Princípios elementares da propaganda de guerra
- A ler tendo em mente a campanha de calúnias que o imperialismo
desenvolve contra o governo sírio
por Michel Collon
Os dez "mandamentos" constituem sobretudo uma grelha de
análise que se pretende pedagógica e crítica. O seu
objectivo não é tomar partido, ou defender "ditadores",
mas sim constatar a regularidade destes princípios no campo
mediático e social. Entre os acusados encontram-se tanto os vencidos
como os vencedores.
Princípios elementares de propaganda de guerra (utilizáveis em
caso de guerra fria, quente ou morna) é um livro de Anne Morelli
publicado em 2001 e reeditado em 2010, para acrescentar à primeira
edição as guerras do Iraque e do Afeganistão, assim como
uma análise do discurso de Obama como "Prémio Nobel da
Paz".
"Eu não tentaria sondar a pureza das intenções de uns
ou outros. Não procuro saber aqui quem mente e quem diz a verdade, quem
está de boa fé e quem não está. Meu único
propósito é ilustrar os princípios de propaganda,
utilizados unanimemente, e descrever os mecanismos".
[1]
Entretanto, é inegável que desde as últimas guerra que
marcaram nossa época (Kosovo, guerras do Golfo, Afeganistão,
Iraque) as chamadas democracias ocidentais e os media são postos em
causa.
Anne Morelli reactualiza, graças a este pequeno manual do cidadão
crítico, formas invariáveis para conteúdos diversos. A
propaganda é exercida sempre através das mesmas invariantes
qualquer que seja a guerra, daí a grande pertinência da grelha
proposta. Parece igualmente essencial nesta introdução citar
Lord Ponsonby
, a quem Anne Morelli agradece desde as primeiras páginas da sua
obra. Com efeito, Ponsonby contribuiu amplamente para a
elaboração dos princípios. Lord Ponsonby era um
trabalhista inglês que se opôs radicalmente à guerra.
Já durante a Primeira Guerra Mundial notabilizou-se por diversos
panfletos e acabou por escrever um livro sobre estes mecanismos de propaganda.
Livro esse que Anne Morelli retoma, reactualiza e sistematiza em dez
princípios elementares.
1) Nós não queremos a guerra
"Arthur Ponsonby já havia notado que os homens de Estado de todos
os países, antes de declararem a guerra ou no momento mesmo desta
declaração, sempre asseguravam solenemente como preliminar que
não queriam a guerra".
[2]
A guerra nunca é desejada, apenas raramente é vista como positiva
pela população. Como o advento das nossas democracias, o
consentimento da população torna-se essencial, não
é possível querer a guerra e ter uma alma de pacifista. Ao
contrário da Idade Média, onde a opinião da
população tinha pouca importância e a questão social
não era significativa.
"Assim, o governo francês já mobiliza tudo proclamando que a
mobilização não é a guerra mas, ao
contrário, o melhor meio de assegurar a paz".
[3]
"Se todos os chefes de Estado e de governo são animados de
semelhantes vontades de paz, pode-se evidentemente perguntar-se inocentemente
porque por vezes (e mesmo frequentemente), estouram guerra mesmo assim?
[4]
Mas o segundo princípio responde a esta pergunta.
2) O campo adversário é o único responsável pela
guerra
Este segundo princípio decorre do facto de que cada campo assegura ter
sido constrangido a declarar a guerra para impedir o outro de destruir os
nossos valores, por em perigo nossas liberdades, ou mesmo destruir-nos
totalmente. Trata-se portanto da aporia de uma guerra para por fim às
guerras.
[5]
Chega-se quase à frase mítica de George Orwell: "War is
Peace".
Assim, os Estados Unidos foram "constrangidos" a fazer a guerra
contra o Iraque que não lhes deixou outra opção. Portanto
não fazemos senão "reagir", defender-nos das
provocações do inimigo que é inteiramente
responsável pela guerra que vem aí.
"Assim, já Daladier, no seu "apelo à
nação" contornando as responsabilidades francesas na
situação criada pelo Tratado de Versalhes assegura em 3 de
Setembro de 1939: a Alemanha já havia recusado a todos os homens
sensíveis cuja voz se havia elevado nestes últimos tempos em
favor da paz do mundo. [...] Nós fazemos a guerra porque ela nos foi
imposta".
