Biocombustíveis:
Biodevastação, fome & falsos créditos de carbono
A avidez da Europa pelos biocombustíveis está a provocar a
desflorestação e a subida dos preços dos alimentos,
exacerbada por um falso sistema de contabilidade que atribui méritos de
redução das emissões de CO2 às nações
que desperdiçam o CO2. Torna-se necessário um esquema de
certificação obrigatória dos biocombustíveis para
proteger os ecossistemas florestais mais sensíveis, para estabilizar o
clima e para salvaguardar a protecção da nossa
alimentação.
A versão totalmente referenciada deste artigo está publicada no
sítio web dos membros do ISIS (Institute of Science in Society).
Ver condições de acesso
.
Os biocombustíveis não são obrigatoriamente neutros em
carbono nem sustentáveis
Os biocombustíveis são combustíveis derivados de plantas e
incluem a biomassa queimada directamente, principalmente o biodiesel a partir
das oleaginosas, e o bioetanol de cereais, seivas, ervas ou madeira fermentados
[1]
(
Biofuels for Oil Addicts
, SIS 30). Os biocombustíveis têm sido propagandeados e
considerados erradamente como 'neutros em carbono', não contribuindo
para o efeito de estufa da atmosfera; quando são queimados, o
dióxido de carbono que as plantas absorvem quando se desenvolvem nos
campos é devolvido à atmosfera. Ignoram-se assim os custos das
emissões de CO2 e da energia de fertilizantes e pesticidas utilizados
para melhorar as colheitas, dos utensílios agrícolas, do
processamento e refinação, das refinarias, do transporte e das
infra-estruturas para transporte e distribuição. Os custos extra
da energia e das emissões de carbono podem ser bastante significativos
principalmente se os biocombustíveis forem feitos num país e
exportados para outro, ou pior ainda, se as matérias-primas como as
oleaginosas, forem produzidas num país e vierem a ser refinadas noutro.
O que é muito provável acontecer, se continuarem as
tendências actuais.
Procura crescente dos biocombustíveis
A procura de biocombustíveis tem vindo a aumentar à medida que o
mundo começa a ter falta de combustíveis fósseis. Os
preços do petróleo e do gás dispararam nos últimos
anos, enquanto que a pressão para reduzir as emissões de CO2
a fim de reduzir o aquecimento global
[1]
aponta cada vez mais para que os
biocombustíveis sejam uma das principais soluções. George
W. Bush propôs os biocombustíveis para curar a dependência
do país em relação ao petróleo [1]
. Foi acenada uma "visão de mil milhões de
toneladas" [2]
para disponibilizar 1,3 mil milhões de toneladas de biomassa seca para
a indústria dos biocombustíveis em meados deste século,
que fornecerão 30 por cento da utilização de
combustíveis dos EUA, se tudo correr bem, como seja um aumento de
cinquenta por cento das colheitas. Tony Blair inaugurou no fim de Junho de 2006
[3] a Biofuels Corporation, plc, a primeira instalação de
processamento de biocombustível, de 250 000 toneladas, no Reino Unido
que vai utilizar óleo de castor e óleo de palma importados assim
como óleo de semente de colza de produção interna para
fabricar biocombustível. Mas o Reino Unido mantém-se muito
atrás de outros países da União Europeia na
utilização de biocombustíveis.
Directiva de biocombustíveis da União Europeia lidera a indústria
nos países do Terceiro Mundo
Em Maio de 2003 a União Europeia adoptou uma Directiva de
Biocombustíveis para promover o uso de biocombustíveis nos
transportes, com uma previsão de 5,75 por cento de quota de mercado em
2010, a atingir os 8 por cento em 2015 [4]. Não é provável
que estas metas sejam alcançadas
segundo as actuais projecções. A quota de mercado para a UE dos
25 está em 1,4 por cento; a Áustria vai à frente com 2,5
por cento, enquanto que a quota do Reino Unido é de apenas 0,2 por cento.
