Resposta ao documento da FIFA
"Acabar com mal entendidos"
Em 10 de Junho de 2014 a FIFA divulgou o panfleto
"Acabar com o mal entendidos" ("Setting the Record Straight")
com perguntas e respostas que pretendem esclarecer concepções
incorrectas acerca do papel da FIFA e do impacto sócio-económico
da sua Copa do Mundo. A divulgação do panfleto é
significativa pois é a primeira vez que a FIFA é forçada por
protestos em massa, e graças aos brasileiros, a vir a público e defender-se a
si própria e à sua imagem empanada. Os acontecimentos no Brasil
foram muito além da onda de greves maciças na África do
Sul a exigir que a FIFA aceitasse uma agenda de
"trabalho decente"
. Esta é, afinal de contas, a primeira vez na história da Copa do
Mundo que se verificou uma revolta contra a FIFA e isso num país que ama
o futebol! Não só o tom do panfleto é defensivo como
também deixa perceber como a FIFA está a decair da sua
posição de voz hegemónica do futebol mundial.
Num esforço para defender a sua reputação social no Brasil
e no mundo como um todo, o panfleto começa com uma posição
cómica mas franca. Admite que, dos US$15 mil milhões em
infraestrutura, "os contribuintes pagaram a conta, a FIFA não
gastou nada" e é responsável apenas pela cobertura dos
custos operacionais do evento não em proporcionar a
infraestrutura. Mas o que a FIFA não reconhece é que o
contribuinte está a pagar um mega-subsídio público
precisamente porque a FIFA não gasta nada! Apesar de esta ser uma das
muitas dádivas, o fedelho mimado da FIFA exige uma enormidade de
concessões dos países que abrigam a Copa Mundial da FIFA em
mecanismos legais de garantias do estado e nas notórias Leis da FIFA.
As Leis da FIFA constituem a chave para assegurar a operação a
complexa acumulação da FIFA no desporto pela qual ela e seus
parceiros comerciais, os bancos, firmas de construção e
engenharia locais e internacionais, asseguram para si próprias e seus
accionistas uma taxa garantida de mega-lucros. O mecanismo deste regime de
acumulação de capital é precisamente utilizar a avenida
dos fundos públicos e dos subsídios e isenções do
estado para acumular milhares de milhões em poupanças sem ter de
gastar directamente um centavo do dinheiro do contribuinte. O representante do
grande capital, o estado, faz isto por conta da FIFA. Na África do Sul
isto foi bem documentado no livro
South Africa's World Cup: A Legacy for Whom?
A FIFA está correcta em que não há uma
isenção fiscal geral mas há uma extensa
"série de isenções de impostos federais concedidos
exclusivamente: (i) à própria FIFA e entidades relacionadas
residentes no exterior; (ii) à subsidiária brasileira da FIFA e
à Brazilian Broadcasting Source; (iii) a fornecedores de serviços
à FIFA estabelecidos no Brasil; e (iv) a indivíduos não
residentes contratados ou empenhados em trabalhos nos eventos"
. As isenções incluem todas as receitas, lucros, rendimentos,
despesas, custos, investimentos, folhas de pagamento e toda e qualquer
espécie de pagamentos, em cash ou de quaisquer outras formas.
Há isenções fiscais limitadas no tempo sobre
importações executadas pela própria FIFA, por
subsidiárias brasileiras da FIFA, confederações da FIFA,
membros de associações estrangeiras da FIFA, parceiros de
negócios estrangeiros e fornecedores de serviços da FIFA e
emissões primárias de rádio e TV da FIFA
Há também pagamentos únicos de prémios de US$44 mil
(livres de impostos) bem como um estipêndio mensal a jogadores que
fizeram parte das equipes vencedoras do Brasil nas Copas do Mundo de 1958, 1962
e 1970. Estes pagamentos serão feitos através do
Ministério do Desporto e do Ministério do Bem Estar Social e
provirão de fundos públicos.