[6]
Ribbentrop justifica a guerra contra a Polónia nestes termos:
"O Führer não quer a guerra. Ele não se
resolverá por ela senão a contragosto. Mas não é
dele que depende a decisão em favor da guerra ou da paz. Ela depende da
Polónia. Acerca de certas questões de um interesse vital para o
Reich, a Polónia deve ceder e actuar correctamente em
relação a reivindicações às quais não
podemos renunciar. Se ela se recusar, é sobre ela que recairá a
responsabilidade de um conflito, e não sobre a Alemanha".
[7]
Pode-se igualmente ler, aquando da Guerra do Golfo, em
Le Soir
de 9 de Janeiro de 1991:
"A paz, que todo o mundo deseja acima de tudo, não pode ser
construída sobre simples concessão a um acto de pirataria. (...)
Estando o fardo essencialmente, é preciso dizer, no campo do
Iraque".
[8]
Idem para a guerra no Iraque, mesmo antes de a guerra começar,
Le Parisien
titulava em 12 de Setembro de 2002: "Como Saddam se prepara para a
guerra".
3) O chefe do campo adversário tem a cara do diabo (ou "o odioso de
serviço")
"Não se pode odiar um grupo humano no seu conjunto, mesm
apresentado como inimigo. Portanto é mais eficaz concentrar este
ódio do inimigo sobre o líder adversário. O inimigo
terá assim um rosto e este rosto será obviamente odioso".
[9]
"O vencedor apresentar-se-á sempre (ver Bush e Blair recentemente)
como um pacifista desejoso de conciliação mas levado à
guerra pelo campo adversário. Este campo adversário é
certamente dirigido por um louco, um monstro (Milosevic, Ben Laden, Saddam
Hussein, ...) que nos desafia e de que convém livrar a humanidade".
[10]
A primeira operação de uma campanha de demonização
consiste pois em reduzir um país a um único homem. Em fazer
portanto como se ninguém vivesse no Iraque, que unicamente Saddam
Hussein, sua "temível" guarda republicana e suas
"terríveis" armas de destruição maciça
vivessem ali.
[11]
Personalizar o conflito é muito típico de uma certa
concepção da história, que seria feita por
"heróis", a obra das grandes personagens.
[12]
Concepção da história que Anne Morelli recusa ao escrever
incansavelmente sobre os "abandonados" da história
legítima. Esta visão é particularmente idealista e
metafísica, uma visão em que a história é o fruto
das ideias dos seus "grandes" homens. A esta concepção
da história opõe-se uma concepção dialéctica
e materialista que define a história em termos de relações
e de movimentos sociais.
Assim ao adversário são atribuídos todos os males
possíveis. Isso vai desde o seu físico aos seus costumes sexuais.
Assim,
Le Vif-L'Express
de 2-8 de Abril de 1999 apresenta "O horripilante Milosevic". "
Le Vif-L'Express
não cita nenhum discurso, nenhum escrito, do "mestre de
Belgrado" mas em contrapartida destaca seus saltos de humor anormais, suas
explosões de cólera, doentias e brutais: Quando estava
encolerizado, seu rosto se torcia. Depois, instantaneamente, recuperava o seu
sangue-frio".
[13]
Este tipo de demonização não é utilizado
unicamente pela propaganda de guerra (como todos os outros princípios,
igualmente).
Assim, Pierre Bourdieu constatava que, nos Estados Unidos, numerosos
professores universitários, exasperados com a popularidade de Michel
Foucault entre os seus colegas, escreviam bom número de livros sobre a
vida íntima do autor. Assim, Michel Foucault, "o homossexual
masoquista e louco" tinha prática "contra natura",
"escandalosas" e "inaceitáveis". Com este
expediente, já não há necessidade de debater o pensamento
do autor ou os discursos de um homem político, mas sim de
refutá-lo com base em julgamentos morais às ditas práticas
do indivíduo.
