O pico da produção mundial de petróleo:
impactos, amenização & gestão de riscos
por Robert L. Hirsch, SAIC, Project Leader
Roger Bezdek, MISI
Robert Wendling, MISI
[*]
SUMÁRIO
I- INTRODUÇÃO
II- O PICO DA PRODUÇÃO MUNDIAL DE PETRÓLEO
III- PORQUE A TRANSIÇÃO VAI SER DEMORADA
IV- LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA DO PASSADO
V- APRENDENDO COM O GÁS NATURAL
VI- OPÇÕES DE MINIMIZAÇÃO & PROBLEMAS
A. Conservação
B. Melhoria na
recuperação de petróleo
C. Petróleos pesados e
areias betuminosas
D. Gás-para-
líquidos
E. Líquidos de origens
internas americanas
F. Conversão do
fuelóleo em electricidade
G. Outras conversões do
fuelóleo
H. Hidrogénio
I. Factores que podem provocar
atrasos
VII- UM PROBLEMA MUNDIAL
VIII- TRÊS CENÁRIOS
IX- SINAIS DO MERCADO À MEDIDA QUE O PICO SE APROXIMA
X- INCÓGNITAS
XI- RESUMO E CONCLUSÕES
APÊNDICES
SUMÁRIO
A chegada ao pico da produção mundial do petróleo
apresenta um problema de gestão de riscos sem precedentes para os
Estados Unidos e para todo o mundo. À medida que esse pico se aproxima,
os preços dos combustíveis líquidos e a volatilidade dos
preços aumentará dramaticamente e, sem medidas atenuantes
atempadas, os custos económicos, sociais e políticos serão
terríveis. Existem opções atenuantes viáveis tanto
do lado da oferta como do da procura, mas, para terem um impacto concreto,
têm que ser desencadeadas mais de uma década antes da entrada em
pico.
Em 2003, o consumo mundial de petróleo rondou os 80 milhões de
barris por dia (Mb/d). O consumo dos EUA foi de quase 20 Mb/d, dos quais dois
terços no sector de transportes. Os EUA têm uma frota de cerca de
210 milhões de automóveis e camiões ligeiros (furgonetas,
camionetas de caixa aberta e transportes desportivos). A média da idade
dos automóveis americanos é de nove anos. Em
condições normais, a substituição de apenas metade
da frota automóvel exigirá 10 a 15 anos. A média da idade
dos camiões ligeiros é de sete anos.
Em condições normais, a substituição de metade do
total de camiões ligeiros exigirá 9 a 14 anos. Embora sejam
possíveis melhorias no rendimento do combustível para
automóveis e camiões ligeiros, qualquer abordagem
razoável para a melhoria da frota será obviamente demorada no
tempo, exigindo mais de uma década para se conseguir uma
melhoria significativa geral da eficiência do combustível.
Para além da exploração adicional de
petróleo, existem opções comerciais para aumentar o
fornecimento mundial do óleo e para produzir combustíveis
líquidos alternativos:
1) A Recuperação Melhorada de Petróleo (IOR - Improved Oil
Recovery) pode aumentar marginalmente a produção dos
depósitos petrolíferos existentes; uma das maiores oportunidades
da IOR é a Recuperação Intensificada de Petróleo
(EOR - Enhanced Oil Recovery), que pode ajudar a moderar o declínio da
produção de petróleo dos depósitos que já
ultrapassaram o seu pico de produção;
2) Os petróleos pesados / areias betuminosas representam um grande
recurso de petróleos de graus mais baixos, produzidos hoje
principalmente no Canadá e na Venezuela; estes recursos têm
possibilidade de aumentos significativosde produção;
3) A liquefacção do carvão é uma técnica
já bem estabelecida para produzir combustíveis alternativos
limpos a partir das abundantes reservas de carvão mundiais; e finalmente,
4) Os combustíveis alternativos limpos podem ser produzidos a partir do
gás natural situado em locais distantes, mas a sua
exploração tem que competir com a crescente procura mundial do
gás natural liquefeito. No entanto, as contribuições
à escala mundial para estas opções exigirão 10 a 20
anos de esforços acelerados.
Vai ser extremamente complexo lidar com o pico da produção
mundial do petróleo, vai envolver literalmente milhões e
milhões de dólares e vai exigir muitos anos de esforço
intensivo. Para explorar essas complexidades, foram analisados três
cenários alternativos de medidas atenuantes:
-
Cenário I - pressupõe que a acção só se
inicia quando ocorrer o pico.