A Comissão Europeia vai fazer um relatório da
evolução antes do fim de 2006; publicou um documento para
consulta pública, consulta que terminou em Julho de 2006. Entre as
questões consideradas estava a necessidade de um esquema de
certificação dos biocombustíveis com base em
padrões de sustentabilidade.
Os países da UE já estão a cultivar plantas para
bioenergia, em especial a colza e há incentivos e
reduções fiscais para os biocombustíveis em dez ou mais
países [5]. É provável que as terras agrícolas
'reservadas' com o
fim de proteger e conservar a biodiversidade sejam de novo utilizadas, agora
para culturas energéticas [6].
(
Biodiesel Boom in Europe?
SIS30).
Um relatório publicado em 2002 pelo grupo CONCAWE a
associação europeia das companhias petrolíferas para o
ambiente, saúde e segurança na refinação e na
distribuição avaliou que, se os 5,6 milhões de
hectares de reservas na UE dos 15 fossem todos cultivados intensivamente com
plantas energéticas, pouparíamos apenas 1,3 a 1,5 por cento das
emissões de transportes rodoviários, ou seja, cerca de 0,3 por
cento do total de emissões desses 15 países [7]. Estas e outras
estimativas igualmente pessimistas [8]
estão a alimentar o crescimento das indústrias de
biocombustíveis nos países do Terceiro Mundo, onde, dizem-nos
agora, há muito solo "livre" para o cultivo da bioenergia. O
sol brilha mais durante todo o ano, portanto as colheitas crescem mais
depressa. Rendem mais e a mão-de-obra é mais barata.
Mas, no caso dos geneticamente modificados (GM), dizem-nos que não
há terras suficientes, e que precisamos de cereais GM para aumentar a
produção e alimentar o mundo. Até aqui, a
produção das searas de GM ainda não aumentou
significativamente, e os GM são esmagadoramente rejeitados em todo o
mundo, principalmente nos países africanos para onde os alimentos e as
rações GM estão a ser escoados como "ajuda
alimentar" [9]
As companhias biotécnicas já estão a anunciar as culturas
GM como culturas energéticas e esperam assim menos
regulamentações e uma maior aceitação
pública, visto que não virão a ser usadas como alimentos
ou rações. Mas isso faz com que o nosso ecossistema e as culturas
alimentares fiquem amplamente expostas à contaminação das
culturas GM que estão longe de ser seguras [10]
. (
Making the World GM-Free & Sustainable
). O Centro de Investigação de Energia do Reino Unido, que
é formado por membros de todos os conselhos de
investigação do governo, já incluiu a
"percepção pública e utilização de
tecnologias GM para a bioenergia" no seu "Short term Research
Challenge" (Concurso de Investigação a curto prazo) [11].
Desflorestação, extinção de espécies e
aumento do preço dos alimentos
Os biocombustíveis são más notícias, em especial
para os países pobres do Terceiro Mundo. As culturas energéticas
ocupam terra valiosa que podia ser utilizada para cultivo de alimentos, e a
segurança alimentar está a transformar-se numa questão
escaldante. A produção mundial de cereais diminuiu em seis dos
últimos sete anos, colocando as reservas ao mais baixo nível de
há mais de trinta anos [12]
. O esgotamento crónico de aquíferos nos maiores celeiros
mundiais, a seca e as temperaturas altas estão a fazer pagar o seu
preço e prestes a prejudicar ainda mais a produção
alimentar. A pressão sobre o solo feita pelas culturas alimentares e
energéticas acelerarão certamente a desflorestação
e a extinção das espécies e, simultaneamente,
provocarão aumentos nos preços dos alimentos em todo o mundo,
atingindo mais fortemente os países mais pobres, com maiores
carências alimentares.
Não há terras que cheguem para as culturas energéticas
Os cálculos baseados no melhor dos cenários de
produções irrealistas de grandes colheitas e de alto
aproveitamento de biocombustíveis, desde o seu processamento até
à utilização final, acabam por exigir 121 por cento de
toda a terra arável dos Estados Unidos para produzir biomassa suficiente
para substituir o consumo anual dos combustíveis fósseis [1].