4) Defendemos uma causa nobre e não interesses particulares
Os objectivos económicos e geopolíticos da guerra devem ser
mascarados sob um ideia, valores moralmente justos e legítimos. Assim
já se podia ouvir George Bush pai declarar:
"Há pessoa que não compreendem nunca. O combate não
se refere a petróleo, o combate refere-se a uma agressão
brutal".
[14]
ou
Le Monde
de 22 de Janeiro de 1991: "Os objectivos de guerra americanos e franceses
são em primeiro lugar os objectivos do Conselho de Segurança.
Estamos lá devido a decisões tomadas pelo Conselho de
Segurança e o objectivo essencial é a libertação do
Kuwait".
[15]
De facto, nas nossas sociedades modernas, ao contrário da de Luís
XIV, uma guerra não se pode realizar senão com um certo
consentimento da população. Gramsci já havia mostrado
até que ponto a hegemonia cultural e o consentimento são
indispensáveis ao poder. Este consentimento será facilmente
adquirido se a população pensar que desta guerra depende sua
liberdade, sua vida, sua honra.
[16]
Os objectivos da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, resumem-se a três
pontos:
"- esmagar o militarismo
- defender as pequenas nações
- preparar o mundo para a democracia.
Este objectivos, muito honrosos, são desde então recopiados quase
textualmente na véspera de cada conflito, mesmo que não se
enquadrem senão muito pouco ou absolutamente nada com os seus objectivos
reais".
[17]
"É preciso persuadir a opinião pública que nós
ao contrário dos nossos inimigos fazemos a guerra por
motivos infinitamente honrosos".
[18]
"Na guerra da NATO contra a Jugoslávia encontra-se o mesmo
afastamento entre objectivos oficiais e inconfessados do conflito. Oficialmente
a NATO intervém para preservar o carácter multi-étnico do
Kosovo, para impedir que minorias sejam ali maltratadas, para ali impor a
democracia e para acabar com o ditador. Trata-se de defender a causa sagrada
dos direitos humanos. Bem antes do fim da guerra, foi possível constatar
que nenhum destes objectivos foi atingido, que se está nomeadamente
longe de uma sociedade multi-étnica e que as violências contra as
minorias sérvios e ciganos desta vez são
quotidianas, mas ainda perceber que os objectivos económicos e
geopolíticos da guerra, de que nunca se havia falado, foram eles
sim atingidos".
[19]
Este princípio implica o seu corolário: o inimigo é um
monstro sanguinário que representa a sociedade da barbárie.
5) O inimigo provoca atrocidades conscientemente mas se nós cometemos
sujeiras isso é involuntário
Os relatos das atrocidades cometidas pelo inimigo constituem um elemento
essencial da propaganda de guerra. Isso evidentemente não quer dizer que
não haja atrocidades durante as guerras. Muito pelo contrário, os
assassinatos, os roubos a mão armada, os incêndios, a pilhagens e
as violações parecem infelizmente recorrentes na
história das guerras. Mas faz-se crer que só o inimigo comete
tais atrocidades e que o nosso exército é amado pela
população, que é um exército
"humanitário".
Mas a propaganda de guerra raramente detém-se aí. Não
contente com violações e pilhagens reais, é preciso muitas
vezes criar atrocidades "desumanas" para encarnar no inimigo o
alter-ego de Hitler (Hitlerosevic, ...). Podemos assim por lado a lado
várias passagens referentes a guerras diferentes sem nelas encontrar
grandes diferenças.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Ponsonby relata esta história:
"Trinta ou trinta e cinco soldados alemães entraram na casa de
David Tordens, carroceiro em Sempst (hoje Zempst). Eles ataram o homem e depois
cinco ou seis deles lançaram-se sob os seus olhos sobre a filha de treze
anos e lhe fizeram violência, a seguir trespassaram-na com suas
baionetas. Depois desta acção horrível furaram com golpes
de baionetas seu filho de nove anos e fuzilaram sua mulher".
Não se esquecerá tão pouco o episódio das
crianças com mãos cortadas, que parece mais um rumor infundado do
que um facto histórico.