-
Cenário II - pressupõe que a acção se inicia 10
anos antes do pico.
-
Cenário III - pressupõe que a acção se inicia 20
anos antes do pico.
Para esta análise, foram desenvolvidas estimativas das possíveis
contribuições de cada opção de
atenuação, baseadas num hipotético programa drástico da taxa de
implementa¸ão.
A nossa abordagem foi simplificada a fim de apresentar transparência e
facilitar a compreensão. As nossas estimativas são aproximadas,
mas crê-se que o pacote de medidas atenuantes que delas resultam é
um bom indicativo da direcção das realidades de tal tarefa
gigantesca. A conclusão inevitável é que será
necessária mais de uma década para que as
contribuições colectivas produzam resultados que tenham um
impacto significativo no universo da oferta e da procura dos
combustíveis líquidos.
Seguem-se as observações e as conclusões importantes deste
estudo:
1. Não se sabe ao certo quando é que ocorrerá o pico
petrolífero mundial. Um problema de base para se poder prognosticar o
pico do petróleo é a fraca qualidade e as possíveis
mistificações políticas dos dados sobre as reservas
mundiais de petróleo. Alguns entendidos acham que o pico pode ocorrer
dentro em breve. Este estudo indica que "dentro em breve" significa
dentro de 20 anos.
2. Os problemas relacionados com o pico da produção mundial do
petróleo não vão ser passageiros, e a experiência do
passado sobre "crises de energia" não será de grande
ajuda. A ameaça do pico petrolífero merece uma séria
atenção imediata, se se quiser compreender perfeitamente os seus
riscos, e iniciar as medidas atenuantes atempadamente.
3. O pico petrolífero vai criar um grave problema de combustíveis
líquidos para o sector de transportes, não apenas uma "crise
de energia" no sentido habitual em que este termo tem sido usado.
4. O pico vai provocar uma subida dramática nos preços do
petróleo, que causará dificuldades económicas prolongadas
nos Estados Unidos e em todo o mundo. No entanto, os problemas não
são insolúveis. Vão ser necessárias iniciativas
agressivas de medidas atenuantes, atempadamente, dirigidas tanto para o lado da
oferta como da procura.
5. Nas nações desenvolvidas, os problemas serão
especialmente
graves. Nas nações em desenvolvimento os problemas do pico
têm potencial para serem muito piores.
6. As medidas atenuantes vão exigir no mínimo uma década
de esforço intensivo e dispendioso, já que a escala dessas
medidas para os combustíveis líquidos é, por natureza,
enorme.
7. Embora seja essencial um maior rendimento do lado do utilizador, o aumento
do rendimento por si só não será suficiente nem
chegará a tempo de resolver o problema. Será necessário
produzir grandes quantidades de combustíveis líquidos
alternativos. Já existem actualmente técnicas de
produção de combustíveis alternativos comerciais ou
quase-comerciais, portanto já é possível a
produção de grandes quantidades de combustíveis
líquidos alternativos com a tecnologia existente.
8. Vai ser necessária a intervenção dos governos, de outro
modo as implicações económicas e sociais do pico
petrolífero serão caóticas. As experiências dos anos
70 e 80 oferecem guias importantes sobre quais são as
acções governamentais desejáveis ou indesejáveis,
mas o processo não será fácil.
A amenização do pico da produção mundial do
petróleo convencional apresenta um risco clássico na
gestão de problemas:
-
As medidas atenuantes iniciadas cedo demais podem revelar-se prematuras, se o
pico acontecer mais tarde que o previsto.
-
Se o pico estiver iminente, a falha no início atempado das medidas
atenuantes pode ser extremamente prejudicial.
Uma gestão de riscos prudente exige o planeamento e a
implementação de medidas atenuantes muito antes de se atingir o
pico. As medidas atenuantes tomadas com antecedência serão
certamente menos dispendiosas do que medidas atenuantes atrasadas. Um aspecto
especial do problema do pico petrolífero mundial é que o tempo
é incerto, por causa dos dados inadequados e possivelmente mistificados
sobre as reservas de todos os locais do mundo. Mais ainda, a chegada do pico
pode ser obscurecida pela natureza volátil dos preços do
petróleo. Como o impacto económico potencial do pico é
enorme e as incertezas relativas a todas as facetas do problema são
grandes, há uma necessidade crítica de estudos quantitativos
detalhados para desfazer as incertezas e explorar as estratégias de
medidas atenuantes.