O próprio relatório técnico da UE publicado em 2004 mostra
que a meta de 5,75 por cento de substituição dos
combustíveis fósseis por biocombustível exigirá
pelo menos 14 a 19 por cento de terra arável para culturas
energéticas [8]. Não restará nenhuma terra reservada para
proteger a biodiversidade natural, que na UE é de apenas 12 por cento da
terra
agrícola.
Dados por satélite revelam que 40 por cento do solo do planeta já
estão a ser utilizados para a agricultura [13], de cereais ou de
pastagens. Não há solo que chegue para o
cultivo de alimentos, quanto mais para as culturas energéticas.
Aceleração da desflorestação no Brasil, na
Malásia e na Indonésia
As florestas tropicais são os mais ricos armazéns de carbono e os
mais eficazes esgotos de carbono do mundo. As estimativas atingem os 418 t C/ha
(toneladas de carbono por hectare) para a quantidade de carbono existente, e a
5 a 10 t C/ha cativado por ano, em que quarenta por cento é carbono
orgânico no solo [14]
. (
Sustainable Food System for Sustainable Development
, SIS27). A quantidade de carbono existente nas florestas antigas será
sempre maior e, segundo um estudo recente no sudeste da China, só nos 20
centímetros da superfície do solo dessas florestas antigas, o
carbono orgânico do solo aumentou em média a um ritmo de 0,62 t
C/ha por ano entre 1979 e 2003 [15].
Quando as florestas tropicais são deitadas abaixo a um ritmo de mais de 14 mil
hectares por ano, libetam-se umas 5,8 toneladas de carbono para a
atmosfera, das quais só uma pequena parte será retida de novo nas
plantações.
A pressão adicional sobre o solo por parte das culturas
energéticas acarretará uma maior desflorestação e
uma maior aceleração do aquecimento global e da
extinção de espécies.
Até agora já foram limpas enormes extensões da floresta do
Amazonas no Brasil para o cultivo da soja destinada a alimentar a
indústria da carne. Se se acrescentar a exigência do biodiesel da
soja pode-se provocar a morte de toda a floresta. Simultaneamente, as
plantações da cana-de-açúcar que alimentam a enorme
indústria do bioetanol do país também estão a
invadir o Amazonas, mas incidem sobretudo na floresta atlântica e no
Cerrado, um ecossistema de savana de grande variedade, dois terços da
qual já estão destruídos ou degradados [16]
(Biofuels Republic Brazil, nesta série).
A pressão sobre as florestas na Malásia e na Indonésia
ainda é mais devastadora. Um Relatório dos Amigos da Terra,
The Oil for Ape Scandal
[17]
revela que, entre 1985 e 2000, o desenvolvimento das plantações
de óleo de palma provocou cerca de 87 por cento de
desflorestação na Malásia. Em Sumatra e em Bornéu,
desapareceram 4 milhões de hectares de florestas a favor do cultivo da
palma; e está prevista a limpeza de mais 6 milhões de hectares na
Malásia e 16,5 milhões de hectares na Indonésia.
O óleo de palma é agora chamado o "diesel da
desflorestação" [18], porque se prevê um aumento
dramático da produção
do óleo de palma na Indonésia e na Malásia com a febre dos
biocombustíveis. Já se utiliza amplamente na indústria
alimentar e cosmética o óleo de palma, que substituiu a soja como
primeiro óleo comestível mundial. E como os preços do
petróleo e do gás subiram até aos píncaros, o
óleo de palma está a ocupar o lugar de principal cultura
energética. Com produções de 5 toneladas (ou 6 000 litros)
de óleo bruto por hectare por ano, o óleo de palma produz muito
mais do que qualquer outra cultura oleaginosa [19]; por exemplo, a soja e o
milho geram apenas 446 e 172 litros por hectare por
ano.
Prevê-se que a produção actual global de óleo de
palma de mais de 28 milhões de toneladas por ano duplique em 2020 [18].
