Um julgamento quase secreto e com blackout informativo
Extradição de Assange, audiência do dia 17
Silêncio total dos media corporativos acerca do processo de extradição
de Assange para os EUA
Conivência dos jornalistas britânicos (e portugueses) com o
crime que
se prepara
O maior ataque à liberdade de imprensa de toda a história
do jornalismo
Durante a audiência de evidências médicas nos últimos
três dias, o governo britânico foi apanhado duas vezes a contar
directamente mentiras importantes acerca de acontecimentos na prisão de
Belmarsh, cada mentira provada por evidências documentais. O factor comum
foram os registos médicos mantidos pela Dra. Daly, chefe dos
serviços médicos da prisão. Também houve, para
dizer o mínimo, uma aparente deturpação da Dra. Daly.
Pessoalmente, desconfio do tipo de pessoa que impressiona Ross Kemp.
Aqui está uma foto da Dra. Daly, extraída do documentário
de Ross Kemp sobre o presídio de Belmarsh.
Isto é a descrição do Sr. Kemp da ala médica em
Belmarsh: "Aqui a segurança está em outro
nível, com
seis vezes mais funcionários por preso do que no resto da
prisão."
Enquanto na ala médica ou de "cuidados de saúde",
Julian Assange esteve de facto em confinamento solitário e três
psiquiatras e um médico com vasta experiência no tratamento de
traumas testemunharam todos no tribunal que a condição
física e mental de Assange deteriorou-se enquanto esteve em
"cuidados de saúde" durante vários meses. Eles
também disseram que ele melhorou depois de ter deixado a
"área de saúde". Isso diz algo de profundo acerca dos
"cuidados de saúde" que lhe foram prestados. Os mesmos
médicos testemunharam que Assange tem um relacionamento mau com a Dra.
Daly e não confidenciará seus sintomas ou sentimentos a ela e
isso também foi asseverado pelo conselho de defesa.
Isto é o pano de fundo essencial para as mentiras. Agora deixem-me falar
das mentiras. Infelizmente, para fazer isso, devo revelar pormenores da
condição médica de Julian que eu não havia
revelado, mas penso que a situação é tão grave que
agora devo fazer isso.
Não contei que o professor Michael Kopelman deu provas de que, entre
outros preparativos para o suicídio, Julian Assange havia ocultado uma
lâmina de barbear nas dobras da sua cueca, mas isso fora descoberto numa
busca em sua cela. Como informei, Kopelman foi submetido a um
interrogatório extremamente agressivo por James Lewis, o qual na parte
da manhã concentrara-se na noção de que a doença
mental de Julian Assange era simplesmente fingimento e que Kopelman não
conseguira detectar isso. A lâmina de barbear foi um fator-chave na
intimidação de Lewis contra Kopelman e ele atacou-o repetidas
vezes.
Lewis declarou que Kopelman "confiou" na narrativa da lâmina de
barbear para o seu diagnóstico. Ele então passou a retratar isto
como uma fantasia tramada por Assange para apoiar a sua
simulação. Lewis perguntou repetidamente a Kopelman por que, se a
história fosse verdadeira, não estava nas notas clínicas
da Dra. Daly? Certamente, se um prisioneiro, conhecido por estar deprimido,
tivesse uma lâmina de barbear descoberta na sua cela, isto estaria nos
registos médicos da prisão? Por que o professor Kopelman deixou
de notar no seu relatório que não havia evidência da
lâmina de barbear nos registos médicos do Dra. Daly? Estava ele a
esconder essa informação? Não era muito estranho que este
incidente não estivesse nas notas médicas?
Numa tentativa de humilhar Kopelman, Lewis disse: "O senhor diz que
não confia na lâmina de barbear para o seu diagnóstico. Mas
o senhor confia nela. Vamos então examinar o vosso relatório. O
senhor confia na lâmina de barbear no parágrafo 8. O senhor a
menciona novamente no parágrafo 11a. Então no 11c. A seguir, no
parágrafo 14, parágrafo 16, 17b, 18a. Então, chegamos
à secção seguinte e a lâmina de barbear está
ali nos parágrafos 27 e 28. Então, outra vez no sumário
está nos parágrafos 36 e novamente no parágrafo 38.
Diga-me, Professor, como o senhor pode dizer que não confia na
lâmina de barbear?"
[Não forneço os números reais dos parágrafos; estes
são ilustrativos].
