"O problema do poder na Venezuela não está resolvido"
por Carlos Aquino
[*]
entrevistado por Bonjour Karl
Para começar esta entrevista gostaríamos de conhecer, devido
à preocupação que merece, em que consiste o processo de
proibição que pende sobre o Partido Comunista da Venezuela (PCV)?
Em primeiro lugar, queremos saudar a iniciativa representada por Bonjour Karl
no âmbito da tão necessária contra-ofensiva
político-ideológica que devemos impulsionar a partir das
consequentes posições classistas revolucionárias, com as
vigentes bandeiras do marxismo-leninismo e pelo triunfo da
revolução proletária e popular. Além disso,
agradecer-lhes a manifesta solidariedade para com o PCV, entendendo-a como
expressão do internacionalismo proletário que é uma
das armas fundamentais com as quais contamos para derrotar a burguesia e o
capital transnacional.
Em segundo lugar, efetivamente, hoje o PCV está em perigo real de ser
proibido pela quarta vez em seus 86 anos de luta. É de recordar que em
um terço de nossa vida estivemos ilegais por disposições
político-jurídicas do Estado burguês: de 1931 a 1945, pela
Constituição da tirania gomecista; de 1950 a 1958, por decreto da
ditadura militar perezjimenista; e, de 1962 a 1969, por decreto do regime
policial betancourista.
Durante este último período assinalado no qual lideramos
uma luta armada contra o regime pró-imperialista e antipopular que
imperava na Venezuela , se produziu a grande maioria dos mais de dez mil
crimes de Estado registrados de 1958 a 1998 contra os comunistas e o movimento
popular, mediante desaparecimentos forçados, torturas e assassinatos
massivos e seletivos.
Neste contexto se promulgou, em 1965, a Lei de partidos políticos,
reuniões públicas e manifestações, como mecanismo
restritivo de controle dos partidos de esquerda e movimentos
revolucionários.
Após a aprovação da Constituição de 1999, o
ordenamento jurídico manteria sua vigência em tudo o que
não contradissesse a Carta Magna segundo a
Disposição revogatória e o parlamento nacional
segundo a Disposição transitória Sexta. Teria dois
anos para adaptar a legislação preexistente aos novos
princípios e postulados da Constituição, especialmente no
relacionado à promoção da participação,
protagonismo e controle popular na gestão pública. Porém,
a lei de partidos políticos de 1965, sendo anti e
pré-constitucional, segue vigente nos dias de hoje.
Com base no artigo 25 desta lei, que estabelece a
"renovação" periódica da listagem de inscritos
nos partidos políticos para que estes mantenham seu status legal, o
Conselho Nacional Eleitoral (CNE) emite em cada oportunidade as
"normas" que regerão o processo de dita
"renovação". No entanto, nas "normas" que
emitiu no ano passado, o CNE impôs novos parâmetros que limitam
abusivamente os critérios aplicados até então, as
correspondentes sentenças do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e
inclusive a própria lei.
Histórica e legalmente, a relação do CNE é com os
partidos políticos e era cada um destes que inscreviam e registravam sua
respectiva militância, tendo seis meses para o processo de
"renovação". Porém, pelas novas
"normas", se desnaturaliza esta relação e se reduzem
sensivelmente os tempos do processo, já que os militantes têm
apenas dois dias para se registrarem e devem fazê-lo diretamente ante o
CNE, sem que os partidos certifiquem a veracidade de dita militância, um
fato que atenta contra os princípios orgânicos e de funcionamento
estatutário especialmente no caso do PCV que, sendo um partido de
quadros, seleciona aqueles que ganham a condição de militante
comunista , além de que se centenas ou milhares de pessoas se
inscrevem no CNE como militantes do PCV, sem sê-lo realmente, de maneira
automática e constitucional poderão reclamar o direito de
participar em nossos processos internos de eleição dos organismos
de direção do partidos e de seleção de candidaturas.
Como se não bastasse, outro novo parâmetro é que o CNE,
através do seu portal na web, permitirá que qualquer um acesse os
dados de cada pessoa que se tenha registrado e revisar em qual partido se
inscreveu, o que violenta o direito de resguardar sua opção
política e enfraquece o princípio do segredo do voto; além
disso, poria em risco a estabilidade trabalhista e a segurança pessoal
tanto da militância comunista como a de militantes revolucionários
de outros partidos, já que a direita neofascista e a patronal
pública ou provada no Estado burguês que continua existindo
e no aprofundamento da luta de classes poderão constituir listas
para, hoje ou amanhã como já fizeram no passado, arremeter contra
as e os revolucionários.
