O planeamento económico democrático como alternativa (2)

O planeamento económico democrático como alternativa (2)

Daniel Vaz de Carvalho

PIBs em paridade de poder de compra.

4 - Condições e dificuldades do planeamento

O planeamento é fundamentalmente simples, mas difícil. Difícil porque a UE é uma estrutura do imperialismo que procura dominar a soberania e os processos democráticos dos países. Em vez da análise dos conceitos, objetivos e a forma de os alcançar, a fascização trazida pelo neoliberalismo recorre à propaganda e intimidação tentando impedir a formulação e divulgação de alternativas. Contra isto há que opor o esclarecimento e a vontade popular.

As críticas feitas ao planeamento e critérios de custos e benefícios sociais (C e BS) são a sua alegada falta de rigor e de se estar a introduzir “ideologia na economia”, como se a economia-política fosse uma questão de matemática associada a determinados postulados – dogmas ideológicos.

Ideologia e falta de rigor é justamente o que as políticas neoliberais representam. Que avaliação macroeconómica é feita ao conceder ao grande capital subsídios, redução de impostos, livre transferência de capitais e rendimentos para paraísos fiscais, enquanto os trabalhadores veem reduzido o seu nível de vida e prestações sociais, promovendo-se uma transferência de riqueza para rendas monopolistas, especulação e usura?

Só através do planeamento democrático é possível estabelecer um processo de transição de uma economia caracterizada pela estagnação e desequilíbrios estruturais para uma fase de desenvolvimento económico e social. Esta transição terá características próprias em cada país, conforme a sua situação económica, social e política, quer do ponto de vista estrutural quer conjuntural.

As contradições ligadas à maximização do lucro monopolista só podem ser ultrapassadas se a acumulação social se fizer de forma determinante no sector estatal, pois o Estado é a única entidade capaz de definir e contabilizar os C e BS de cada investimento e cada decisão económica – evidentemente, se proceder neste sentido.

O planeamento democrático foi posto de parte não só na prática mas também no conhecimento das suas bases e metodologias, adotando a ficção de que o valor económico é dado pelo "mercado" e não pela quantidade de trabalho produtivo incorporado.

O planeamento tem em primeiro lugar que eliminar os fatores de ineficiência, e destes estão à cabeça da lista a financeirização, as privatizações, a atividade económica determinada exclusivamente a partir dos interesses do grande capital, retirando ao Estado, não só os meios e a gestão dos processos necessários ao desenvolvimento mas também a hipótese de democracia, transformada em oligarquia/plutocracia.

É evidente que o controlo da economia, as funções económicas e sociais do Estado, exigem o equilíbrio das finanças públicas. Os objetivos do planeamento necessitam de recursos financeiros, ora o que mais se ouve é que o país não tem dinheiro. De facto, na "democracia liberal" a camada oligárquica é intocável, opõe-se à tributação da sua riqueza e a limitações às transferências para paraísos fiscais. Uma camada que coloca milhões em paraísos fiscais, obtém do Estado 1800 milhões de euros em benefícios fiscais; recebe pelas parcerias público-privadas 1500 milhões de euros num ano; empresas do grande capital têm de lucro 32 milhões de euros por dia; aos "residentes não habituais" são dados 1700 milhões de euros de benefícios (números citados pelo SG do PCP, Paulo Raimundo, na sua declaração sobre o OE para 2025).

O desenvolvimento só é possível numa sociedade com soberania monetária para tomar as decisões económicas que considere mais vantajosas. A soberania monetária significa não serem entidades privadas ou pseudo independentes, mas sim o Estado a regular a criação de dinheiro, isto é, crédito, a controlar a sua emissão e garantir que a sua utilização segue no essencial os objetivos previstos no planeamento e não os de entidades ao serviço da usura e especulação financeira.

Em termos marxistas, a questão consiste em determinar a relação entre as leis económicas objetivas existentes num dado contexto económico e social e as políticas económicas que os governos aplicam. O afastamento das segundas em relação às primeiras tem sempre um custo, pois não é impunemente que se ignoram as leis geradas pela realidade.

A ignorância ou o desprezo relativamente às leis económicas objetivas conduzem quer a desvios de direita quer ao aventureirismo esquerdista. Os desvios de direita, como o revisionismo social-democrata, não aceitam a capacidade de transformação dos contextos económicos e sociais, que podem ser alterados pela ação do planeamento democrático. Pelo contrário são privilegiados os "ajustes automáticos" do mercado, através dos quais o grande capital domina.

