O futuro dos EUA será a ruína
por Paul Craig Roberts
Os neoconservadores instalados em seus gabinetes em Washington devem estar em
festa com seu sucesso em usar o episódio Charlie Hebdo para reunir a
Europa ao redor da política externa dos Estados Unidos. Acabaram os
votos dos franceses ao lado dos palestinos contra as posições
EUA/Israel. Não mais crescerá a simpatia dos europeus em
relação aos palestinos. Findou-se o crescimento da
oposição europeia ao lançamento de mais e mais guerras no
Oriente Médio. Não mais acontecerão apelos do presidente
francês para que sejam suspensas as sanções contra a
Rússia.
Mas por acaso os neoconservadores em Washington entenderam, também, que
amarraram os europeus aos partidos políticos
anti-imigração de extrema-direita? A onda de apoio ao Charlie
Hebdo é a mesma onda de apoio à Frente Nacional de Marine Le Pen,
do Partido Independente do Reino Unido de Nigel Farage e do alemão
PEGIDA em que está engolfada a Europa. Foi o fervor
anti-imigração pensado e orquestrado para reunir europeus a
Washington e Israel que deu a estes partidos a perspectiva de poder que hoje
ostentam.
Mais uma vez os insolentes e arrogantes neoconservadores estão errados.
O fortalecimento dos partidos anti-imigração tem o potencial para
revolucionar a política europeia e destruir o império de
Washington. Ver minha entrevista ao
King World News
com análises sobre o potencial que estes acontecimentos têm de
mudar o jogo.
A notícia do jornal inglês
Daily Mail
e do site Zero Hedge de que a Rússia cortara totalmente as entregas de
gás para seis países europeus deve ser incorreta. Reconhecendo
embora a credibilidade destas fontes bem informadas, não se observa a
turbulência política e financeira que aconteceria fatalmente se o
relato fosse verdadeiro. Portanto, a menos que em relação a essa
notícia esteja acontecendo um total blackout noticiário, as
ações da Rússia foram mal interpretadas.
[NR]
Sabemos que alguma coisa realmente aconteceu. Caso contrário, não
haveria como explicar a consternação expressa pelo assessor para
a energia da União Europeia, Maros Sefcovic. Embora eu não tenha
ainda uma informação definitiva, creio saber o que realmente
ocorreu. A Rússia, cansada dos ladrões ucranianos, que roubam o
gás que passa através do país em seu percurso até a
Europa, tomou a decisão de enviar o gás através da
Turquia, descartando a Ucrânia.
O ministro da Rússia para a Energia confirmou esta decisão
acrescentando que se os países europeus quiserem ter acesso a este
abastecimento de gás deverão construir suas próprias
estruturas ou gasodutos.
Em outras palavras, não há corte no presente, mas há
potencial para um corte no futuro.
Os dois eventos Charlie Hebdo e a decisão russa de cessar a
entrega de gás para a Europa através da Ucrânia
devem nos lembrar de não descartar eventuais
black swans
[1]
e que
black swans
podem surgir de consequências não intencionais de decisões
oficiais. Nem mesmo a superpotência americana está
imune a
black swans.
Há tanta evidência circunstancial de que a CIA e a
inteligência francesa foram responsáveis pelo tiroteio no Charlie
Hebdo como de que os disparos foram perpetrados pelos dois irmãos, cujo
cartão de identidade foi convenientemente esquecido no suposto carro de
fuga. Como a França agiu de forma a ter a certeza de que os
irmãos seriam mortos antes de poderem falar, nunca saberemos o que
teriam a dizer acerca da trama.
A única evidência existente de que os irmãos eram os
culpados pelo atentado é a afirmação das forças de
segurança. Sempre que ouço o governo acusar sem evidências
reais lembro-me das armas de destruição em massa de
Saddam Hussein, de que Assad fazia uso de armas químicas e
de que o Irão teria um programa de fabricação de
armas nucleares. Se um assessor da Segurança Nacional pode fazer
aparecer a partir do nada uma nuvem em forma de cogumelo sobre uma cidade
americana, então Cherif e Said Kouachi podem ser transformados em
assassinos. Afinal, estão mortos mesmo e não podem reclamar.