Por isso, o PCV, desde que se emitiram estas "normas", em 4 de
março de 2016, expressou e reiterou, de maneira pública e
privada, que não se submeterá a ditos parâmetros, porque
não só excedem o marco legal, como são inaceitáveis
para a dignidade e segurança de uma organização
revolucionária como é o caso do PCV. O PCV tomou esta
decisão tendo clara consciência de que levaria à sua
proibição, porém sabendo que a responsabilidade
recairá política e historicamente sob os Poderes Públicos
do Estado.
Você acredita que isto é devido precisamente ao que ocorre
atualmente e não anteriormente? Talvez estejamos ante um processo de
aprofundamento da luta de classes no interior do processo revolucionário
venezuelano, e a burguesia
criolla
vê com preocupação um PCV que vai tomando cada vez mais
presença e força entre a classe trabalhadora, e através de
sua influência política no PSUV tentam desativar o PCV com o
objetivo de deixar a classe operária venezuelana sem sua principal
ferramenta de combate para o Socialismo?
É totalmente legítimo perguntar-se por que justamente agora se
exercem estas ações que golpeiam e colocam em risco a
permanência legal de organizações revolucionárias,
com medidas jurídicas e normativas que aumentam as naturais
diferenças existentes entre os partidos que impulsionam o processo
bolivariano iniciado em 1999. Em todo o mundo, inclusive os que defendem a
sacrossanta "separação de poderes" das democracias
burguesas, sabem que por trás das decisões das
instituições de cada Estado existem interesses
político-econômicos de diferentes frações da
burguesia que pressionam para inclinar a balança de poder em um
sentido ou em outro.
É preciso ter claro que o problema do poder não se resolveu na
Venezuela; a classe operária não tomou o poder em nosso
país, assim a estrutura do sistema burguês não foi
modificada uma estrutura que em nosso caso se agrava por ser um modelo
de capitalismo rentista e dependente, improdutivo, monoprodutor e
multi-importador, e em consequência um Estado altamente ineficiente,
corrompido e burocratizado. O caráter do Estado é determinado
pela classe que exerce a hegemonia, não a pessoa que conjunturalmente
detenha a presidência da República, por muito boa ou
revolucionária que seja esta pessoa.
O que comumente se denomina "revolução bolivariana"
com a vitória de Hugo Chávez
nas eleições presidenciais de 1998 , implementou
políticas anti-neoliberais, porém não tinha um programa
anti-capitalista, pelo qual estamentos da pequena burguesia vinculados ao novo
governo progressivamente foram transferindo o controle da renda petroleira para
os setores tradicionais da burguesia venezuelana. E, a partir de 2005, o
projeto de "socialismo do século XXI", em sua ânsia de
distanciar-se das experiências marxista-leninistas na URSS e demais
países do campo socialista, se aproximou mais do "socialismo"
social-democrata muito do gosto dos reformistas Partidos Socialistas da Europa
e América Latina e ao denominado "Estado de bem-estar" europeu.
O desaparecimento físico de Chávez, em 2013, sendo em quem se
concentrava a principal referência de unidade das muito
heterogêneas forças e setores que agiam dentro do processo
bolivariano, e o simultâneo agravamento da crise do modelo de
acumulação capitalista em nosso país que estava sendo
gestado desde 2008, provocaram um aprofundamento da luta de classes, no qual
setores da direita oposicionista conseguiram avançar política e
socialmente, forças dentro do Governo Nacional estiveram se reacomodando
e reposicionando, com crescente influência de um setor que propõe
a conciliação de classes e está disposto a entregar as
conquistas populares. As organizações genuinamente
revolucionárias, comprometidas com o aprofundamento do processo e a
acumulação de forças na perspectiva socialista, combatem a
direita e limitam o entreguismo.
Por isso, tanto os setores tradicionais da burguesia venezuelana como as novas
frações da burguesia surgidas ao amparo da
"revolução bolivariana" cada uma com suas
respectivas expressões políticas em partidos da MUD e em
correntes internas do PSUV, respectivamente , contam entre seus inimigos
o PCV e, sabendo que não podem nos submeter nem nos comprar, precisam
nos enfraquecer ao máximo possível, tentando que a classe
operária e o povo trabalhador não continuem cobrando força
aos nossos planeamentos estratégicos de ruptura real com o sistema
capitalista e de luta por uma verdadeira revolução social.