[20]
Na Guerra do Golfo em
Le Monde
de 3 de Março de 1990: "Se eles nada provam quanto ao
número, os corpos mutilados da morgue do hospital Moubarak advogam a
certeza da crueldade dos sete meses de ocupação iraquiana. Olhos
arrancados, gargantas cortadas, cabeças esmagadas, crânios
cortados cujo cérebro escapa, corpos meio carbonizados, queimaduras de
cigarros..."
Sem esquecer igualmente o episódio das incubadoras roubadas e dos
bebés mortos atrozmente... Que revelaram ser uma
mistificação.
Quanto ao Afeganistão, no
Herald Tribune
de 7 de Agosto de 1999: "Alguns foram mortos nas ruas. Muitos foram
executados nas suas casas, após bloqueio e busca das zonas reputadas por
serem habitadas na maioria por certos grupos étnicos. Alguns foram
escaldados até à morte ou asfixiados em contentores
metálicos selados, colocados em pleno sol. Num hospital pelo menos, 30
pacientes foram mortos a bala na sua cama. Os corpos das vítimas foram
abandonados nas ruas ou nas casas, para intimidar o resto dos habitantes.
Testemunhas em pânico puderam ver cães a competirem pelos restos
dos cadáveres, mas foi-lhes imposta por megafone ou por rádio que
não os tocassem e não os enterrassem".
Os talibãs, aqui responsáveis de atrocidades, na maior parte
não puderam ser presos, e nenhuma notícia de Ben Laden...
Na guerra do Iraque, as histórias foram, mais uma vez, semelhante
e as mentiras sobre armas de destruição maciça
também. Pode-se portanto extrair facilmente certas tendências
nestas histórias. Trata-se antes de tudo de tocar a corda
"sentimental" do leitor. Para isso é preciso, antes de tudo,
"boas histórias" e se não forem encontradas são
inventadas. Os pormenores "crispantes" totalmente inúteis
à vista das consequências reais das guerras do ponto de vista
humano são contudo moeda corrente nestas histórias e fazem
do inimigo um monstro mais horrível que nunca, que mata sobretudo por
prazer ou vício.
No Kosovo, "houve evidentemente, na Primavera de 1999, assassínios,
pilhagens, torturas e incêndios de casas albanesas, mas
"esquece-se" de salientar com a mesma acuidade as mesmas atrocidades
cometidas a partir do Verão sobre sérvios, bósnios,
ciganos e outras pessoas não albanesas
[21]
. O seu êxodo
será mantido sob silêncio ao passo que as imagens de refugiados
albaneses do Kosovo e sua acolhida no estrangeiro haviam sido objecto de
emissões completas na televisão. É que este quinto
princípio da propaganda de guerra quer que só o inimigo cometa
atrocidades, o nosso campo não pode senão cometer
"erros". A propaganda da NATO popularizará, na guerra contra a
Jugoslávia, a expressão "danos colaterais" e
apresentará como tais os bombardeamentos de populações
civis e de hospitais, que teriam feito, conforme as fontes, entre 1200 e 5000
vítimas. "Erro" portanto o bombardeamento da embaixada chinesa
[22]
, de um comboio de refugiados albaneses, ou de um comboio a passar sobre uma
ponte. Já o inimigo, não comete erros, comete o mal
conscientemente".
[23]
Para concluir, uma citação de Jean-Claude Guillebaud:
"Tornámo-nos, nós jornalistas, uma espécie de
mercadores do horror e esperava-se dos nossos artigos que comovessem, raramente
que explicassem".
6) O inimigo utiliza armas não autorizadas
Este princípio é corolário do anterior.
"Não só não cometemos atrocidades como fazemos a
guerra de maneira cavalheiresca, respeitando como se se tratasse de um
jogo, certamente duro mas viril! as regras".
[24]
Assim, já durante a Primeira Guerra Mundial, a polémica
proliferava quanto à utilização dos gases asfixiantes.
Cada campo acusava o outro por começar a utilizá-los
[25]
. Se bem que os dois campos houvessem utilizado o gás e que houvessem
efectuado todas as investigações neste domínio, esta arma
era o reflexo simbólico da guerra "desumana". Convém
assim atribuí-la ao inimigo. É de alguma forma a arma
"desonesta", a arma enganosa.
