Esmagamento preços-salários
O Fed afunda o dólar
Contra as recomendações da maior parte dos economistas e
até mesmo do
Financial Times
de Londres, o Federal Reserve Board ontem [30 de Abril] cortou a sua taxa de
desconto em mais um quarto de ponto, para apenas 2%. Ostensivamente, a
intenção é tentar estimular a
"recuperação" económica como se um corte
na taxa de juro pudesse fazer isso. À primeira vista isto parece
reflectir a ideologia do Fed de que a manipulação apenas do juro
pode expandir ou contrair a economia como se esta fosse um balão,
cuja estrutura está pré-impressa sobre ele, a ser inflado ou
desinflado à vontade a fim de controlar o nível de actividade.
Esta filosofia simplista foi uma marca característica da era Greenspan.
Mudar apenas a taxa de juro significava que o Fed não tinha de
"pensar", não tinha de regular mercados, aumentar
exigências de reservas sobre empréstimos bancários para
alimentar a inflação dos preços dos activos que o Fed
confundia com "criação de riqueza real". Tudo o que
ele tinha de fazer era elevar taxas de juro quando isto dava aos bancos uma
oportunidade para cobrar mais e aumentar seus rendimentos ou cortar
taxas de juro para reduzir o custo dos empréstimos concedidos pelo Fed.
Mas certamente nem mesmo o ideologicamente empedernido Federal Reserve pode
ainda imaginar que um problema estrutural a depressão que se
aproxima devido ao favoritismo do Fed para com o sector bancário que
promove a des-industrialização da economia pode ser
resolvido reduzindo mais uma vez a taxa de juro. Enquanto o Fed reduz a sua
taxa para a concessão de empréstimos aos bancos, estes bancos
não têm estado a passar os cortes das taxas aos seus clientes. As
taxas dos cartões de créditos estão a subir, e toda uma
árvore de Natal de penalidades está mais uma vez a aumentar a
comissão
(rake-off)
dos bancos. As taxas hipotecárias permanecem elevadas, de modo que os
mercados imobiliários permanecem estagnados. Os bancos simplesmente
não estão a conceder empréstimos.
O que eles estão a fazer é especular, acima de tudo contra o
dólar. Dessa forma, estão a emular o que fizeram os bancos
japoneses após a explosão da bolha financeira em 1990. Os bancos
japoneses tornaram-se os actores mais activos no comércio
"carry": tomando emprestado a taxas de juro muito baixas numa divisa
fraca (o yen após 1990, o dólar hoje) a fim de conceder
empréstimos a altas taxas de juro, preferivelmente com divisas fortes ou
pelo menos estáveis (tal como à Islândia antes de ela se
tornar tão infestada de dívidas no ano passado que a sua divisa
começou a entrar em colapso; e, hoje, aos tomadores de
empréstimos europeus, em euros).
De modo que o crédito fiduciário estado-unidense está a
ser dirigido para a Europa. Os bancos dos EUA criam ou tomam emprestado
crédito a 2% e emprestam-no a 6% ou mais e obtêm um ganho
especulativo em divisa estrangeira quando o Euro continua a ascender em
relação ao dólar.
O objectivo evidentemente é o mesmo do Japão após 1990.
Muitos bancos estão praticamente insolventes em resultado dos maus
empréstimos imobiliários nos seus balanços.
Resgatá-los (de modo a que não seja necessário
nacionalizá-los, como a Inglaterra fez recentemente com o Northern
Trust) é ajudar os bancos a "ganharem a sua saída da
dívida" por meio de empréstimos lucrativos.
Mas a concessão de empréstimos e a lucratividade desligou-se da
economia de uma forma geral. Os bancos não estão a conceder
empréstimos para financiar investimento em capital tangível e
novas contratações. Ajudá-los não ajuda a empurrar
a economia dos EUA para fora da depressão que se aprofunda. (Uma
recessão é curta e é seguida pela
recuperação. A depressão económica que hoje se
agiganta está direccionada para um confisco generalizado e à
transferência de propriedade dos devedores para os credores.)
O efeito final é inflar o poder das finanças, o crédito e
o imobiliário em relação aos salários do trabalho e
ao capital industrial. Isto não é um meio de encorajar novo
investimento tangível. É exactamente o oposto do keynesianismo.
