A bolsa do petróleo do Irão e a ameaça bushiana
As
sanções de 3 de Março do Conselho de Segurança das Nações Unidas contra o Irão
não só
representam uma vitória diplomática para o presidente Bush como
também um grande êxito para Washington na primeira fase da sua
guerra da divisa com Teerão. A guerra começou com o
início da Bolsa Petrolífera do Irão, em meados de
Fevereiro.
Conhecida geralmente como a Bolsa de Kish, ela está destinada a
ultrapassar o IPE de Londres e o Nymex de Nova York, as quais são
efectivamente controladas por Washington.
A Bolsa de Kish destina-se a vender petróleo bruto em Euros no mercado
internacional. Ao abrir a sua própria bolsa, o Irão tornou-se o
primeiro dentro da OPEP a tentar promover o enfraquecimento de uma da já
atormentada nota verde. Se outros produtores da OPEP e do Cáspio
aderirem, ela pode vir a ser um golpe mortal para a economia americana.
A predominância do dólar como a divisa hegemónica do mundo
tem a sua génese no acordo EUA-Arábia Saudita de 1972/73 de
apreçar o petróleo exclusivamente em dólares em troca da
protecção dos EUA à Casa de Saud contra agressões
externas ou golpes internos. Este arranjo levou a OPEP a transaccionar
petróleo exclusivamente em dólares desde então.
A utilização sempre crescente de petróleo no mundo a um
preço ascendente levou a uma procura sempre crescente pelo dólar
como divisa de reserva do mundo, permitindo à América exportar
bens produzidos barato com belos dividendos. Dado o declínio relativo
da produção industrial americana ao longo do tempo, a hegemonia
do dólar tornou-se vital para a sua economia. Uma vez que estava
estabelecido, os reinos da OPEP nunca desafiaram a hegemonia do dólar.
Eles atribuíam um alto valor à protecção americana,
a qual garantia a sua sobrevivência política e a sua integridade
territorial. As fronteiras dos reinos estão desenhadas arbitrariamente
para atender necessidades político-económicas do século XX
ao invés de serem delineadas de acordo com padrões
étnicos. Os parâmetros da protecção de Washington
incluem manutenção do status quo regional mais a
monitoração das frentes internas dos reinos em
função de rebeliões. Uma vez que este acordo assegura
sobrevivência mútua, sua tenacidade permaneceu impermeável
a causas políticas secundárias.
Paradoxalmente, a manutenção do status quo foi perturbada pelos
próprios EUA. Em 2000 Saddam Hussein exigiu que a venda do
petróleo iraquiano administrada pelo programa Oil For Food das
Nações Unidas fosse transaccionada em Euros. A ONU concordou e
Saddam mais uma vez declarou a sua intenção de abrir uma bolsa de
petróleo própria, do Iraque. Washington encarou este
desenvolvimento como perigoso e removeu Saddam ao invadir o Iraque em 2003.
Desde então as vendas do petróleo do Iraque reverteram ao
dólar. Contudo, preocupações quanto ao 'Pico
Petrolífero' levaram à ocupação do Iraque por
Washington. Com ocupação contínua, o show do compromisso
armado para a nova verde tornou-se contraproducente e levou ao começo do
desaparecimento do compromisso dos reinos para com o dólar. Ao
invés de ser um garantidor, Washington agora aparece como uma
ameaça ao status quo. O sentimento anti-EUA nas sociedades
árabes assusta os monarcas levando-os a acreditar que, se Washington
invadir mais países do Médio Oriente, este sentimento
aprofundar-se-ia e finalmente atingiria as suas famílias.
Daí uma noção crescente dentro das famílias reais
de que se for despido da sua hegemonia do dólar os EUA poderia ser
privados de crédito ilimitado para travar novas guerras no Médio
Oriente. Na terceira cimeira da OPEP, reunida em Riyadh em Novembro de 2007, a
questão da depreciação do dólar, embora não
incorporada na declaração final, foi assinalada aos respectivos
ministros das Finanças dos reinos como objecto de estudo.
Dado do tabu existente de facto sobre este assunto, isto é um
desenvolvimento significativo que pode ter estimular Bush a efectuar
posteriormente uma viagem ao reino saudita, em Janeiro de 2008.
Embora a comutação do dólar do Iraque, do Irão e da
Petrocaribe (da Venezuela) seja devida a uma vingança política,
ela tem sentido económico. Se uma bolsa comerciar em Euros, outros
países podem acumular as suas reservas com um Euro ascendente ao
invés de terem de reabastecer-se com dólares em
depreciação rápida. Contudo, dois desenvolvimentos
inter-relacionados ameaçam a Bolsa de Petróleo do Irão.