A Malásia, o maior produtor e exportador mundial de óleo de
palma, está a tornar obrigatório que, em 2008, o diesel venha a
conter cinco por cento de óleo de palma, enquanto que a Indonésia
planeia reduzir para metade o seu consumo nacional de petróleo em 2025,
através da sua substituição por biocombustíveis. A
Malásia e a Indonésia anunciaram um compromisso conjunto de
produzirem, cada uma, 6 milhões de toneladas de óleo bruto de
palma por ano para alimentar a produção dos
biocombustíveis.
Subidas do preço dos alimentos que são desviados para os
biocombustíveis
A procura de biocombustíveis transformou as culturas alimentares
tradicionais em culturas 'bioenergéticas'. Os alimentos e a energia
entram agora em competição pela mesma 'matéria prima', o
que se traduz num aumento substancial dos preços dos alimentos, muito
acima do preço do petróleo e do gás natural que
normalmente entram na produção alimentar. Em 2006, cerca de 60
por cento do total do óleo de colza produzido na UE destinou-se ao
fabrico de biodiesel [20]. O preço do óleo de colza subiu 45 por
cento em 2005, e depois
mais 30 por cento até atingir cerca de 800 dólares por tonelada.
O gigante alimentar Unilever prevê outro aumento do preço de cerca
de 200 euros por tonelada para o próximo ano devido a uma procura
adicional de biodiesel. Calcula-se que o custo adicional total do biodiesel
para os fabricantes alimentares venha a aproximar-se dos mil euros em 2007.
Os preços dos cereais dispararam. Os preços do milho americano
aumentaram mais de 50 por cento desde Setembro de 2006, e atingiram agora o
preço mais alto em 10 anos de 4,77 dólares por
bushel
[2]
. A procura americana do bioetanol fez desviar o milho da
exportação, deixando desesperados os compradores de milho da
Ásia [21]. Os preços mundiais do trigo também atingiram o
preço
mais alto em 10 anos, de 300 dólares por tonelada, em Outubro de 2006
[22], por entre os receios de uma crise de abastecimento nos próximos 12
meses se se verificar outro ano decepcionante da produção global
[23]. Outra preocupação é que se venha a criar uma procura
crescente de biocombustíveis a partir de outras culturas, como o trigo,
o milho e a soja.
Outras preocupações ambientais
As culturas energéticas esgotam os minerais do solo e reduzem a
fertilidade do solo, especialmente a longo prazo, tornando o solo
impróprio para as culturas alimentares. Os desperdícios do
processamento de todos os biocombustíveis têm significativos
impactos negativos no ambiente, que ainda precisam de ser adequadamente
avaliados e tidos em consideração. Embora alguns biodiesels
possam ser mais limpos do que o diesel, há outros que não o
são (ver abaixo). A queima do bioetanol gera agentes mutagénicos
e carcinogénicos e aumenta os níveis de ozono na atmosfera [24]
(
Ethanol from Cellulose Biomass Not Sustainable nor Environmentally Benign
, SIS30).
Equilíbrio de energia e poupança de carbono desfavoráveis
no seu conjunto
Os biocombustíveis são classificados, quanto à energia e
ao carbono, de formas muito diversas e que não são inteiramente
transparentes. Vou usar como definição de
balanço energético
as unidades de energia de biocombustível produzidas por cada unidade de
energia consumida à partida; e como definição de
poupança de carbono,
a percentagem de emissões de gases com efeito de estufa poupadas por
se produzir e utilizar o biocombustível em vez de produzir e utilizar a
mesma quantidade de energia de combustível fóssil.
Os biocombustíveis apresentam geralmente um balanço energético
pequeno ou negativo numa análise sobre um ciclo de vida, na verdade,
quase sempre um balanço negativo se se fizerem as contas bem feitas [1], o que
significa que a energia do biocombustível é menor do que
o total da energia gasta em produzi-lo. É provável que a
poupança de carbono seja igualmente desfavorável se se
incluírem todos os custos.