Se isto foi (e nunca saberemos) uma operação de falsa bandeira,
então foi alcançado o objetivo de Washington de reunificar a
Europa sob Washington com os aplausos de Israel. Porém há uma
consequência inesperada neste sucesso. A consequência inesperada
é unificar a Europa sob a bandeira da política de
anti-imigração dos partidos de direita, reforçando os
líderes destes partidos.
Caso estas suposições estejam corretas, então Marine Le
Pen e Nigel Farage estarão com suas vidas e/ou reputações
em perigo, pois Washington resistirá a qualquer ascensão de
lideranças que não adotem as linhas que impõe.
A grande consternação causada pela decisão russa de
relocalizar o ponto de entrega do seu gás à Europa (na Turquia)
é uma prova de que a Rússia possui muitas cartas para jogar que
podem desestabilizar as estruturas financeiras do ocidente.
A China possui cartas semelhantes.
Os dois países ainda não estão jogando estas cartas sobre
a mesa, pois pensam que ainda não precisam. Em vez disso, as duas
potências estão se retirando do sistema financeiro ao
serviço da hegemonia ocidental sobre o mundo. Ambos os países
estão criando todas as instituições econômicas de
que precisam para se tornarem completamente independentes do ocidente
Portanto, o raciocínio dos governantes chineses e russos é:
"Porque ser provocador e esbofetear os idiotas ocidentais... eles podem
usar as armas nucleares que possuem e o mundo inteiro estaria perdido. Vamos
simplesmente afastar-nos no momento em que eles com as suas
provocações nos encorajam a partir.
Sejamos pois agradecidos ao fato de que Vladimir Putin e os líderes
chineses são inteligentes e humanos, ao contrário dos
líderes ocidentais
Imaginem as terríveis consequências para o ocidente se Putin se
tornasse pessoalmente envolvido em consequência das numerosas afrontas
que sofrem tanto a Rússia como ele próprio. Putin pode destruir a
OTAN e todo o sistema financeiro ocidental no momento que quiser. Tudo o que
tem a fazer é anunciar que como a OTAN declarou guerra econômica
contra a Rússia, esta não mais venderá energia a membros
da OTAN.
A consequência seria a dissolução da OTAN, pois a Europa
não pode sobreviver sem os abastecimentos energéticos da
Rússia. Seria o fim do império de Washington.
Putin percebe que os insolentes neoconservadores teriam de apertar o
botão nuclear a fim de salvar a face. Ao contrário de Putin, seus
egos estão em causa. Portanto, Putin salva o mundo da guerra nuclear ao
não se deixar provocar.
Agora, imagine se o governo chinês perdesse a paciência com
Washington. Para confrontar a excepcional, indispensável e
único potência com a realidade da sua impotência, tudo
o que a China precisa fazer é despejar no mercado seus ativos
financeiros maciços denominados em dólar, tudo de uma vez
só, da mesma forma que os agentes bancários do Federal Reserve
despejam maciçamente no mercado de futuros contratos de ouro a
descoberto.
A fim de evitar o colapso financeiro dos EUA, o Federal Reserve teria de
imprimir montantes maciços de novos dólares com os quais comprar
a avalanche despejada pelos chineses. Como o Federal Reserve protegeria os
mercados financeiros estado-unidenses através da compra dos haveres
despejados pelos chineses, estes últimos nada perderiam com a venda. Mas
o passo seguinte é que é fatal. O governo chinês
simplesmente despejaria a quantidade maciça de dólares recebida
pela liquidação dos seus instrumentos financeiros denominados em
dólar.
O que aconteceria em seguida? O Federal Reserve pode imprimir dólares
com os quais comprar os haveres despejados pelos chineses denominados, mas o
Fed não pode imprimir moeda estrangeira com a qual comprar os
dólares despejados no mercado.
A oferta maciça de dólares despejados pela China no mercado de
câmbios não encontraria compradores. O valor do dólar
entraria em colapso. Washington não poderia mais pagar suas contas
através da impressão de dinheiro. Os americanos, que vivem em um
país dependente de importações, graças aos empregos
que foram deslocados para outros países, seriam confrontados com altos
preços que afetariam de forma severa seu modo de vida, que desgastaria
o seu padrão de vida. Os Estados Unidos experimentariam instabilidade
econômica, social e política.
