Do fim da URSS à atual russofobia
Notas de Dmitri Rogozin, um embaixador russo junto à NATO (2)
por Daniel Vaz de Carvalho
"Uma permanente marca de desonestidade. Esta a essência antinacional
dos liberais"
"O cinismo da NATO ultrapassa os piores cínicos deste mundo"
3 - Os "liberais"
4 - As guerras civis
5 - A NATO, a UE e a atual russofobia
3 - Os "liberais"
Dmitri Rogozin (DR) fala do liberalismo como uma doutrina do roubo.
[1]
O nosso Oliveira Martins já havia dito algo semelhante nos finais do
século XIX. O mais adequado seria DR referir-se a neoliberalismo,
não confundindo a raiz popular e revolucionária do início
do século XIX que, inspirada nos ideais da Revolução
Francesa, realizou em Portugal a Constituição de 1820 e combateu
o absolutismo. O que existe atualmente é o neoliberalismo, a mais
completa perversão daqueles ideais sob uma fachada democrática
permitida pela social-democracia e o dito socialismo democrático.
Conceitos que eram meras hipóteses no Ocidente foram aceites com toda a
fé e indiscutíveis na Rússia. Cada teoria europeia
(leia-se UE)
era primeiro transformada em axioma, depois em dogma e então em nova
realidade política.(44)
Em resultado das privatizações um pequeno grupo de aventureiros
que formavam o círculo de "reformadores" de Yeltsin, arrebatou
recursos naturais e indústrias. Estes "heróis" eram
regularmente convidados para conferências em Londres, Davos, etc, quando
o mais apropriado seria ouvi-los no gabinete do procurador e mandá-los
para a Sibéria, não para a Suíça.(116)
Os liberais depois de destruírem a URSS provocaram a guerra da
Chechénia e empurraram os povos da Rússia uns contra os outros.
Destruíram a moral e a ética públicas e corromperam o
poder das Forças Armadas. Devido às suas atividades criminosas o
conceito de liberalismo, tornou-se sinónimo de traição
nacional.(119) Devido aos esforços dos liberais a palavra patriota
estava a ser considerada uma palavra suja: "o patriotismo é o
último refúgio de um patife".(260)
Os liberais não representavam uma ideologia definida. Os seus
apologistas eram jovens e diligentes mediocridades dos anos 80. Doutorados de
fresca data que atacavam com toda a segurança a economia política
do socialismo e estudos do comunismo. Estavam simplesmente a ser solicitados
pelo regime de Yeltsin.(288)
A insídia ia ao ponto de argumentarem perante críticas que
"tínhamos de ser amigos do Ocidente mesmo quando eles estão
errados".(238)
A imprensa liberal tornou-se uma envenenadora. No início dos anos 90, a
anterior imprensa soviética foi deixada sem meios de existência
acabando nas mãos dos oligarcas.(104) Jornalistas que em privado
não deixavam de lamentar a sua triste sorte, escravizados pelos
patrões, em público reagiam com indignação quando
as suas "sujas sugestões" eram negadas. Tal é a
"liberdade de opinião", fórmula adotada pelos
multimédia globais como ferramenta para distorcer os factos,
condimentada com veneno vindo de figuras "progressistas". Tal era o
jornalismo liberal. A verdade passou a ser uma mentira multiplicada
inúmeras vezes pelos pasquins. Desta forma nações inteiras
foram
(e são!)
sujeitas a abusos e insultos.(105)
A mente de milhões de pessoas nos EUA, UE, e no resto do mundo, foram
criminosamente manipuladas contra a sua vontade por fazedores de
notícias profissionais.(106) Os cavaleiros sem vergonha do jornalismo
exploraram trágicos acontecimentos e conceberam o seu próprio
ritual de guerra no qual um agressor se torna vítima e uma vítima
o agressor.(108)
Agora os nossos liberais preferem viver sob as instruções do
Comité de Washington e juntam-se com "ideias originais"
à caça de votos. Ora, ora.(120)
4 - As guerras civis
DR descreve as diversas guerras civis, invasões e agressões
contra o território russo, em particular as da Chechénia e a sua
intervenção como mediador em várias
situações com vistas ao restabelecimento da paz e salvaguarda das
populações.
As últimas guerras na Europa estão ligadas ao colapso da URSS e
da Jugoslávia. A NATO cometeu um ato de agressão selvagem para
provocar a desintegração da Jugoslávia.(327)
A história da sangrenta desintegração dos Balcãs
que terminou com os bombardeamentos da NATO sobre Belgrado é
idêntica ao fim da URSS. A única diferença é que a
Rússia possui armas nucleares. Apenas esta circunstância nos
salvou de uma intervenção dos "poderes
democráticos" que de outra forma ter-se-iam apressado a apoiar os
rebeldes da Chechénia.(175)
As calamidades começaram no Ngorno-Karaback, Geórgia, Republicas
Bálticas e Uzbequistão e depois por toda a parte. Em meados dos
anos 90, no Tajiquistão. 1500 russas foram literalmente feitas em
pedaços pelos islamistas. Mulheres foram obrigadas a despir-se
completamente e a andar em círculo acompanhadas por tiros e risadas dos
agressores. As vítimas em vão esperaram solidariedade de Yeltsin.
