A África ainda está a ser saqueada
As próprias elites do continente, juntamente com o Ocidente e agora a
China, continuam a tornar os africanos cada vez mais pobres graças
à extracção de matérias-primas. O reinvestimento
é desprezível e os preços, royalties e impostos pagos
são inadequados para compensar a drenagem da riqueza natural da
África. Campanhas anti-extracção por parte da sociedade
(in)civil são a única esperança para uma reversão
destas relações neocoloniais.
Embora seja fácil provar, utilizando até o principal estudo do
Banco Mundial da economia dos recursos naturais, aparentemente a
alegação de saqueio é controversa. Quando eu a fiz durante
uma entrevista à Canadian Broadcasting Corporation (CBC) na semana
passada, o economista chefe do Banco Mundial para a África, Shanta
Devarajan, imediatamente contraditou-me, afirmando (duas vezes) que não
tenho o domínio dos "factos".
Eis como foi:
Patrick Bond: A África sofre neocolonialismo e isto significa que a
tendência básica de exportar matérias-primas, produtos
agrícolas, minerais, petróleo, ficou pior. E isto realmente
deixou a África mais pobre por pessoa em grande parte do continente do
que no momento da independência. A ideia de que há crescimento
firme em África é muito enganosa e representa realmente o abuso
de conceitos económicos por parte de políticos, de economistas,
que excluem a sociedade e o ambiente. E é sobretudo um mito, porque, na
realidade, com a extracção de recursos não
renováveis eles nunca estarão disponíveis para
gerações futuras. E há muito pouco reinvestimento e muito
pouca ampliação da economia para um projecto industrial ou mesmo
uma economia de serviços.
CBC: Sr. Devarajan, como responderia a este ponto de vista?
Shanta Devarajan: Primeiro, quero corrigir um dos factos, o qual é que o
continente não está mais pobre por pessoas. O PIB per capita
não está mais baixo hoje do que estava dez a quinze anos
atrás. De facto, está consideravelmente mais alto.
Aqui, Devarajan maltrata a discussão acerca pobreza africana utilizando
a medida do Produto Interno Bruto (PIB), apesar de alguns segundos antes eu
haver advertido contra isso. As economias africanas sofrem
distorções extremas provocadas pela exportação de
minerais, petróleo e madeira de lei insubstituíveis. Se ele fosse
honesto, Devarajan confessaria que o PIB calcula tais exportações
como um processo unicamente positivo (um crédito), sem um débito
correspondente na contabilidade do capital natural de um país.
Procurando uma contabilidade da riqueza menos enviesada isto é,
levando em conta a sociedade e o ambiente de modo a calcular as
'poupanças genuínas' de um país de ano para ano
descobrimos que a África fica progressivamente mais pobre. Isto foi
demonstrado mesmo no próprio livro do Banco Mundial,
Where is the Wealth of Nations?,
publicado há quatro anos (e ainda disponível no sítio web
do banco).
Segundo os autores do livro, "Poupanças genuínas
proporcionam um indicador de sustentabilidade muito mais amplo ao avaliar
mudanças nos recursos naturais, qualidade ambiental e capital humano,
além da medida tradicional das mudanças nos activos produzidos.
Genuínas taxas de poupança negativas implicam que a riqueza total
está em declínio".
Os investigadores são cautelosos nas suas suposições, mas
uma vez que consideram a sociedade e o ambiente do mais populoso país da
África, a Nigéria, caem de um PIB per capita de US$297 em 2000
para US$210 negativo em poupanças genuínas, principalmente porque
o valor do petróleo extraído foi subtraído da sua riqueza
líquida.
Mesmo o país africano mais industrializado, a África do Sul,
sofre da maldição dos recursos: ao invés de um PIB per
capita de US$2847 em 2000, o modo mais razoável de medir riqueza resulta
em poupanças genuínas a declinarem para US$2 negativos por pessoa
naquele ano. A partir de 2001, o problema tornou-se ainda mais agudo
graças à remoção das maiores
corporações da Bolsa de Valores de Johannesburg, a qual
acrescentava não apenas a produção de riqueza mineral como
também de lucros e dividendos que em anos anteriores teriam sido retidos
na África do Sul.