Que passos o PCV está dando para enfrentar este ataque, até onde
está disposto a chegar?
Temos claro que esta é uma batalha política e politicamente a
estamos enfrentando. Em primeiro lugar, reivindicando o direito legítimo
do PCV de continuar liderando suas lutas com pleno respeito a seus direitos e
garantias constitucionais, nem mais nem menos que a qualquer outro partido.
Também explicando o fundo das posições que assumimos, com
base no perigo permanente que se encerra sobre o PCV por ser uma
organização que nasceu para derrubar o sistema imperante e
construir a nova sociedade, uma tarefa que continua pendente e para a qual
estamos acumulando forças. Além disso, desnudando os discursos
fraudulentos pseudo-revolucionários que pretendem confundir e paralisar
a classe operária para que não cumpra seu papel histórico
na vanguarda de todo o povo na libertação nacional e social.
Adicionalmente, durante o ano passado ocorreram várias reuniões
bilaterais com altos funcionários do Governo e reuniões amplas
entre representantes dos partidos que impulsionam o processo bolivariano,
incluídos dirigentes do PSUV; em todas elas expressamos nossas
críticas às "normas" do CNE para a
"renovação" e que era importante que o partido do
Governo assumisse esta proposta compartilhada pelos partidos que denomina
"aliados". No entanto, este ano, enquanto alguns dirigentes nacionais
do PSUV em reuniões bilaterais nos expressaram
"compreensão" sobre o tema, outros dirigentes declararam
publicamente que o processo do CNE está preso ao direito e que deve
executar-se tal como está estabelecido, mas não se definiu
claramente qual é a posição oficial de sua
direção nacional.
Da parte do PCV expressamos que, nesta ocasião, não só
temos ao nosso lado os princípios da justiça, mas que esta
batalha e nossos projetos também têm sustentação
legal, pelo qual recorremos ante o CNE, em 10 de junho de 2016, com uma
comunicação na qual detalhamos nossas observações e
propostas às "normas" sobre a
"renovação" apresentada. Porém, até o dia
de hoje não recebemos resposta, o que além de violar as
disposições constitucionais e legais que obrigam as
instituições do Estado a responder oportunamente demonstra
que o Poder Eleitoral não teve a vontade política para evitar a
pioria desta situação.
Ante a falta de resposta do órgão eleitoral e o anúncio de
que o processo de "renovação" seria levado a cabo sem
modificar os novos parâmetros impostos na "norma" do CNE, em 16
de fevereiro passado, o PCV introduziu na Sala Constitucional do TSJ um recurso
de nulidade por inconstitucionalidade do artigo 25 da lei de partidos
políticos, com solicitação de medidas cautelares para que
se suspenda preventivamente o processo de "renovação".
No entanto, o dito processo iniciou em 4 de março sem que o TSJ se
pronunciasse sobre as medidas cautelares e até hoje não resolveu
sobre o fundo do recurso.
Segundo o cronograma para a "renovação", corresponde ao
PCV as datas de 6 e 7 de maio próximo. O Comitê Central de nosso
partido disse claramente que o PCV não participará desse processo
pelas razões já assinaladas, entendendo-se que não
reconhecerá como militante do PCV nenhuma pessoa que se registre nesses
dias. O CNE expressou que o partido que não se "renovar" nesse
processo será "cancelado" que é o termo
empregado pela lei , ou seja, perderá seu status legal e sua
pessoa jurídica, com todas as implicações que isto
acarreta. Entre os dias 27 de junho e 8 de julho, o CNE dará conhecer
seu relatório final sobre este processo.
Pela dignidade e segurança do PCV e da militância
revolucionária, com a tranquilidade de saber que estamos levantando
princípios justos e que a legitimidade nos é dada por nossa
história, nossa luta e pelo povo trabalhador, estamos dispostos a
assumir esta nova proibição.
O PCV já recebeu um ataque importante há dois anos quando se
propôs sua dissolução dentro das fileiras do PSUV. Ataque
ante o qual soube estar à altura histórica, evitando o
desaparecimento do Partido. Existem inimigos do PCV no Governo Bolivariano ou
com influência muito direta no mesmo?