Um é a subida de Ahmadinejad ao poder e a sua beligerância em
relação a Israel, um Estado membro da ONU; o outro é o
êxito de Washington em construir uma consenso internacional contra o
Irão.
O grupo industrial reorganizou as sanções ao regime em 1996 a
pedido dos EUA sob o Wassenaar Arrangement. A funcionar em paralelo com outros
tratados que monitoram a proliferação, o Wassenaar mudou o alvo
da limitação da transferência de tecnologia ao
países comunistas para Estados individuais que "mostrem
comportamento perigoso". No momento da assinatura, Washington tentou
designar o Médio Oriente como uma "região
desestabilizada". Outros membros recusaram pois não queriam
viéses induzidos pelo regime Wassenaar. A sua anuência limita-se
a garantia o apoio a Washington para a sua designação do
Irão, Iraque, Líbia e Coreia do Norte como "estados
bandidos" (rogue states).
Devido à comutação no alvo das sanções, o
Irão sob Khatami percebeu que o mais sério perigo enfrentado era
a capacidade americana para negar-lhe acesso a armas, tecnologia e as divisas
duras fortes necessárias para conseguir tecnologia. Em
consequência, Khatami lançou uma política
conciliatória de 1997 a 2005 chamada "Diálogo de
civilizações", cujo êxito complicou muito as manobras
de Washington contra o Irão.
Numa entrevista à CNN em Janeiro de 2008, Khatami pediu desculpas aos
americanos pelos estragos provocados pelo assédio à sua embaixada
durante a revolução de 1979. Isto adoçou a opinião
pública acerca do Irão e levou a uma série de
intercâmbios vigorosos entre o Irão e os EUA. Os ganhos de
Khatami no Médio Oriente multiplicaram-se com a hospedagem por
Teerão da cimeira da Organização da Conferência
Islâmica em 1997, o aumento dos intercâmbios ministeriais no Golfo,
e um aperto de mão ao primeiro-ministro de Israel no funeral do Papa em
2005. Os EUA foram forçados pelos seus aliados europeus a repelir a
imposição de sanções secundárias sobre
investimento europeu no sector da energia do Irão.
Moscovo abandonou o acordo Gore-Chernomyrdin entre a Rússia e os EUA que
limita a venda de armas convencionais russas ao Irão. Em 2004 o
Irão alcançou um acordo com a Grã-Bretanha, França
e Alemanha sobre cooperação nuclear para finalidades
pacíficas. Os princípios de Khatami permaneciam firmes.
Juntamente com o apaziguamento Khatami testou o primeiro míssil nativo
que pode alcançar Tel Aviv, inaugurou o próprio arsenal nativo do
Irão e anunciou o plano de abrir a Bolsa do Petróleo do
Irão. Despojada dos seus argumentos anti-Irão, Washinton
permaneceu em grande medida pouco actuante na oposição a estes
desenvolvimentos.
O "comportamento perigoso" de Ahmadinejad anulou os ganhos de
Khatami. A partir de 23 de Dezembro de 2006 Ahmadinejad não cumpriu
sucessivas resoluções do CSNU contra o Irão. Em
consequência, Washington tem tido êxito em ganhar
cooperação multilateral em sanções sucessivamente
mais duras contra o Irão que são "medidas com alvos
financeiros" destinadas a incapacitar sectores chave da economia iraniana.
Isto inclui a amputação do Irão da infraestrutura
financeira global e do Golfo e forçar a retirada do investimento
estrangeiro no desenvolvimento do sector do petróleo e do gás do
Irão.
A Resolução 1803 do CSNU, de 3 de Março, prejudica
severamente o funcionamento da Bolsa de Kish. Contudo, se a bolsa vier a
funcionar mal, isto será considerado dever-se às
sanções e não às forças de mercado. Isto
significa que o mau funcionamento da Bolsa de Kish não deterá
movimentos plausíveis nesta direcção da parte de outros
produtores de petróleo.
12/Março/2008
[*]
Consultor em energia e analista de geopolítica da energia, residente em
Washington, DC.
Ver também:
First Oil Bourse Launched in Iran
O petróleo ferve
A emergência de um preço de referência internacional do petróleo denominado em euro
A Bolsa de Petróleo do Irão ameaça o dólar
A proposta Bolsa do Petróleo iraniana
Custos, malfeitorias e perigos do dólar
Armas nucleares ou juros compostos?
O fim da hegemonia do dólar
O original encontra-se em
http://www.dawn.com/2008/03/12/op.htm#2
e em
http://www.energybulletin.net/41562.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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