O voluntarismo e aventureirismo esquerdista, de que a direita também se serve, não aceita os processos de transição para estados económica e socialmente mais avançados, combate o marxismo e a economia planificada, alia-se ao divisionismo no combate à disciplina coletiva necessária ao progresso económico e social.

Exemplos de desprezo pelas leis económicas objetivas são o euro, tratados europeus e o objetivo federalista, constituindo um projeto imperialista que anula hipóteses de colaboração mutuamente vantajosa quer entre Estados europeus quer exteriores ao continente.

5 - O quê, quem, como, onde, porquê?

A primeira opção é o que fazer fazer. Isto decide-se tendo em vista a lei económica fundamental adotada:   ou maximização do lucro monopolista ou maximização dos benefícios sociais. Quem faz, tem que ver com as necessidades (efetivos e competências) em força de trabalho próprias e avaliação de subfornecedores, designadamente internacionais. Como fazer, significa a definição dos processos produtivos, tecnologias mais adequadas e como adquiri-las, nomeadamente programando a formação e competências da força de trabalho. Onde fazer, que recursos produtivos são necessários, que investimentos devem ser realizados. Uma última questão: porquê? Afinal, analisadas todas as possibilidades e constrangimentos, quer tecnológicos, financeiros, de mercado, há que justificar, na base dos C e BS adotados, a decisão entre as várias opções que se apresentam.

Qualquer plano só pode ter êxito, se contar com os recursos para a sua elaboração e concretização, destacando-se os recursos humanos, com a sua competência técnica e motivação. A motivação desenvolve-se se não houver contradição entre os interesses dos trabalhadores e os da organização em que se inserem e quanto maior for a compreensão do seu contributo para o desenvolvimento e progresso do país. Pelo contrário a precariedade, a redução dos direitos laborais, conduzem a uma motivação negativa, pois ninguém pode sentir-se realizado na insegurança.

A Constituição, mesmo expurgada de vários aspetos progressistas, pode definir uma visão para o futuro, isto é, o que se pretende como sociedade na base de uma economia mista, dentro de 5, 7, 10 anos, exprimindo o rumo e os propósitos que deverão integrar os esforços coletivos.

Em cada ministério, direção-geral, agente económico estatal, deverá ser definido como se concretiza a visão comum no âmbito da sua atividade, ou seja: qual a sua “missão”. Esta “missão” traduz-se por sua vez em “políticas”: as orientações, os meios, para realizar a missão no curto prazo, e em “estratégias”: o que fazer, como, quando e quem para a missão ser devidamente desempenhada e as políticas concretizadas com eficácia.

Por exemplo, a missão do ministro da agricultura ou a do ministro da economia, seria aumentar a produção, reduzir os défices da Balança Comercial de bens, tornar a produção nacional mais competitiva, mais eficiente. Quantificar estas grandezas, pois só se controla o que pode ser quantificado, e responder por isso. Definir as políticas e as estratégias necessárias, os objetivos de cada organismo, a serem auditados periodicamente – de forma didática e motivadora.

Atualmente vários ministérios mais parecem secretarias dos diretórios da UE, manietados pelos dogmas neoliberais. Uma política de aumento da produção exige que os organismos e entidades públicas sejam orientados para a dinamização económica, as atividades ligadas ao planeamento, a coordenação sectorial e o apoio às empresas. Daqui logicamente se conclui que o planeamento democrático só é efetivo se os sectores básicos e estratégicos forem controlados pelo Estado, se o papel do Estado na economia for determinante.

6 - Custos e Benefícios Sociais

O conceito de C e BS é necessário para ter em conta os objetivos económicos e sociais mais valorizados para progresso do país. As prioridades e a eficiência dos investimentos avaliam-se não exclusivamente pelo lucro empresarial, mas pela importância que apresentem, designadamente, na criação de postos de trabalho e sua qualidade; redução dos défices da BC; aproveitamento dos recursos nacionais; maior oferta de bens essenciais; redução das desigualdades; melhoria da estrutura produtiva e desenvolvimento tecnológico; redução dos desequilíbrios regionais; efeitos multiplicadores de determinados investimentos mesmo menos lucrativos.

Este conceito permite escolher entre as diversas alternativas a mais vantajosa para o país do ponto de vista social não só no imediato mas avaliando as suas consequências futuras, expressas no valor atualizado líquido (VAL).