O objectivo desta análise foi identificar os problemas críticos
em torno da ocorrência e as medidas atenuantes para o pico da
produção mundial de petróleo. Simplificámos muitas
das complexidades num esforço de apresentar uma análise
transparente. No entanto, o nosso estudo não é simples nem
breve. Reconhecemos que, quando os preços do petróleo subirem
dramaticamente, haverá impactos na procura e na economia que vão
alterar as nossas premissas simplificadas. A consideração desses
contributos será uma tarefa assustadora mas que terá que ser
realizada.
O nosso estudo exigiu que assumissemos um certo número de
hipóteses e de estimativas. Sabemos bem que análises em
profundidade podem produzir números diferentes. No entanto, esta
análise demonstra claramente que a chave para atenuar o pico da
produção de petróleo mundial está na
construção de um grande número de
instalações de produção de combustíveis
alternativos, associada a aumentos significativos do rendimento dos
combustíveis para os transportes. O tempo exigido para amenizar o pico
da produção de petróleo mundial resume-se a uma
década. A dimensão das referidas instalações de
produção é grande e de capital intensivo. De que modo e
quando os governos se vão decidir a enfrentar estes desafios ainda
está por determinar.
A nossa observação das tecnologias de minimização
existentes, comerciais e quase-comerciais, demonstra que já existe
actualmente uma série de tecnologias para implementação
imediata e extensiva. A nossa análise não quer ser limitativa.
Sabemos que a pesquisa futura indicará opções atenuantes
adicionais, algumas possivelmente superiores às que considerámos.
Na verdade, seria adequado acelerar bastante a pesquisa pública e
privada de medidas de minimização do pico do petróleo. No
entanto, o leitor deve reconhecer que fazer a pesquisa necessária para
introduzir novas tecnologias nos circuitos comerciais leva tempo, na melhor das
hipóteses. Por isso, será necessária mais de uma
década de implementação intensiva para causar impacto a
nível mundial, dada a inerente grande escala do consumo mundial de
petróleo.
Em resumo, o problema do pico da produção mundial do
petróleo convencional ainda não está a ser enfrentado pela
moderna sociedade industrial. Os desafios e incertezas têm que ser muito
mais bem compreendidos. Existem tecnologias para minimizar o problema. Uma
gestão atempada e agressiva dos riscos será essencial.
I- INTRODUÇÃO
O petróleo é o sangue da civilização moderna.
Alimenta a grande maioria dos equipamentos de transportes mecanizados mundiais
automóveis, camiões, aviões, comboios, navios,
equipamentos agrícolas, militares, etc. O petróleo é
também a principal matéria-prima dos produtos químicos que
são essenciais à vida moderna. Este estudo trata da
escassez física mundial do petróleo convencional que está por vir
um acontecimento que tem potencial para provocar roturas e dificuldades
nas
economias de todos os países. A dádiva terrena do petróleo
é finita e a procura do petróleo continua a aumentar com o tempo.
Neste sentido, os geólogos sabem que, numa data futura qualquer, a
oferta de petróleo convencional não será capaz de
continuar a satisfazer a procura mundial. Nessa altura a produção
de petróleo convencional terá atingido o seu pico e
começará a diminuir.
Um grande número de peritos prevê que a produção
mundial do petróleo convencional ocorrerá num futuro
relativamente próximo, como se resume no Quadro I-1.
[1]
Tais previsões estão repletas de incertezas devido à pobreza dos
dados,
aos próprios interesses políticos e institucionais, e a
outros factores complicativos. O ponto principal é que ninguém
sabe com
certeza quando é que a produção mundial de petróleo
atingirá o pico,
[2]
mas os geólogos não têm dúvidas de que isso
irá acontecer.
Quadro I-1. Previsões do pico da produção mundial
de petróleo
Dados projectados
|
Fonte da projecção
|
2006-2007
|
Bakhtiari
|
2007-2009
|
Simmons
|
Após 2007
|
Skrebowski
|
Antes de 2009
|
Deffeyes
|
Antes de 2010
|
Goodstein
|
Cerca de 2010
|
Campbell
|
Após 2010
|
World Energy Council
|
2010-2020
|
Laherrere
|
2016
|
EIA (nominal)
|
Após 2020
|
CERA
|
2025 ou posteriormente
|
Shell
|
Nenhum pico visível
|
Lynch
|
[1]
É dada uma lista mais pormenorizada no capítulo seguinte, Tabela II-2.