Actualmente, a maior parte dos estudos energéticos que apresentam um
equilíbrio de energia positivo inclui o conteúdo da energia dos
subprodutos, tais como o resíduo de sêmea que sobra depois de ser
extraído o óleo, e que pode ser utilizado para
alimentação dos animais (embora, regra geral, nunca seja
utilizado como tal) [7], mas esquece-se de incluir os investimentos em
infra-estruturas, tais como os
custos em energia e em carbono das instalações de refinaria, e as
estradas e armazéns necessários para transporte e
distribuição e, evidentemente, os custos de
exportação para outro país. Nenhum desses estudos inclui
os impactos ambientais [6]. No único caso analisado por investigadores
no Flemish Institute for
Technological Research, patrocinado pelo Gabinete Belga de Assuntos
Científicos, Técnicos e Culturais e da Comissão Europeia,
chegou-se à conclusão que [25]
"o biodiesel provoca mais problemas de saúde e ambientais porque
cria uma poluição mais pulverizada, liberta mais poluentes que
promovem a formação de ozono, geram mais desperdício e
provocam maior eutroficação".
[3]
No Quadro 1 apresenta-se uma compilação das estimativas de
equilíbrio de energia e de poupança em carbono. Calcula-se que o
bioetanol da cana-de-açúcar no Brasil tem um equilíbrio de
energia de uns incríveis 8,3 em média, e mais de 10,2 nos
melhores casos; muito à frente de qualquer outro biodiesel,
principalmente dos que são produzidos em regiões temperadas,
cujas estimativas vão desde 2,2 até a menos de 1, um equilibro de
energia negativo. A poupança de carbono do bioetanol da
cana-de-açúcar brasileira entre 85 e 90 por cento, também
é de longe maior do que qualquer outro biocombustível, que varia
entre apenas 50 por cento a -30 por cento, i.e., a produção e
utilização do biocombustível concorre com mais 30 por
cento de emissões de gases com efeito de estufa do que a energia
equivalente em combustíveis fósseis.
Salvo duas excepções, todas as estimativas incluem a energia nos
subprodutos e excluem os custos de infra-estruturas. Nenhuma delas inclui
prejuízos ambientais ou esgotamento do solo, ou custos de
exportação para outro país. Como se pode ver, com a
possível excepção do bioetanol da
cana-de-açúcar brasileira, nenhuma das fontes
bioenergéticas tem um retorno suficientemente bom para os investimentos
em energia e emissões de carbono, mesmo com os melhores disfarces.
Quando forem feitas contas realistas, podem todas elas vir a dar um
equilíbrio de energia e uma poupança de carbono negativos.
Balanços energéticos e poupanças de carbono do biodiesel e do bioetanol
Biodiesel
|
Balanço energético
|
Poupança de CO2
|
OSR (UE) [7]
|
1.59
|
52%
|
OSR (UK) [26]
|
1.78
|
|
OSR (UE) [5]
|
1.90
|
|
OSR (Austrália) [27]
|
|
50%
|
Soja (USDoE) [28]
|
2.22
|
40%
|
Soja (EUA) [29]
|
0.53*
|
|
Bioetanol
|
Trigo & beterraba (UE) [7]
|
1.08
|
27%
|
Milho (EUA) [7]
|
1.13-1.34
|
13%
|
Milho (EUA) [29]
|
0.78*
|
|
Milho (EUA) [30]
|
1.14
|
11%
|
Milho (EUA) [7]
|
0.61
|
-30%
|
Milho (EUA) [7]
|
1.65
|
|
Milho (N França) [7]
|
1.03
|
24%
|
Milho (N França) [7]
|
0.94
|
17%
|
Beterraba (UE) [5]
|
1.18
|
|
Madeira (EUA) [7]
|
0.64
|
|
Madeira (Escandinávia) [7]
|
0.80
|
|
Cana-de-açúcar (Brasil) [31]
|
8.30 10.20
|
85 90%
|
*Inclui custos de infra-estruturas e exclui subprodutos
Há características que contribuem para o relativo êxito do
bioetanol da cana-de-açúcar. Para além da produtiva taxa
de crescimento das culturas no Brasil tropical, a produção
envolve um ciclo fechado, em que a energia para a refinaria e processo de
destilação provém da queima dos resíduos da
cana-de-açúcar; portanto não são necessários
combustíveis fósseis. A refinação e a
destilação são grandes consumidoras de energia, em
especial para o bioetanol. O grande saldo positivo de energia ficaria
substancialmente reduzido se fossem incluídos os custos de
infra-estruturas e de exportação, embora pudesse continuar a ser
positivo.