(O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, aprovou estas
políticas e ele ainda está a afrouxar controles de câmbio,
permitindo portanto ainda mais saída de riqueza. Foi à altura da
incompetência das Nações Unidas, ou da ironia, que na
semana passada Zuma tenha sido nomeado como co-presidente do novo painel de
sustentabilidade global de Ban Ki-moon, "encarregado de descobrir caminhos
para retirar o povo da pobreza enquanto cuida das alterações
climáticas e de assegurar que o desenvolvimento económico
é ambientalmente amistoso". E depois de fracassar a cimeira
climática das Nações Unidas em Cancun, em Dezembro de
2010, um ano mais tarde Zuma hospedará a sequência em Johannesburg
do Protocolo de Quioto, cujos objectivos de redução de
emissões em 5% expiram em 2012. O que se pode esperar? Devendo favores
ao capital mineiro/fundidor, com o seu filho e sobrinho a procurarem o status
de magnatas da mineração, Zuma assinou o Acordo de Copenhagen em
Dezembro último. Mas isto confirmou principalmente que a sua
família vulnerável ao clima na Zululandia rural sofrerá de
modo a que accionistas da BHP Biliton e Anglo American de Melbourne e Londres
possam continuar a receber a electricidade mais barata do mundo, das centrais
termoeléctricas a carvão em rápida expansão na
África do Sul. De modo que ficam advertidos).
[NR]
Como os preços das commodities aumentaram entre 2002 e 2008, o fluxo de
saída de riqueza foi ampliado. Mas desde a data de independência
de muitos países nas últimas cinco décadas, a
história é a mesma: a África está a ser saqueada de
um modo que mesmo a equipe de ambiente do Banco Mundial reconhece, ainda que
Devarajan tenha ignorado a sua investigação. Portanto é
enganoso Devarajan contradizer minha afirmação de que os
africanos estão a ficar mais pobres.
A entrevista voltou-se então para políticas públicas
associadas ao saqueio da África.
CBC: O Banco Mundial foi muito criticado pelos seus programas de ajustamento
estrutural. E isto acontece quando o Banco Mundial oferece empréstimos
sem juros mas eles são condicionados a algumas medidas de austeridade
tão severas que algumas pessoas dizem poderem ser contraproducentes
porque mais prejudicam do que ajudam as economias em causa. E vocês
têm sido criticados, nomeadamente por economistas como Patrick Bond, e eu
gostaria de ouvi-lo mais uma vez falar-nos sobre isso.
Patrick Bond: O Banco Mundial e também o Fundo Monetário
Internacional enganaram-nos, em 2008-2009, porque pareciam afastar a sua
ideologia de uma agenda empedernida de promover mercados acima de tudo o mais.
E por um momento parecia que estavam a promover défices governamentais e
uma estratégia keynesiana: o governo deveria intervir quando o sector
privado falhasse. Mas agora parece tudo de volta aos negócios de sempre,
nomeadamente orientação para a exportação e
austeridade. E o Banco Mundial, conduzido pelo presidente Robert Zoellick que
veio da administração Bush ele trabalhou para a Enron e
para a Goldman Sachs , com esta espécie de liderança e a
orientação favorável ao Norte e a mentalidade de
banqueiro, significa que o único caminho de avanço é
afastarmo-nos destas instituições, talvez incumprir a sua
dívida, chutá-los para fora do país. E a América
Latina proporciona um bom modelo de como fazer ambas as coisas.
CBC: E de facto alguns países latino-americanos, como a Argentina,
disseram com êxito a instituições como a sua e o FMI para
caírem fora e de facto acabaram por sair-se muito bem. Então,
como é que você responde a alguém como Patrick Bond?
Shanta Devarajan: Oh, penso mais uma vez que temos de olhar os factos.
Não há dúvida de que as políticas de ajustamento
estrutural da década de 1980 e do princípio da de 1990 foram
muito criticadas. Mas então ponha a questão: 'o que mudou?' Como
estava a dizer, o crescimento acelerou-se desde a década de 1990.
Não podemos esconder este facto. E você vê o que mudou. E
é que estes países adoptaram exactamente as políticas do
Consenso de Washington em meados da década de 90, os países
africanos. A diferença é que fizeram isto a partir da sua
própria vontade, a partir do consenso político interno, ao
invés de imposições de Washington ou Paris ou Londres. E
penso que é o ponto que as pessoas não estão a reconhecer,
que as políticas reais que estão a gerar o crescimento são
realmente muito semelhantes ao que era criticado na era do ajustamento
estrutural.
Repito outra vez: o crescimento do PIB africano pode ter acelerado quando os
preços das commodites subiram, mas a África tornou-se mais pobre
uma vez que calculemos o efeito de riqueza líquida e poupanças
genuínas. Devarajan não pode esconder este facto.