Sim, dentro do Governo Nacional existem correntes de direita e reformistas
social-democratas e social-cristãs com muito poder e
influência, que naturalmente têm como seus inimigos o PCV e as
forças genuinamente revolucionárias, porque representam valores,
princípios e propostas que são antagônicas com seus
interesses de classe e suas concepções
político-ideológicas. Isto não quer dizer que combater o
PCV seja uma política "oficial" do Governo, mas que corrobora
a realidade de que a luta de classes também tem sua expressão no
interior das forças do processo bolivariano, cujo desenlace e a
correspondente orientação que finalmente tome dependerá de
que forças consigam impor-se.
Em diversas ocasiões, de diferentes maneiras, o PCV teve que liderar
duras batalhas frente às tentativas de extinção. As
experiências acumuladas ao longo de 170 anos do movimento comunista
internacional, as consequências vividas pela dissolução de
Partidos Comunistas em estruturas "amplas", nossa própria
história e a clareza de que a classe operária requer ter seu
instrumento orgânico próprio com fisionomia diferenciada e
um programa nítido e inconfundivelmente marxista-leninista para
liderar vitoriosamente a luta de classes, nos persuadiram de que a
existência do Partido Comunista é uma necessidade
histórica, que só será superada na mesma medida em que se
forem alcançando os objetivos pelos quais existe, e não antes.
Assim, a proposta da dissolução do Partido revolucionário
da classe trabalhadora, querendo ou não, contribui e fortalece as
posições contrar-revolucionárias e enfraquece as lutas
pelos interesses do proletariado e o povo trabalhador.
Em dezembro de 2006, Hugo Chávez, menos de duas semanas após a
reeleição presidencial na qual ficou evidente estar no mais alto
grau de sua popularidade e de sua influência de massas, propôs a
constituição do "partido único" que deveria ser
integrado por todos os partidos do processo bolivariano. O PCV iniciou um
encarniçado debate interno que culminou com a realização
de nosso XIII Congresso (Extraordinário), em 3 e 4 de março de
2007, no qual não só resolvemos não nos dissolvermos em
uma organização poli-classista, sem ideologia nem formas de
organização definidas e sem um claro programa
socialista-científico, como, também, estabelecemos as
características que deve ter o partido da revolução
venezuelana e, autocriticamente, reconhecemos que nós não
cumpríamos com essas características, porém que, pela
ideologia de vanguarda que sustentamos e as normas leninistas de
organização que temos, éramos o partido que mais se
aproximava de ditas características.
Na época, nossa decisão não foi suficientemente entendida
por muitos setores amigos na Venezuela e do mundo, inclusive sofremos a
separação tanto de camaradas honestos e valiosos como de
indivíduos que se dobraram ante uma política divisionista e
fracionária para fazer implodir o PCV. Com coragem e firmeza
sobrevivemos a esses ataques injustos e a essa política equivocada, e
hoje é cada vez mais difícil encontrar alguém que
não reconheça que nossa posição foi a correta.
Por meio da
Tribuna Popular
vemos que estão ocorrendo avanços em matéria sindical
através da Corrente Classista "Cruz Villegas". O que é
esta corrente e qual é a situação do movimento
operário e sindical na Venezuela agora mesmo?
No PCV sabemos que a revolução não será feita pelo
partido sozinho, mas que é preciso de um amplo, consciente, organizado e
unitário movimento de massas, que identifique seu lugar dentro das
relações de produção no sistema capitalista, seus
interesses na superação revolucionária deste sistema e o
que deve ser seu papel protagonista na tomada do poder e na
construção da nova sociedade.
Este movimento de massas deve ter uma clara orientação de classe,
para não se perder no labirinto diversionista que propõem a
pequena burguesia e as camadas médias, ou nas "novas"
tentativas de descaracterizar o sujeito histórico da
revolução transferido este papel "às
multidões" ou "às comunidades".
Por isso, um eixo central da ação ideopolítica e
organizativa do PCV está dirigida privilegiadamente para a classe
operária e, com maior amplitude, para as e os trabalhadores da cidade e
do campo. Este trabalho levaremos a cabo de maneira dirigida através dos
organismos de base do partido, as Células; porém, também
mediante frentes de massa, como a Corrente Classista "Cruz Villegas",
onde trabalhadores e trabalhadoras que vão adquirindo consciência
de classe militante ou não de algum outro partido , se
agrupam e ativam com militantes comunista por empresa ou ramo de
produção de bens e serviços, com o objetivo de fortalecer
o movimento operário e sindical classista revolucionário,
promover a democracia sindical e lutar por um novo modelo de gestão dos
processos produtivos, baseado no controle operário-popular.