As Leis da FIFA declaram que todos "os vistos em passaportes e
permissões de trabalho" relacionados com o evento serão
livres de encargos para centenas de milhares de delegações da
FIFA, associados da imprensa e parceiros comerciais incluindo todos os
torcedores que tiverem bilhetes para os jogos. Portanto, milhões em
receitas públicas foram perdidas mesmo antes de os jogos
começarem.
Há maciça despesa pública do estado para impor direitos de
propriedade intelectual da FIFA em que
"a FIFA será libertada do pagamento de quaisquer taxas ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) até 31 de Dezembro de 2014"
. Esta imposição
também inclui uma "bolha isenta de impostos" de 2 km de raio
em torno de locais oficiais de desporto o que basicamente proíbe a livre
competição e impede qualquer um de extrair um rendimento sem
obter uma licença da FIFA. As leis são tão extremas que
um bar ou restaurante local não pode sequer utilizar as palavras
"Copa Mundial", "Brasil 2014", "2014 Brasil",
muito menos "FIFA", para atrair clientes. Isto efectivamente exclui a
maioria dos comerciantes informais e negócios locais desejosos de vender
seus produtos durante a Copa do Mundo. A FIFA portanto está a enganar o
público quando diz que não "remove comerciantes de rua"
pois as novas condições (criadas após protestos
maciços pela entrada dos comerciantes de rua na África do Sul)
ainda são limitadas ao "ambiente imediato do estádio".
A FIFA mais uma vez chora que não ordenou ao Brasil "construir 12
estádios dispendiosos". Apesar de nunca podermos saber quantos
estádios a FIFA realmente ordenou a questão que permanece
é que a FIA exige os "estado-da-arte, estádios modernos e
belos". O documento de 228 páginas da FIFA, "
Football Stadiums: Technical Recommendations and Requirements"
, o qual é considerado como o modelo para os estádios de futebol
do século XXI, deixa uma impressão de que os estádios
não podem ser senão horrendamente dispendiosos. Veja-se a
exigência de que o salão VIP da FIFA deve ser suficientemente
grande para acomodar 500 hóspedes por partida durante campeonatos e 2000
nas partidas de abertura e encerramento dos campeonatos. Isto vai além
do que a hospitalidade exige, o que só pode ser encarado como uma
despesa com um luxo monstruosamente perdulário. Na África do Sul
foi bem documentado que a FIFA exigiu que um moderno estádio todo novo
fosse construído em Cape Town simplesmente devido ao seu preconceito de
classe em relação a Athione, uma comunidade de trabalhadores onde
já havia um estádio factível.
Agora a FIFA diz que não é culpada por remoções
forçadas, o que é só uma meia verdade. A questão
é que remoções forçadas frequentemente verificam-se
antes de Copas Mundiais da FIFA, como parte da síndrome elitista
"World Class City" que tem infectado países de todo o mundo.
Finalmente, a FIFA está a esforçar-se por explicar que não
deixa o país hospedeiro com "problemas sociais, económicos e
ecológicos" e de facto gastou US$182 milhões com legados
desportivos na África e que os jogos foram ambientalmente
compatíveis. Não só a FIFA na África do Sul ganhou
o máximo de dinheiro na história da copa do mundo uns
US$2,3 mil milhões como houve ultrapassagens de custos de 1.708%
no total. Apesar de manter todas as regulamentações ambientais, a
Copa do Mundo de 2010 também foi considerada como o torneio mais
intensivo em carbono até então.
Para todos os efeitos, a Copa do Mundo Brasil 2013 ultrapassará o legado
da África do Sul e afundará na história como o torneio
mais e mais intensivo em carbono da história da FIFA.
Ver também:
Soccer Is Democratic. The World Cup Is Oligarchy.
A luta dos trabalhadores triunfa sobre o espectáculo
[*]
Editor do livro
South Africa's World Cup: A Legacy for Whom?
e investigador no
Labour Research Service
em Cape Town.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/2014/cottle180614.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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