[2] Neste estudo referimo-nos indiferentemente ao pico mundial da produção de
petróleo convenional como
"pico petrolífero" ou simplesmente como "pico".
O nosso objectivo neste estudo é:
-
Sumariar as dificuldades das previsões da produção de
petróleo;
-
Identificar as razões que mostram porque é que o pico da
produção mundial de petróleo é um desafio
tão especial;
-
Mostrar porque é que as medidas de minimização
demorarão uma década ou mais de esforços intensos;
-
Examinar os potenciais efeitos económicos do pico do petróleo;
-
Descrever o que poderia ser feito sob os três exemplos de
cenários de
de amenização;
-
Estimular uma discussão séria do problema, sugerir estudos mais
definitivos e provocar o interesse por uma acção atempada a fim de
minimizar o seu impacto.
No Capítulo II vamos descrever as bases da produção de
petróleo, o sentido do pico da produção mundial do
petróleo convencional, a dificuldade de fazer previsões
rigorosas, e os efeitos que os preços mais altos e a tecnologia de ponta
podem ter sobre a produção do petróleo.
Devido à escala maciça da utilização do
petróleo em todo o mundo, a atenuação da escassez do
petróleo será difícil, demorada no tempo e dispendiosa. No
Capítulo III vamos descrever as utilizações extensivas e
críticas do petróleo americano e a longa duração de
vida económica e mecânica dos veículos e equipamentos
existentes que consomem combustíveis líquidos.
Embora seja impossível prognosticar o impacto do pico da
produção mundial do petróleo com alguma certeza, pode
aprender-se muito com as quebras de petróleo do passado, principalmente
com o embargo petrolífero de 1973 e com a escassez do petróleo
iraniano de 1979, como se discute no Capítulo IV. No Capítulo V
descrevemos as falhas a que assistimos no gás natural americano, falhas
que estão a acontecer apesar das garantias de fornecimento abundante
dadas há apenas alguns anos . Os paralelos com a oferta mundial de
petróleo são desconcertantes.
No Capítulo VI descrevemos as opções de
atenuação e os problemas relacionados com a sua
implementação. Limitamos as nossas considerações
às tecnologias que estão quase ou estão já
actualmente disponíveis comercialmente para uma aplicação
imediata. Evidentemente, uma pesquisa e desenvolvimento acelerados encerram uma
promessa para outras opções.
No entanto, o desafio relacionado com uma escassez extensa de petróleo
a curto-prazo exigirá o desenvolvimento de tecnologias viáveis, o
que é o nosso centro da atenção.
O petróleo é uma mercadoria encontrada em mais de 90
países, consumida em todos os países e comercializada nos
mercados mundiais. Para ilustrar e agrupar a gama de opções de
minimização, desenvolvemos três cenários
ilustrativos. Dois deles pressupõem uma acção bem
antecipada à chegada do pico mundial do petróleo num caso,
20 anos antes do pico e no outro caso, 10 anos antes. O nosso terceiro
cenário pressupõe que não se toma nenhuma
acção antes da chegada do pico. As nossas conclusões
ilustram a magnitude do problema e a importância de uma prudente
gestão dos riscos.
Finalmente, afloramos possíveis sinais do mercado que possam prenunciar
a chegada do pico e possíveis incógnitas que possam vir a alterar
o
timing
do pico da produção mundial do petróleo convencional. Em
conclusão, enquadramos o desafio de uma data desconhecida para o pico,
os seus impactos económicos potencialmente extensos, e as
opções disponíveis para uma atenuação
como uma questão de gestão de risco e de resposta prudente. Pede-se ao
leitor que reflicta sobre três perguntas da maior importância:
-
Quais são os riscos de confiar inteiramente em previsões
optimistas do pico de produção mundial de petróleo?
-
Devemos esperar pelo início da escassez do petróleo antes de
tomar medidas?
-
O que é que pode ser feito para assegurar que uma
amenização prudente seja iniciada em tempo?
Fevereiro/2005
[*]
Relatório feito para o Departamento da Energia dos EUA, o qual servirá de base
à comunicação a ser apresentada na
Conferência da ASPO
, a iniciar-se em Lisboa dia 19 de Maio de 2005.
O texto integral deste relatório (em inglês) pode ser descarregado aqui:
oil_peaking.pdf
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O sumário e a introdução deste estudo encontram-se em
http://resistir.info/
.
Tradução de Margarida Ferreira.
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