Ao invés de assinalar a "eutanásia do rentista", isto
está a das poderes às finanças e a aplicar a
eutanásia ao trabalho e à indústria.
EUROPA
E há que acrescentar a Europa. O acto do Fed de subsidiar bancos
estado-unidenses que concedem empréstimos à Europa ajudará
a elevar a taxa de câmbio do euro em relação ao
dólar. Isto será um boom para especuladores de divisas. E
ajudará a manter o preço do petróleo e dos alimentos
baixos para os consumidores europeus. Mas também elevará o
preço do trabalho europeu e outros custos internos (incluindo o custo do
imobiliário, o qual está a desempenhar um papel crescente nos
orçamentos de empregados por todo o mundo). Isto tenderá a
tornar as exportações europeias ainda mais caras nos mercados
globais incluindo o Airbus, para grande satisfação da
Boeing, e dos automóveis europeus, para grande satisfação
da GM e da Ford. (Não é de admirar que
Kirk Kirkorian
tenha começado recentemente a comprar outra vez na indústria
automobilística dos EUA.)
Na década de 1930, os países competiam uns com os outros
através da imposição de muralhas tarifárias rivais
e barreiras comerciais não-tarifárias (a principiar pelos Estados
Unidos) e da depreciação de divisa "empobreça meu
vizinho" (mais uma vez, principiada pelos Estados Unidos). Mas os
banqueiros centrais europeus, por sua vez, estão com os cérebros
tão lavados pela moderna ideologia monetarista da Escola de Chicago
e tão inconscientes da história económica do seu
próprio continente que insistem numa reacção
automática à inflação interna pela
elevação das taxas de juro. Isto meramente aumenta o valor da
sua divisa ainda mais, atraindo ainda mais empréstimos estrangeiros
"carry trade". (Economistas chamam a isto uma "curva de procura
inclinada para trás" e consideram-na uma "anomalia",
enquanto descobrem ser a realidade principal nestes dias.) Assim, enquanto a
política monetária dos EUA ajuda a subsidiar o sistema
bancário em relação ao sector industrial e ao trabalho, a
política monetária europeia vai em frente com o pensamento do
universo paralelo de hoje e enfraquece a sua própria indústria.
TERCEIRO MUNDO
Vítimas inocentes da depreciação do dólar provocada
pela acção do Fed são os países com défice
alimentar do Terceiro Mundo cujas divisas estão ligadas ao dólar.
A América Latina, grande parte da África e Ásia
descobrirá que nas suas divisas o preço das
matérias-primas denominadas em euros ascenderá.
Mas os seus salários internos e outros rendimentos da
população em geral não estão a aumentar. O
esmagamento salários-preços avançará
enquanto as suas oligarquias sem dúvida contribuirão juntando-se
à hemorragia especulativa em divisas duras transferindo seus fundos
internos para fora.
01/Mai/2008
Artigos de Michael Hudson em resistir.info:
Super-capitalismo, super-imperialismo e imperialismo monetário
Greenspan, o grande inflacionador de activos
A pirâmide dos US$ 4,7 milhões de milhões: a Segurança Social dos EUA & a Wall Street
Irá a Europa sofrer da síndroma suíça?
Um grande especialista revela segredos dos centros bancários offshore
Salvar a economia, desmantelar o império
US$ 1012 de resgate para os jogadores da Wall Street
[*]
Ex-economista da Wall Street especializado em balança de pagamentos e
imobiliário no Chase Manhattan Bank (agora JPMorgan Chase & Co.), Arthur
Anderson, e posteriormente no Hudson Institute. Em 1990 ajudou a estabelecer o
primeiro fundo de dívida soberana para a Scudder Stevens & Clark. Foi
Conselheiro Económico Chefe de Dennis Kucinich na recente campanha
presidencial primária dos Democratas. Também aconselhou os
governos dos EUA, Canadá, México e Letónia, bem como o
United Nations Institute for Training and Research (UNITAR). Actualmente
é Professor Investigador na Universidade de Missouri Kansas City
(UMKC). Autor de vários livros, inclusive
Super Imperialism: The Origin and Fundamentals of U.S. World Dominance
. Email:
mh@michael-hudson.com
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/hudson05012008.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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