Disfarçar isto dizendo que o ajustamento estrutural não funcionou
antes de meados dos anos 90 porque foi 'imposto' pelos colegas de Devarajan,
mas funcionou depois disso porque foi adoptado através de um 'consenso
político interno', é a mais bizarra afirmação que
já ouvi acerca da macroeconomia africana. Nunca houve um consenso
político para ajustar estruturalmente a África, além do
problema permanente de elites não patrióticas que estão
mais estreitamente aliadas a Washington, Paris, Londres, Bruxelas e Pequim do
que aos seus povos um problema para o qual Frantz Fanon chamou a nossa
atenção com eloquência no seu livro
Os condenados da terra,
(
Les damnés de la terre
)
de 1961.
O relatório de 2006 do Banco Mundial menciona uma conclusão
política óbvia, aprendida de um país com recursos
petrolíferos que não se tornou vítima da
maldição dos recursos: "A Noruega utilizou os fluxos de
receitas de energia e emissões de gases com efeito de estufa para uma
política que muitos países estão a considerar: mudar a
estrutura fiscal para aumentar impostos sobre emissões e
utilização de recursos".
Mas a liberalização imposta empréstimos do Banco Mundial
faz precisamente o oposto. Isto é a espécie de esquizofrenia que
temos de esperar de investigadores do Banco que chegam a conclusões de
senso comum, tais como a de que a extracção de recursos da
África deixa o continente mais pobre. Mas não é de
surpreender que Devarajan e o pessoal operacional do Banco Mundial fujam quando
se conta, em entrevista com jornalistas crédulos como Mike Finnerty da
CBC (que falhou diante das mentiras grosseiras de Devarajan) e quando
impõem políticas neoliberais às desgraçadas elites
africanas.
Neste contexto, os únicos sinais encorajadores são a
miríade de desafios a indústrias extractivas por parte de
activistas que muitas vezes colocam seus corpos em riscos em sítios de
constante violência estatal e corporativo como o Leste da
República Democrática do Congo onde observadores de direitos
humanos lutam para documentar uma história de assassínio em massa
que se eleva talvez a 5 milhões relacionada com a
extracção de recursos em empresas como as minas de
diamante de Marange do Zimbabwe, os campos de platina do Limpopo e da
província Noroeste da África do Sul e as praias ricas em
titânio de Xolobeni do Cabo Leste, os riachos encharcados em
petróleo do Delta do Niger e os campos de petróleo do Chad, as
plantações liberianas da Firestone, as barragens do Lesotho que
abastecem os consumidores de água de Johannesburg e outras zonas
deslocamento por barragens incluindo Gibe na Etiópia, Mphanda Nkuwa em
Moçambique e Bujagali no Uganda, para mencionar apenas umas poucas.
Como se pode esperar que os responsáveis do Banco Mundial continuem a
ignorar a sua própria investigação e portanto continuar a
promover exportações de recursos não renováveis;
como este sistema adequa-se às corporações multinacionais
e agências doadoras e como as elites africanas continuarão a
seguir este conselho (muitas vezes com incentivos de suborno como foi o caso do
Congresso Nacional Africano da controvérsia da central eléctrica
de Medupi, financiada pelo maior empréstimo de projecto do Banco,
US$3,75 mil milhões, em Abril de 2010), a África
continuará a ficar progressivamente mais pobre.
As redes da sociedade civil africana que promovem o "publique o que
você paga" e outros artifícios para a transparência,
participação e direitos humanos deveriam finalmente chegar
à percepção de que este sistema de saqueio não
está em vias de ser reformado sob o equilíbrio de poder em vigor
e que é necessária resistência à
extracção muito mais vigorosa e está a caminho.
17/Agosto/2010
[NR] O autor comete dois erros neste parágrafo. O primeiro é a
crença ingénua na
impostura do aquecimento global
. O segundo,
consequência do primeiro, é a sua condenação de
novas centrais termoeléctricas a carvão na África do Sul.
Este último erro mostra as consequências práticas da
teoria mistificatória do aquecimentismo global
. O carvão, na verdade,
é o combustível ideal para centrais termoeléctricas pois
é o que existe em maior abundância no planeta. Neste momento em
que o mundo atinge o Pico Petrolífero, o carvão constitui a
melhor alternativa possível para a produção
termoeléctrica. É absurdo portanto consumir refinados de
petróleo para essa finalidade. Igualmente absurdo é
desperdiçar gás natural um combustível demasiado
bom e demasiado precioso só para produzir electricidade.
[*]
Director do Centre for Civil Society da Universidade de KwaZulu-Natal
http://www.ukzn.ac.za/ccs
. A partir de Setembro estará em licença
sabática na Universidade da Califórnia/Berkeley, Departamento de
Geografia. Email:
pbond@mail.ngo.za
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/bond08172010.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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