Lewis então prosseguiu convidando Kopelman a mudar o seu
diagnóstico. Ele perguntou-lhe mais de uma vez se o seu
diagnóstico seria diferente se não houvesse lâmina de
barbear e esta fosse uma invenção de Assange. Kopelman ficou
visivelmente enervado com este ataque. Ele concordou que era "muito
estranho" não ter sido mencionado nas notas médicas se fosse
verdade. O ataque directo de que ele ingenuamente havia acreditado numa mentira
óbvia desconcertou Kopelman.
Mas era Lewis quem não estava a dizer a verdade. Houve realmente uma
lâmina de barbear escondida e o que Assange havia dito a Kopelman, e que
Kopelman havia acreditado, era verdadeiro em todos os pormenores. Numa cena
saída de um drama legal da TV, durante o depoimento de Kopelman, a
defesa conseguiu obter a folha de acusação da Prisão de
Belmarsh Assange fora acusado pelo delito de lâmina de barbear. A
folha de acusação é datada de 09h00 em 7 de maio de 2019,
e é o que se lê:
Governador,
No dia 05/05/19, aproximadamente às 15h30, eu e o oficial Carroll
estávamos a efectuar uma busca matriz de rotina no 2-1-37 ocupado
exclusivamente pelo Sr. Assange A9379AY. Ele foi questionado antes de
começarmos a busca se tudo na cela lhe pertencia, ao que ele respondeu
"Que eu saiba, sim". Durante o processo de busca, levantei uma dobra
da sua cueca enquanto vasculhava o armário. Quando os levantei, ouvi um
objecto metálico cair dentro do armário. Quando investiguei o que
era, vi metade de uma lâmina de barbear escondida na sua cueca. Esta foi
agora colocada no saco de evidência número M0001094.
Isto conclui meu relatório
Assinado
Locke
Posteriormente, mostraram-me uma cópia e fiz um instantâneo:
Quando, na terça-feira, o advogado Edward Fitzgerald apresentou este
auto de acusação no tribunal, ele não parecia ser
novidade para a promotoria. James Lewis entrou em pânico. Rapidamente,
Lewis levantou-se de um salto e pediu ao juiz que deveria ser notado que ele
nunca dissera que não havia lâmina de barbear. Fitzgerald
respondeu que não fora a impressão que recebera. Do banco das
testemunhas e sob juramento, Kopelman declarou que também não
fora essa a impressão que tivera.
E certamente não foi a impressão que tive na galeria
pública. Ao afirmar repetidamente que, se a lâmina de barbear
existisse, ela estaria nas notas médicas, Lewis havia, no mínimo,
confundido a testemunha sobre uma questão de facto material, que
realmente afectou a sua prova. E Lewis havia feito isso precisamente para
afectar a evidência.
Entrando em pânico, Lewis entregou o jogo ainda mais ao fazer a
afirmação desesperada de que a acusação contra o
Sr. Assange havia sido rejeitada pelo Governador [do presídio]. Assim, a
acusação definitivamente sabia muito mais sobre os eventos em
torno da lâmina de barbear do que a defesa.
[A juíza] Baraitser, que estava ciente de que se isto era um grande
contratempo, agarrou-se à mesma palha à qual Lewis se agarrara em
desespero e disse que, se a acusação tivesse sido rejeitada,
então não havia prova de que a lâmina de barbear existira.
Fitzgerald destacou que isto era absurdo. A acusação pode ter
sido rejeitada por numerosas razões. A existência da lâmina
não estava em dúvida. Julian Assange atestou isto e dois
carcereiros atestaram. Baraitser disse que só poderia basear sua
opinião na decisão do Governador da Prisão.
No entanto, Baraitser pode tentar escondê-lo, Lewis atacou o Prof.
Kopelman sobre a existência da lâmina quando Lewis deu todas as
aparências subsequente de um homem que sabia muito bem o tempo todo que
havia evidências convincentes de que a lâmina existiu. Para
Baraitser tentar proteger tanto Lewis como a acusação pretendendo
que a existência da lâmina está dependende do resultado da
acusação subsequente, quando todas as três pessoas na cela
no momento da busca concordaram com sua existência, incluindo Assange,
é talvez o abuso mais notável de Baraitser do procedimento legal.
Após a apresentação da sua prova, fui tomar um
gim-tónica com o professor Kopelman, que é um velho amigo.