7) Sofremos muito poucas perdas, as perdas do inimigo são enormes
"Com raras excepções, os seres humanos geralmente preferem
aderir a causas vitoriosas. Em casos de guerra a adesão da
opinião pública depende portanto dos resultados aparentes do
conflito. Se os resultados não forem bons, a propaganda deverá
ocultar as nossas perdas e exagerar as do inimigo".
[26]
Já na Primeira Guerra Mundial, um mês após o começo
das operações, as perdas elevavam-se a 313 mil mortos. Mas o
estado-maior francês jamais confessou a perda de um cavalo e não
publicava a lista nominativa dos mortos.
[27]
Ultimamente, a guerra no Iraque fornece um exemplo do mesmo género, em
que se proibiu a publicação das fotos dos caixões de
soldados americanos na imprensa. As perdas do inimigo, em contrapartida,
são enormes, o seu exército não resiste. "Nos dois
campos estas informações fazem subir a moral das tropas e
persuadem a opinião pública da utilidade do conflito".
[28]
8) Os artistas e intelectuais apoiam nossa causa
Aquando da Primeira Guerra Mundial, salvo raras excepções, os
intelectuais apoiaram maciçamente o seu próprio campo. Cada
beligerante podia em grande medida contar com o apoio dos pintores, poetas,
músicos que apoiavam, por iniciativas no seu domínio, a causa do
seu país.
[29]
Os caricaturistas são amplamente utilizados, para justificar a guerra e
pintar o "carniceiro" e suas atrocidades, ao passo que outros
artistas vão trabalhar, com a câmara no punho, para produzir
documentos edificantes sobre os refugiados, sempre cuidadosamente tomados nas
fileiras albanesas e escolhidos os mais realísticos possíveis em
relação ao público ao qual se dirigem, como esta bela
criança loura com olhar nostálgico, destinada a evocar as
vítimas albanesas.
Podem-se ver assim os "manifestos" a desenvolverem-se por toda a
parte. O manifesto dos cem, para apoiar a França durante a Primeira
Guerra Mundial (André Gide, Claude Monet, Claude Debussy, Paul Claudel).
Mais recentemente, o "manifesto dos 12" contra o "novo
totalitarismo"
[30]
que é o islamismo. Estes "colectivos" de intelectuais,
artistas e homens notáveis põem-se portanto a legitimar a
acção do poder político instalado.
9) Nossa causa tem um carácter sagrado
Este critério pode ser tomado nos dois sentidos, quer literal, quer
geral. No sentido literal, a guerra apresenta-se como uma cruzada, portanto a
vontade é divina. Não se pode subtrair à vontade de Deus,
mas apenas cumpri-la. Este discurso retomou grande importância desde a
chegada de George Bush filho ao poder e, com ele, toda uma série de
ultra-conservadores integristas. Assim, a guerra no Iraque manifesta-se como
uma cruzada contra "o Eixo do Mal", uma luta do "bem"
contra o "mal". Era nosso dever "dar" a democracia ao
Iraque, a democracia sendo um dom saído directamente da vontade divina.
Assim, fazer a guerra é realizar a vontade divina. Escolhas
políticas tomar um carácter bíblico que apaga toda
realidade social e económica. As referências a Deus sempre foram
numerosas (In God We Trust, God Save the Queen, Gott mit Uns,
) e servem
para legitimar sem rodeios as acções do soberano.
10) Aqueles (e aquelas) que põem em dúvida a nossa propaganda
são traidores
Este último princípio é o corolário de todos
anteriores. Toda pessoa que ponha em dúvida um único dos
princípios enunciados acima é forçosamente um colaborador
do inimigo. Assim, a visão mediática limita-se aos dois campos
citados acima. O campo do bem, da vontade divina, e o do mal, dos ditadores.
Assim, é-se "por ou contra" o mal. Neste sentido, os oponentes
à guerra do Kosovo viram-se tratar no
L'Évènement
de 29 de Abril a 5 de Maio de 1999 como "cúmplices de
Milosevic". O semanário chega mesmo a sistematizar várias
"famílias". Encontra-se assim a família
"anti-americana" com Pierre Bourdieu, Régis Debray, Serge
Halimi, Noam Chomsky ou Harold Pinter. A família "pacifista
integrista" com Gisèle Halimi, Renaud, o abade Pierre
e seus
órgãos respectivos, o
Monde diplomatique,
o PCF.