Mas mesmo com um resultado positivo em energia e carbono, há
sérias dúvidas de que o bioetanol da cana-de-açúcar
seja sustentável (Biofuels Republic Brazil, nesta série). Entre
as principais preocupações
estão os impactos ecológicos e sociais, incluindo a
segurança alimentar, que são especialmente importantes num
país em que os direitos humanos e o direito à terra
são muito problemáticos.
Há muitas contas falsas que inflacionam as poupanças de carbono.
Por exemplo, não foi tida em consideração a enorme
libertação de carbono do solo orgânico provocada pela
cultura intensiva da cana-de-açúcar que substitui florestas e
terras de pastagem [32] nem o facto de que as florestas naturais, se fossem
regeneradas, poupariam mais 7 toneladas de dióxido de carbono por
hectare por ano do que o bioetanol poupa num hectare de
cana-de-açúcar 33]. E esta não é a única
forma de falsear a contabilização.
Os falsos créditos do carbono no biodiesel de Jatrofa no sul de
África
De acordo com as regras internacionais, nenhum dos gases com efeito de estufa
ligados à produção de biocombustíveis será
atribuído ao sector dos transportes. As emissões decorrentes da
produção do biocombustível serão levadas à
conta das emissões da agricultura e indústria e/ou sector
energético. Do mesmo modo, todas as emissões provenientes do
cultivo e refinação nos países do Terceiro Mundo,
serão levadas à conta das emissões desses países,
portanto um país, como o Reino Unido, que importe o
biocombustível pode utilizá-lo para melhorar a sua quota de gases
com efeitos de estufa. Isto permite que as nações importadoras
ricas possam reduzir parte das suas emissões e reclamar os louros por
fazê-lo ao abrigo do Acordo de Quioto [33]. Foi assim que surgiram as
plantações de árvores Jatrofa
no Malawi e na Zâmbia.
A Jatrofa é uma planta resistente à seca que exige pouca ou
nenhuma utilização de pesticidas ou fertilizantes. As sementes de
Jatrofa podem ser colhidas três vezes por ano, e os subprodutos podem ser
utilizados para fabricar sabão e até medicamentos. A
refinação é feita na África do Sul. Muitos
agricultores mudaram do tabaco para a Jatrofa, o que se considera ser uma coisa
boa, visto que o tabaco é uma cultura muito agressiva para o ambiente.
Até agora, há 200 000 hectares de Jatrofa no Malawi e 15 000
hectares na Zâmbia, quase todos sob um arrendamento formal ou acordos com
a companhia D1-Oils, com sede no Reino Unido.
O sul da África é uma das regiões mais vulneráveis
do mundo à mudança climatérica. Todos os modelos
climatéricos prevêem que a região (não incluindo a
maior parte da África do Sul, o Lesoto e a Suazilândia)
virá a ser muito mais quente e mais seca, com secas mais frequentes e
mais rigorosas, intercaladas por inundações mais graves. Isto
pode provocar enormes perdas de colheitas e o colapso da produção
alimentar.
Cerca de 80 por cento da população da Zâmbia depende da
biomassa para todas ou para a maioria das suas necessidades energéticas,
e só 12 por cento têm acesso à electricidade. No Malawi, 90
por cento da produção básica de energia provêm da
biomassa, ou seja, da lenha e do carvão. A maioria dos rurais dependem
da queima da lenha, muitas vezes em fogões pouco eficientes, que
provocam grande poluição e são uma das principais causas
de doenças e mortes. As mulheres e as raparigas são as mais
afectadas.