Não tivemos nenhum contacto durante dois anos, precisamente por causa de
seu envolvimento no caso de Assange como perito médico. Michael estava
muito preocupado por não ter tido um desempenho forte na sua
sessão de evidências pela manhã, embora tivesse sido capaz
de responder com mais clareza à tarde. E sua preocupação
com a manhã era porque ficara incomodado com a questão da
lâmina de barbear. Ele havia entendido firmemente que Lewis estava a
dizer que não havia lâmina de barbear nos registos da
prisão e, portanto, que fora enganado por Julian. Se ele tivesse sido
enganado, naturalmente teria sido uma falha profissional e Lewis provocou-lhe
ansiedade enquanto estava no banco das testemunhas.
Devo deixar claro que não acredito nem por um momento que o lado do
governo não estivesse ciente de que a lâmina de barbear era real.
Lewis fez um exame cruzado
(cross-examined)
utilizando notas preparadas pormenorizadas sobre a lâmina de barbear e
com todas as referências a ela dispostas em tabela no relatório de
Kopelman. O facto de isto ter sido realizado pela promotoria sem perguntar
à prisão se o incidente era verdade, desafia o senso comum.
Na quinta-feira, Edward Fitzgerald entregou a Baraitser o registo da
audiência na prisão onde a acusação foi discutida.
Era um longo documento. A decisão do Governador estava no
parágrafo 19. Baraitser disse a Fitzgerald que ela não podia
aceitar o documento porque era uma nova prova. Fitzgerald disse-lhe que ela
própria pedira o resultado da acusação. Ele disse que o
documento continha informação muito interessante. Baraitser disse
que a decisão do governador estava no parágrafo 19, que era tudo
que ela havia pedido, e que se recusaria a tomar o resto do documento em
consideração. Fitzgerald disse que a defesa pode desejar fazer
uma apresentação formal sobre isso.
Não vi este documento. Com base nos pronunciamentos anteriores de
Baraitser, tenho quase certeza de que deste modo ela está a proteger
Lewis. No parágrafo 19, a decisão do governador provavelmente
rejeita as acusações como disse Lewis. Mas os parágrafos
anteriores, que Baraitser se recusa a considerar, quase certamente deixam claro
que a posse da lâmina de barbear por Assange era indiscutível, e
muito provavelmente explica sua intenção de utilizá-la
para suicídio.
Assim, para citar o próprio Lewis, por que isso não estaria nas
notas médicas da Dra. Daly?
Apesar daquela história assustadora não a considerei
suficientemente poderosa para justificar a publicação dos
alarmantes pormenores pessoais acerca de Julian. Mas depois voltou a acontecer.
Na manhã de quinta-feira, o Dr. Nigel Blackwood, Professor Adjunto de
Psiquiatria Forense do Kings College London, deu depoimento para a
acusação. Ele essencialmente minimizou todos os
diagnósticos de doença mental de Julian e contestou que ele
tivesse o [síndrome de] Asperger. No decorrer desta
minimização, ele afirmou que quando Julian foi admitido na ala de
cuidados de saúde em 18 de Abril de 2019, não havia sido por
qualquer razão médica. Havia sido puramente para isolá-lo
dos outros prisioneiros por causa do vídeo dele que foi filmado e
divulgado por um prisioneiro.
Fitzgerald perguntou a Blackwood como ele sabia disso e Blackwood disse que a
Dra. Daly lhe havia contado para o seu relatório. A defesa agora
apresentou outro documento da prisão a mostrar que o governo estava
mentindo. Era um relatório do pessoal da prisão datado das 14h30
do dia 18 de Abril de 2019 e dizia especificamente que Julian estava
"muito abatido" e tendo impulsos suicidas incontroláveis.
Sugeria transferi-lo para a ala médica e mencionou um encontro com a
Dra. Daly. Julian foi de facto transferido naquele mesmo dia.
Fitzgerald afirmou a Blackwood que claramente Assange fora transferido para a
ala médica por razões médicos. Sua evidência estava
errada. Blackwood continuou a asseverar que Assange fora movido só por
causa do vídeo. As notas médicas da Dra. Daly não diziam
que ele fora transferido por razões médicos. A juíza
repreendeu Fitzgerald por dizer "absurdo"
("nonsense"),
embora ela tivesse permitido que Lewis fosse muito mais duro do que isso com
as testemunhas de defesa. Fitzgerald perguntou a Blackwood por que Assange
seria transferido para a ala médica por causa de um vídeo feito
por outro prisioneiro? Blackwood disse que o Governador considerou o
vídeo "embaraçoso" e estava preocupado com "danos
à reputação" para a prisão.