Nos últimos três anos se avançou muito nestas áreas,
especialmente a partir da constituição da Frente Nacional da Luta
da Classe Trabalhadora (FNLCT), onde além da Corrente "Cruz
Villegas" estão dezenas de sindicatos, delegados de
prevenção e movimentos classistas de trabalhadores, de empresas
públicas e privadas, ganhando consciência na missão de que
se assumam como "classe para si".
Hoje são particularmente importantes estas bandeiras e estas
iniciativas, por quanto o sindicalismo classista está sofrendo um
sensível aumento nas arremetidas por parte do patronato, tanto o estatal
como o privado, com cumplicidade da institucionalidade dependente do
Ministério do Trabalho, fazendo-se prevalecer os interesses do capital
com políticas anti-trabalhistas e anti-sindicais em detrimento do povo
trabalhador. Esta política se expressa em demissões massivas, que
violam a estabilidade sindical e os fóruns sindicais e licença
maternidade; obstáculos burocráticos à
constituição de sindicatos classistas e ao processamento de
greves; negação de Inspetorias e Tribunais do Trabalho a receber
ou tramitar denúncias de trabalhadores; incumprimento de
providências administrativas de readmissão; e uso de forças
policiais para amedrontar e hostilizar dirigentes classistas. Além
disso, se está consolidando uma perigosa tendência à
desvalorização da força de trabalho, através de uma
crescente bonificação do rendimento das e dos trabalhadores
já que hoje apenas 27,34% do rendimento mínimo tem
incidência nos feriados, utilitários, benefícios sociais,
caixa de reserva, fundo habitacional e de aposentadoria , o que prejudica
o patrimônio familiar futuro do trabalhador, aumenta as margens de lucro
do capital e barateia as demissões.
Em fevereiro, altos funcionários responsáveis do PCV diziam que
"não existe uma verdadeira democracia com a burguesia no
poder". Você pode ampliar este argumento dadas as atuais
condições do seu país? E em relação a outros
processos que estão ocorrendo na América Latina?
Como explicamos anteriormente, na Venezuela temos um Estado burguês e,
por isso, um sistema capitalista. Ou seja, que a classe que exerce a hegemonia
em nosso país é a burguesia. Como marxista-leninistas, entendemos
que até a mais "democrática" das democracias
significará sempre a ditadura da burguesia, pelo que jamais
poderá existir verdadeira democracia entendida como poder do povo
enquanto seja a classe dos privilegiados e dos exploradores a que
ostente o poder.
Os Estados, como formação político-jurídica surgida
no desenvolvimento das sociedades divididas em classes, constituem o complexo
de mecanismos para a dominação da classe hegemônica por
sobre as demais classes e camadas sociais e sobre o conjunto da sociedade.
Desde o surgimento dos Estados capitalistas, a luta da classe operária e
dos povos lhes arrancou múltiplas reivindicações e
direitos, porém quando se trata de seus principais privilégios de
classe a propriedade privada e "a exploração do homem
pelo homem" os defende a sangue e fogo.
Isto é uma verdade em nosso país e em todo o mundo. E esta
realidade não apenas não foi modificada pelos processos
reformistas-progressistas dos últimos quinze anos na América
Latina, mas seu devir a corroborou. Vários destes "processos"
e autodenominaram "revolução", como no caso da
Venezuela, implantando importantes reformas, programas e políticas
sociais em benefício das grandes maiorias historicamente
excluídas, porém, vão chegando ao seu teto, ao limite que
lhes permite o próprio sistema, na medida em que não se
propuseram nem amadureceram para o objetivo de mudar revolucionariamente as
relações de produção capitalistas,
desperdiçando um tremendo acúmulo de ânsia popular que
já está se convertendo em decepção,
frustração e desmotivação, além de
nesses casos como o venezuelano promover um grande desprestígio
dos termos como "revolução" e "socialismo",
quando o que está em crise é o modelo de acumulação
capitalista rentista e dependente.
Da parte do PCV, defendemos a necessidade que uma grande ofensiva genuinamente
revolucionária, que esclareça as contribuições, o
alcance e os limites destes processos e seus dirigentes, para superar a atual
desmoralização de nossos povos e abraçar a propostas da
verdade revolucionária proletária e popular, que extirpe pela
raiz a causa profunda de todos os males que sofremos: o sistema capitalista,
seus valores e instituições.