As plantações de Jatrofa podem ter graves impactos na
protecção dos alimentos e da energia da região,
principalmente se se expandirem. Até agora, ainda não se fez
qualquer análise do ciclo de vida nem qualquer estudo de
sustentabilidade do biocombustível da Jatrofa.
Necessidade agora de uma auditoria transparente do ciclo de vida, da
avaliação do impacto ambiental e de um esquema de
certificação obrigatória.
É bastante óbvio que os biocombustíveis actualmente
têm origem em formas muito diferentes, em que a maioria não
é neutra em carbono. Há a necessidade agora de um estudo
transparente do ciclo de vida de energia e de emissões de carbono e de
outros critérios de sustentabilidade que englobem os impactos sobre a
saúde, o ambiente e o bem-estar social. Muita gente reclama um esquema
de certificação obrigatória baseado em critérios
claros de sustentabilidade que salvaguardem os ecossistemas florestais mais
sensíveis assim como a fertilidade a longo prazo das nossas terras e do
nosso solo. Estes critérios também deviam garantir a soberania
alimentar (o direito à segurança no abastecimento dos alimentos
preferidos pela
população) e os correspondentes direitos à terra e ao
trabalho para todos.
Temos muitas alternativas renováveis e sustentáveis aos actuais
biocombustíveis como se descreve no Relatório Energético
do ISIS [34]
(
Which Energy?
). Propusemos reunir estas opções numa 'Quinta de Sonho 2' [35]
sem desperdícios de alimentos nem de energia (
Dream Farm 2 - Story So Far
, SiS 31). Uma das tecnologias nucleares utilizada é a digestão
anaeróbica, que transforma os desperdícios (e poluentes
ambientais) em nutrientes de culturas e pastagens e em energia sob a forma de
biogás, composto em 60 por cento ou mais por metano, que pode ser
utilizado tanto para alimentar carros como para produzir electricidade.
Estimei que se todos os desperdícios biológicos
e do gado na Grã-Bretanha fossem tratados com digestores
anaeróbicos obter-se-ia mais de metade do combustível de
transporte do país [36]
(
How to be Fuel and Food Rich under Climate Change
, SiS 31). É verdade que os veículos precisam de um motor
diferente, mas já existem carros desses no mercado, e os carros
alimentados a biogás de metano têm descargas tão limpas que
foram eleitos como os carros ambientais do ano em 2005.
O mais significativo de tudo é que a 'Quinta de Sonho 2' funciona
totalmente sem combustíveis fósseis. Conforme diz Robert
Ulanowicz, professor de teoria da ecologia, "Aposto que as pessoas
ficarão surpreendidas com a rapidez com que podem baixar os
níveis de dióxido de carbono na atmosfera se deixássemos
de queimar combustíveis fósseis".
Notas da tradutora
(1) Ver
Aquecimento global: uma impostura científica
, de Marcel Leroux
[2} Bushel unidade de medida usada nas bolsas de futuros americanas para
grãos e frutas (35,2 litros).
(3) Eutroficação enriquecimento de um ecossistema com
nutrientes químicos, normalmente compostos contendo nitrogénio ou
fósforo.
[*]
Leitora em Biologia na Open University, B.Sc. (Primeira Classe)
1964 e doutora em filosofia 1967, Hong Kong University; mais de 30 anos em
investigação e 25 anos de ensino; cerca de 200
publicações sobre genética bioquímica,
genética molecular, evolução, desenvolvimento
biológico, e biofísica. Autora de
The Rainbow And The Worm
. Membro da Fundação Nacional de Genética (EUA). Consultora
científica da
Rede do Terceiro Mundo
e outras organizações de interesse público sobre
biotecnologia e bio-segurança.
O original encontra-se em
http://www.i-sis.org.uk/BiofuelsBiodevastationHunger.php
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|