(ou do Prémio Nobel da Paz, Gorbachov)
Os noticiários omitiam os factos para "não excitar
ódios étnicos". A verdade foi escondida para que a
nação não exigisse uma ação de resposta.(24)
Antes de ser iniciada a guerra na Chechénia bandidos de todas as
nacionalidades foram acolhidos
(tática semelhante seguida na Síria e na Líbia)
, ante a passividade das autoridades. Em 1992, generais russos, cometeram um
ato de traição sem precedentes entregando a unidades ilegais
armamento, aviação, mísseis.(143, 147)
Durante os quatro anos de regência do separatista Dudayev na
Chechénia, procedeu-se à aniquilação da
população russa. Em 1994 registou-se o assassinato de 2000
cidadãos. A propaganda ocidental retratava estes "senhores da
guerra" como "combatentes da liberdade". (146, 149) Apesar do
rapto de mulheres, de crianças e adolescentes torturados e mortos pelos
"combatentes da liberdade" e isto ser do conhecimento de Yeltsin e da
sua equipa nada foi feito. Nem uma palavra contra Dudayev lhes saiu da
boca.(150)
A Arábia Saudita financiava estes gangs.(167)
Milhões de toneladas de petróleo foram roubadas e o lucro
depositado nas contas pessoais de Dudayev e dos seus apoiantes clandestinos em
Moscovo
(governo "liberal reformista" de Gaidar).
(148)
DR foi acusado criminalmente de fazer propaganda da guerra ao propor a
intervenção armada para defender cidadãos russos, o que
está previsto na ordem internacional e foi usado inúmeras vezes
pelos países da NATO.(261)
Jaba Iosseliani, um ladrão de bancos, tornou-se líder de um grupo
paramilitar na Geórgia pesadamente armado, famoso pelos massacres na
Abkásia.(95)
Em 2002 comandos dos EUA participaram nas agressões da Geórgia,
deteriorando de forma grave as relações entre a Rússia e
os EUA. (261) Em 2008, tropas da Geórgia treinadas por instrutores dos
EUA atacaram a Ossétia do Norte expulsando a população
russa. Em Beslan 350 crianças de uma escola foram mortas.(213 e 340).
As tropas russas intervieram e em cinco dias o exército georgiano
põe-se em debandada "para vergonha dos seus instrutores".
Toneladas de mentiras foram debitadas no Ocidente, acusando a Rússia de
uso de força desproporcional como se os bombardeamentos da NATO sobre a
Jugoslávia
(ou sobre o Iraque, Líbia, etc)
fossem "proporcionais".(341) Nas capitais europeias foram
organizadas manifestações contra a Rússia supervisionadas
pelos serviços secretos da Geórgia.(342)
Filofascistas declarados assumiram o poder na Roménia com apoio do
Ocidente(74). A ordem do governo de Moscovo para o exército estacionado
em Tiraspol foi: "não se envolver" perante a agressão
fascista romeno-moldava na Transnítria. Foi como proferir uma
sentença de morte para 150 mil habitantes. Em 22 de junho de 1992,
comemorando a agressão nazi contra a URSS a aviação
moldava bombardeou território russo.(83, 84). Nos Estado
Bálticos realizavam-se marchas de nazis e veteranos das Waffen SS. (89)
Em 2009, o presidente da Roménia, Besesku, assumia como seu ídolo
o ditador nazifascista Antonescu.(77)
Enquanto todas estas tragédias se desenrolavam o "Ocidente"
olhava para o lado e os "enviados especiais" dos media teciam loas ao
fim da URSS e acusavam e acusam o poder soviético de todas
as malfeitorias.
5 - A NATO, a UE e a atual russofobia
Em 24 de maio de 1941 escrevia Goebbels no seu diário: "A
Rússia deve ser dividida nos seus componentes. Não se pode
tolerar a existência a Oriente de um Estado tão vasto".
[2]
Este texto exprime o pensamento da atual russofobia, De facto, as teses de
Goebbels fazem escola no mundo dirigido pelo imperialismo.
Nos Estados Bálticos instaurou-se desde logo um poder fascizante,
assumindo-se não apenas contra a URSS, mas desde logo a russofobia
retirando direitos aos cidadãos russos, privando-os de direitos
políticos, fechando escolas, proibindo às crianças falarem
russo nas escolas.(86) Como afirmou a DR um diplomata de um dos Estados
Bálticos, seria uma forma do "seu pequeno país obter apoios
do Ocidente e da UE". Isto vai para além do cinismo.(89)
Em visita que realizei recentemente à Estónia, a guia
turística referiu-se assim à história do seu país:
"fomos independentes entre 1917 e 1944, quando fomos invadidos pelos
russos". Omitia que o seu país esteve ocupado pela Alemanha nazi,
donde partiram ataques à URSS e foram formadas unidades locais SS e
realizados massacres sobre a população. Na Finlândia, que
foi base nazi e participou na agressão contra a URSS, foi dada a mesma
versão da "invasão russa" em 1944. É esta a
visão NATO da 2ª Guerra Mundial: a libertação dos
povos da agressão e da barbárie nazi é transformada em
"invasão russa"...
