cooperarão proporcionando informação sobre as suas reservas, permitindo auditoria técnica plena, a fim de que a Taxa de Esgotamento possa ser determinada com precisão.

5- Os países signatários terão o direito de recorrer quanto à avaliação da sua Taxa de Esgotamento no caso de alteração de circunstâncias.




Outras fontes de informação:

Sobre o esgotamento petrolífero:

  • www.globalpublicmedia.com
  • www.energybulletin.net
  • www.peakoil.net
  • www.odac-info.org

    Sobre Quotas internas comerciáveis ( Domestic Tradable Quotas , DTQs):
  • www.dtqs.org

    Sobre o Relatório SAIC:
  • www.cge.uevora.pt/aspo2005/ abscom/Abstract_Lisbon_Hirsch.pdf
  • www.hilltoplancers.org/stories/hirsch0502.pdf

    [*] Autor de Powerdown - Options and Actions for a Post-Carbon World (New Society Publishers 2004). Jornalista, educador, editor, professor e membro do New College of California, onde dá cursos sobre "Energia e sociedade" e "Cultura, ecologia e comunidade sustentável".

    O original encontra-se em http://www.museletter.com/archive/160.html . Tradução de JF.

    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 08/Ago/05