Então, vamos dar uma olhada nisso. A Dra. Daly não colocou nas
notas médicas que Assange havia escondido uma lâmina para
suicídio na sua cela. A Dra. Daly não colocou nas notas
médicas que, no mesmo dia em que Assange foi transferido para a ala
médica, uma reunião da equipe havia dito que ele deveria ser
transferido para a ala médica devido a impulsos suicidas
incontroláveis. A seguir, Daly dá a Blackwood uma narrativa
inventada sobre as razões para a remoção de Assange para a
ala médica, para assisti-lo na subestimação da
condição médica de Assange.
Ou vejamos a narrativa alternativa. A narrativa oficial é que os
cuidados de saúde para citar Ross Kemp, onde "a
segurança está em outro nível" é usada
para manter prisioneiros em isolamento por razões totalmente não
médicas. Na verdade, para evitar "embaraço", para
evitar "danos à reputação", Assange foi mantido
em isolamento nos "cuidados de saúde" durante meses enquanto,
de acordo com quatro médicos, incluindo neste ponto até
Blackwood, sua saúde se deteriorou por causa do isolamento. Enquanto
estava sob os "cuidados" da Dra. Daly. E esta é a narrativa
oficial. O melhor que eles podem dizer é "ele não estava
doente, nós o colocamos nos "Cuidados de Saúde" por
razões totalmente ilegítimas como uma
punição". Para evitar "embaraço" se
prisioneiros tirassem sua foto.
Estou em vias de escrever à juíza Baraitser solicitando uma
cópia da transcrição do contra-interrogatório de
Lewis ao Professor Kopelman sobre a lâmina de barbear, com o objectivo de
denunciar Lewis ao Conselho da Ordem. Eu me pergunto se o Conselho
Médico Geral não teria razão para considerar a
prática da Dra. Daly neste caso.
A testemunha final foi o Dr. Sondra Crosby, o médico que tratava de
Julian desde seu tempo na Embaixada do Equador. O Dr. Crosby parecia uma
pessoa maravilhosa e embora suas evidências fossem muito convincentes,
mais uma vez não vejo nenhuma razão forte para revelá-las.
No final dos procedimentos de quinta-feira, houve dois depoimentos de
testemunhas lidos rapidamente nos autos. Isso era realmente muito importante,
mas passou quase despercebido. John Young, da
cryptome.org
, deu provas de que a Cryptome publicou os telegramas não editados
(unredacted)
em 1 de Setembro de 2011, crucialmente um dia antes de a Wikileaks os ter
publicado. A Cryptome tem sede nos Estados Unidos, mas eles nunca foram
abordados pelas autoridades sobre estes telegramas não editados, nem
solicitados a retirá-los. Os telegramas permaneceram online na Cryptome.
Da mesma forma, Chris Butler, administrador do Internet Archive, deu
evidência de que telegramas não editados e outros documentos
confidenciais estavam disponíveis na máquina Wayback. Nunca lhes
pediram para removê-los nem foram ameaçados de processo.
Perdoe-me por destacar que a minha capacidade de fornecer esta cobertura
está inteiramente dependende das vossas gentis subscrições
voluntárias que mantêm este blog em funcionamento. Esta mensagem
é gratuita para qualquer pessoa reproduzir ou republicar, inclusive em
tradução. Também é muito bem-vindo para leitura sem
subscrição.
[*]
Ex-diplomata britânico que se tornou activista político, defensor
dos direitos humanos, blogueiro e denunciante. Entre 2002 e 2004, foi o
embaixador britânico no Uzbequistão, período durante o qual
expôs as violações dos direitos humanos naquele país
pelo governo Karimov.
A capacidade de Craig de fornecer esta cobertura depende inteiramente de
subscrições voluntárias. As subscrições para
manter o seu blog são
recebidas com gratidão
.
27/Setembro/2020
Ver também:
John Young Cryptome Statement for Assange Extradition Hearing, September 24, 2020
US Assange Prosecution Bundle for Defence Witnesses (368 pages), September 8, 2020 (42MB)
ASSANGE EXTRADITION: Hearing Day 14
Alexandria Jail Isolation Conditions Described in Detail as Place Where Assange Would Be Detained
Qui est derrière la juge qui fait le procès d'Assange?
MEPs denied access as observers to Julian Assange extradition hearing
Un scandale et une crise dans le journalisme britannique
The Guardian’s Deceit-riddled New Statement Betrays Both Julian Assange and Journalism
(A nova declaração enganosa de
The Guardian
trai tanto Julian Assange como o jornalismo)
O original encontra-se em
www.informationclearinghouse.info/55636.htm
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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