A NATO assumiu pela primeira vez na sua história o direito de conduzir
operações fora da sua zona de responsabilidade. O papel da ONU em
todo este processo foi lamentável.(180)
As tropas da NATO despejaram na Sérvia 23 toneladas de urânio 238
empobrecido (depleted uranium), causando doenças por radiação a meio
milhão de pessoas. Porque é que os seres que protegiam as suas
casas da violência são levados a tribunal e não a NATO ou
os terroristas do Kosovo, verdadeiros criminosos.(185) A prisão de
Milosevic e Karadzic, deixa os liberais de Belgrado com uma permanente marca de
desonestidade. Esta a essência antinacional dos liberais.(186)
No final do século XX os EUA posicionaram-se a si próprios como
um hiperpoder que aspira a ter o monopólio sobre a
regulação global de processos de autodeterminação e
direitos de soberania. Washington empreendeu reajustar o mapa político
global atomizando grande países ou então diluindo a sua soberania
com organizações internacionais de cariz imperial, de que a NATO
é um exemplo.(329)
A expansão da NATO para leste é um projeto de natureza
essencialmente trotsquista que mina a Europa mais do que se nenhuma
ação fosse feita. O domínio sobre os países do
leste europeu não teve impacto positivo. A UE não está a
crescer, pelo contrário, está a reduzir-se num genérico
sentido cultural e espiritual. A segurança não foi
reforçada, pelo contrário saiu enfraquecida. Qualquer
ação é suposta ter um sentido e um objetivo. Qual é
o objetivo da expansão a leste: "Democracia, reforço dos
direitos humanos, etc?" Tudo isto é demagogia. A NATO é uma
aliança militar. Veja-se a crise permanente na Ucrânia e a
falência da Geórgia.(317, 318)
Os EUA e aliados assaltaram o Iraque provocando a morte a imensas pessoas.
Porquê? Será que podemos aceitar como razão para uma guerra
que uma nação não goste da outra? Esta guerra evidenciou
que se Saddam possuísse efetivamente armas de destruição
maciça os EUA nunca teriam enviado a sua tropa para lá. (319, 320)
Quanto à UE contemporânea, caracteriza-se por fraca força de
vontade e ausência de princípios. Os seus dirigentes são
apenas bombeiros que tentam apagar fogos políticos quando e se se
desencadearem. Têm falta de visão quanto ao futuro e de
memória histórica também.(47)
No conflito da Chechénia o Conselho da Europa e o Parlamento Europeu
assumiram o papel de instigadores do conflito.(237) Embora a
contribuição da Rússia correspondesse a 13% do
orçamento do Conselho da Europa limitava-se a poder enviar uma
delegação de 36 membros quatro vezes por ano, ás suas
custas, e serem tratados como colegiais sucessivamente falhados. A russofobia
levou mesmo a que fossem feitas propostas em diversas circunstâncias para
impedir a Rússia de votar e mesmo de falar da tribuna.(317)
A atitude de confronto, a cruzada em curso contra a Rússia não
ajudou a resolver um único problema internacional do Ocidente. Excesso
de fluxos de emigrantes, drogas ilegais, máfias, problemas ambientais,
desintegração moral.(323)
Não importa quão intensa seja a campanha para retratar o
nacionalismo russo como ameaça fascista. No meu país a ideologia
nazi nunca terá lugar: pagou um preço terrível 27
milhões de vidas humanas para libertar o mundo da peste castanha.
(117)
O nosso objetivo é prevenir a restauração do poder dos
anos 90 e da sua liberal roubalheira. (283) A Rússia tem os seus
próprios meios e métodos independentes de assegurar a sua
segurança. Não temos intenção de ceder a nossa
soberania nem entregar a salvaguarda da nossa independência a um tio do
outro lado do Atlântico.(321)
As relações de cooperação entre Estados têm
de se basear em princípios de igualdade, integridade, segurança e
confiança mútua. (322) A visão hipócrita da
comunidade global liderada pelos EUA deve ser tomada por aquilo que é:
uma manifestação de hipocrisia e um acessório das
ações de política estrangeira.(77) Na verdade, o cinismo
da NATO ultrapassa os piores cínicos deste mundo.(341) Contudo a NATO
nunca entrará em guerra contra a Rússia. Mas certamente há
um "se": se a Rússia permanecer um poder forte e soberano.
(326)
[1]
The hawks of peace
, Glagoslav Publications, Londres, 2013. Entre parêntesis os
números da páginas a que se referem os textos. Em
itálico algumas notas ou comentários aos textos de DR.
[2] Elena Rzhevskaia, O fim de Hitler, Ed. Arcádia, p. 50
A primeira parte deste artigo encontra-se em
https://v_carvalho/rogozin_resenha_1.html
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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