Existe risco de retrocesso dos avanços sociais que se produziram nos
anos de governo do PSUV? Quais seriam as causas no caso afirmativo?
Não só existe risco real de retrocesso, como durante os
últimos anos aumentou um conjunto de políticas que estão
revertendo conquistas populares alcançadas por nosso povo historicamente
e ao longo do processo bolivariano.
Já mencionamos aspectos que têm relação com
políticas trabalhistas que estão afetando o povo trabalhador, que
violam a legislação vigente e que golpeiam direitos conquistados
há mais de sete décadas e avanços gerados ao longo deste
século. Algumas destas políticas estão impactando
também negativamente, por exemplo, na rede pública de
distribuição de alimentos, leia-se Abastos Bicentenario, Mercal
ou Pdval, já que, junto com as demissões massivas, muitos destes
estabelecimentos estão fechando, o que beneficia os monopólios
privados de supermercados e hipermercados e as redes de corrupção
que desviam e contrabandeiam produtos de primeira necessidade. Esta
situação foi reiteradamente advertida por nós e o FNLCT a
diferentes instâncias do Governo, sem que se tenha produzido respostas
efetivas ou satisfatória.
Além disso, longe de considerar propostas feitas pelo PCV e outros
setores, referentes à proteção e otimização
das muito reduzidas divisas que entram no país em resultado da
exportação petroleira e que servem para importar a grande
maioria do que consumimos e a quase totalidade de matérias-primas,
insumos, máquinas e produtos elaborados , o Executivo Nacional
continua entregando ao capital privado uma alta percentagem destas divisas,
embora tenha sido corroborado que uma parte importante termina evadindo-se do
país. Isto está incidindo na diminuição da
capacidade de abastecimento de alimentos, produtos de higiene e remédios
por parte de nosso povo, no enfraquecimento de estruturas de assistência
primária pública de saúde como Barrio Adentro e nas
dificuldades para reativar o pouco de aparelho produtivo que temos.
Outro caso chamativo é o referente à reprivatização
de serviços da estatal Petróleos de Venezuela (Pdvsa), cujo
presidente ratificado em finais de janeiro deste ano expressou
publicamente a necessidade de retornar ao capital privado áreas de
atividade que foram nacionalizadas pelo presidente Chávez há oito
anos para combater a terceirização, e desde o ano passado
começou a materializar esta política na zona do Lago de Maracaibo
e na Faixa do Orinoco.
A causa de tudo isto radica, fundamentalmente, na ausência de uma
direção política revolucionária, que impulsione um
programa coerente, científico e sustentado na realidade, que planifique
e promova o desenvolvimento das forças produtivas através do
fortalecimento manufatureiro e agroindustrial em grande escala, com uma
política econômica que tenha como objetivo a soberania produtiva.
A ausência desta direção e deste programa somado ao
fato de que a classe operária e as forças revolucionárias
não terem podido acumular força suficiente para inclinar a
balança em um sentido genuinamente socialista , facilitaram o
posicionamento preeminente de uma corrente reformista de direita no interior
das instituições civis e militares, que passaram a engrossar a
burguesia criolla e que está disposta a entregar conquistas populares e
conciliar com a direita na oposição para preservar os
privilégios aos quais já se acostumou.
Muito obrigada por suas respostas, que sem dúvida contribuem para que
nossos leitores e leitoras tenham mais elementos de análise da realidade
venezuelana em particular e da América Latina em geral.
Estamos muito agradecidos ao Bonjour Karl por esta oportunidade e pelas
reiteradas expressões de solidariedade que nos manifestou.
Desejamos-lhes os maiores êxitos na importante tarefa que estão
levando a cabo e confiamos em que possam ultrapassar os obstáculos que o
sistema imperialista impõe através de suas múltiplas
ferramentas de transculturação e de desinformação.
A vocês, ao proletariado internacional e a todas e todos aqueles no mundo
sentem sua a luta que modestamente lideramos pelo PCV neste canto do planeta,
vai nossa saudação e o compromisso de que, em qualquer
circunstância, em legalidade ou ilegalidade, poderão contar
conosco e com que não pararemos neste combate por nosso povo e a
humanidade toda.
[*]
Membro da Comissão Política do Comitê Central do Partido
Comunista da Venezuela (PCV) e diretor da
Tribuna Popular,
órgão de imprensa do Comitê Central do PCV.
O original encontra-se em
www.bonjourkarl.com/...
e a tradução do PCB em
pcb.org.br/portal2/13990
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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