Deixando de lado suas lavagens cerebrais, seus apoios defensivos e
patrióticos ao regime em Washington, os americanos precisam perguntar a
si mesmos: Como pode o governo dos Estados Unidos, uma alegada
superpotência, ser tão inconsciente das suas verdadeiras
vulnerabilidades a ponto de Washington ser capaz de pressionar duas
potências reais até o ponto de elas dizerem basta e jogarem as
cartas que possuem?
Os americanos precisam entender que a única coisa realmente excepcional
acerca dos Estado Unidos é a ignorância da população
e a estupidez do governo.
Qual outro país no mundo deixa um bando de crápulas da Wall
Street controlar a sua economia e política externa, dirigir o seu Banco
Central e o seu Tesouro e subordinar os interesses dos seus cidadãos aos
interesses dos bolsos de um por cento [da população]?
Uma população tão despreocupada está totalmente
à mercê de Rússia e da China.
Ontem houve
um novo evento tipo black swan,
o qual poderia desencadear muitos outros:
o Banco Central suíço anunciou o
fim da ligação [pegging] do franco suíço ao euro e ao dólar
.
Três anos atrás a fuga de dólares e euros para o franco
suíço elevou tanto o valor cambial do franco que isto passou a
ameaçar a própria existência da indústria
suíça de exportação. O país anunciou
então que quaisquer novas entradas de divisas estrangeiras convertidas
em francos seria cumprida pela criação de novos francos a fim de
absorver a entradas de modo a não elevar ainda mais a taxa de
câmbio futura. Em outras palavras, a Suíça ligou o franco.
Ontem o Banco Central suíço anunciou que essa
ligação cessou. O valor do franco subiu no mesmo instante.
Ações de companhias suíças tiveram queda
significativa, e hedge funds erradamente posicionados sofreram grandes golpes
na sua solvência.
Por que a Suíça desligou o franco? Não se trata de uma
ação sem custos. Para seu Banco Central e sua indústria de
exportação, o custo será substancial.
A resposta é que o Procurador-Geral da UE determinou que era
permissível para o BCE iniciar uma ação de Quantitative
Easing ou seja, a impressão de novos euros a fim de
salvar
(bail out)
banqueiros privados dos erros que cometeram. Isso significa que a comunidade
financeira da
Suíça ficaria na expectativa de ser confrontada com uma fuga
maciça do euro e que o Banco Central suíço não
deseja imprimir novos francos para manter a ligação. O banco
central suíço acredita que teria de acelerar tanto a
máquina de impressão que oferta monetária
suíça explodiria, excedendo em muito o PIB do país.
A política de imprimir dinheiro sem lastro dos Estados Unidos,
Japão e agora presumivelmente da União Europeia tem
forçado outros países a inflar suas próprias moedas a fim
de impedirem o aumento do valor de troca das suas divisas, o que prejudicaria
sua capacidade exportadora e de ganhar divisas estrangeiras com as quais pagar
suas importações. Assim, Washington tem forçado o mundo a
imprimir dinheiro.
A Suiça retirou-se deste sistema. Seguir-se-ão outros? Ou
será que o resto mundo vai simplesmente seguir os governos de
Rússia e China em seus novos arranjos monetários, virando as
costas para o ocidente corrupto e incorrigível?
O nível de corrupção e manipulação que
caracteriza a economia e a política externa dos Estados Unidos de hoje
era impossível em outros tempos, quando a ambição e
Washington era constrangida pela União Soviética. A
ganância pelo poder hegemônico tornou Washington o governo mais
corrupto do planeta.
A consequência disto é a ruína.
A liderança passa a império. O império gera a
insolência. A insolência traz a ruína.
O futuro dos EUA é a ruína.
16/Janeiro/2015
NT
[1] Acontecimentos inesperados que provocam consequências
imprevisíveis. A expressão foi forjada por Nicholas Taleb no livro com
o mesmo título.
[2]
Quantitative easing:
flexibilização monetária, facilitação
monetária, facilitação quantitativa, etc. Trata-se de
emitir dinheiro sem lastro.
[NR] Ver a respeito:
A Rússia deixa no frio o comissário europeu da energia
O original encontra-se em
www.informationclearinghouse.info/article40723.htm
e a versão em português em
redecastorphoto.blogspot.com.br/...
. Tradução de mberublue (com pequenas alterações).
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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