Torna-se portanto impossível fazer surgir uma opinião dissidente
sem sofrer um linchamento mediático. O pluralismo das opiniões
já não existe, é reduzido a nada, toda
oposição ao governo é reduzida ao silêncio e ao
descrédito por argumentos fraudulentos.
Esta mesma argumentação foi novamente aplicada aquando da guerra
no Iraque. Como a opinião pública internacional estava mais
dividida, isso é menos ressentido. Mas estar contra a guerra é
estar a favor de Saddam Hussein... O mesmo esquema foi aplicado num contexto
muito diferente, que era o referendo sobre a constituição
europeia: "ser contra a constituição é ser contra a
Europa!".
Notas e referências
1. Morelli, Anne, "Principes élémentaires de propagande de
guerre", Bruxelles, Aden, 2010
2. Ibid, p. 7.
3. Ibidem
4. Ibid, p. 10
5. Ibid, p. 11.
6. Ibid, p. 14.
7. Ibid, p. 16.
8. Collon, Michel, "attention médias!", Bruxelles,
éditions EPO, 1992, p. 34.
9. Morelli, Anne, op. cit., p. 21.
10. Morelli, Anne, "L'histoire selon les vainqueurs, l'histoire selon les
vaincus", 8 décembre 2003 in :
http://www.brusselstribunal.org/8de...;;[archive].
11. Collon, Michel, op. cit., p. 60.
12. Ibidem.
13. Morelli, Anne, op. cit., p. 25.
14. Collon, Michel, op. cit., p. 32.
15. Ibidem.
16. Morelli, Anne, op. cit., p. 27.
17. Ibid, p. 28.
18. Ibid, p. 28.
19. Ibid, p. 34.
20. A criança com mãos cortadas [arquivo] 1914, nova guerra entre
os dois países. Contava-se com insistência, do lado francês,
que os soldados alemães eram brutos ignóbeis que cortavam as
mãos das crianças.
21. Sérvia: Após o fracasso das negociações sobre o
Kosovo, a palavra esta com a ONU [arquivo] O Kosovo, considerado por Belgrado
como o berço da sua cultura e da sua religião, conta 5% dos
sérvios após o êxodo de mais de 200 mil deles.
22. Revelação: a NATO bombardeou voluntariamente a embaixada da
China em Belgrado [arquivo] Segundo um inquérito do semanário
britânico
The Observer,
efectuado com o jornal dinamarquês
Politike,
a NATO teria bombardeado conscientemente a embaixada chinesa de Belgrado em 7
de Maio último (ver também nosso artigo de 10/05/99).
Responsáveis militares e das informações teriam declarado
que a embaixada chinesa abrigava um sistema de retransmissão das
emissões do exército juguslavo. De repente, ela teria sido
eliminada da lista dos "alvos interditos" e bombardeada.
23. Ibid, pp. 37-47.
24. Ibid, p. 48.
25. Ibid, p. 49.
26. Ibid, p. 54.
27. Ibidem.
28. Ibid, p. 56.
29. Morelli, Anne, "les 10 commandements de Ponsonby", sur le site de
Zaléa TV : [1] [archive].
30. Sua utilização para com o terrorismo por Jack Straw parece
imprópria. O "terrorismo" em geral não pode ser
considerado como um "totalitarismo" no sentido original do termo. Ele
não preenche os critérios necessários. A
utilização do conceito requer uma análise aprofundada da
sociedade ou da estrutura do grupo estudado, é preciso destacar as
categorias essenciais e os processos de des-diferenciação
próprios do totalitarismo. Contudo, não parece que Jack Straw
tenha realizado uma tal análise para poder dar uma verdadeira base
teórica à sua asserção. A utilização
do termo neste caso tem um fim político ou de propaganda de guerra.
20/Março/2011
O original encontra-se em
http://www.michelcollon.info/Principes-elementaires-de.html?lang=fr
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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