Aqueles objetivos, de natureza qualitativa, têm em termos de avaliação de projetos serem quantificados. Esta metodologia, posta de parte pelo neoliberalismo, encontra-se tratada, por exemplo, em Guidelines for Project Evaluation da UNIDO, Project Appraisal And Planning dos economistas Little e Mirrless, Economic Analysis of Projects, World Bank. A OCDE publicou também um Manual of Industrial Project Analysis in Developing Countries, basicamente do ponto de vista empresarial, embora com interesse para a análise de C e BS de outros estudos.

A determinação dos coeficientes que vão afetar os fatores de produção e valorizar o produto obtido, não é arbitrária. Os trabalhos mencionados apontam metodologias para a sua quantificação por forma a serem garantidos equilíbrios básicos macroeconómicos. Por exemplo, o desejável aumento do nível salarial tem de ser equilibrado com um eventual aumento do défice da BC.

É também fundamental uma redefinição de relações comerciais externas, atualmente limitadas pelas sanções ilegais do imperialismo e suas guerras, tendo em vista as maiores vantagens para o país quanto ao desenvolvimento das suas áreas produtivas, não perdendo o controlo sobre a questão energética sem a qual não há desenvolvimento possível.

O desenvolvimento económico concretiza-se tanto mais e melhor quanto maior for a ligação entre os diversos sectores direta ou indiretamente produtivos, é isto que define a estrutura económica e a sua robustez, apoiada na indústria transformadora (industrialização) como o sector onde mais elevadas produtividades podem ser obtidas, essencial para o aumento do VA no conjunto da economia.

A realização de infraestruturas será outro polo de dinamização económica, sendo prioritariamente dedicadas a fomentar e complementar o desenvolvimento dos sectores produtivos. Destacamos infraestruturas como barras e portos (mesmo em comunidades piscatórias), requalificação, remodelação e expansão da rede ferroviária de transportes públicos (comboios, metropolitanos, elétricos rápidos).

Há ainda indústrias nas quais o país teve competitividade internacional e ainda possui bases relativamente sólidas para a sua recuperação. Referimos sectores com ampla procura mundial como redes de transporte coletivo e seus equipamentos; equipamentos para movimentação de cargas pesadas; produção, transporte e transformação de energia elétrica; industria eletrónica nos sectores da teletransmissão e centros de comando, entre outros.

Há sectores que pelo seu efeito multiplicador estabelecem polos de dinamização económica contribuindo para melhorar a estrutura produtiva para os quais deverão ser elaborados planos de desenvolvimento económico. Destacamos, as indústrias ligadas à agricultura e às pescas, as indústrias ligadas à floresta, as indústrias extrativas. As indústrias ligadas aos sectores primários têm fortes ligações quer a montante (químicas, metalomecânica, material elétrico, etc) quer a jusante (indústrias alimentares). No caso das florestas, a jusante podemos mencionar não só a produção de pasta e papel, mobiliário, cortiça, mas também indústrias químicas (resinas), cosmética, farmacêutica. São sectores onde existe um vasto campo aberto à investigação e inovação, com potencial na criação de postos de trabalho, desenvolvimento regional, impacto positivo na BC.

No que diz respeito às indústrias extrativas, a política de direita prossegue a sua entrega ao capital estrangeiro sem contrapartidas de transferência de tecnologia e transformação. O minério é exportado apenas numa fase preliminar de concentração, sendo refinado no exterior do país que perde assim a maior parte do VA e capacidade de desenvolvimento. É necessário que posições nacionais dominantes sejam assumidas na pesquisa, exploração e na transformação destes recursos.

Outros polos de dinamização e desenvolvimento económico são as indústrias químicas; a indústria naval; as indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e eletromecânicas e as indústrias de alta tecnologia (como a bioquímica, farmacêutica, micro eletrónica, telecomunicações, robótica, etc).

No campo tecnológico a direita deixou ao país um gravíssimo problema, a subordinação a interesses externos, com o argumento da "integração" supondo-os coincidentes com o interesse nacional. Não são, como evidencia a estagnação económica. O planeamento tem de prever o desenvolvimento de níveis tecnológicos qualitativamente novos designadamente nas áreas consideradas prioritárias como o aproveitamento dos recursos nacionais e o desenvolvimento industrial.

O desenvolvimento tecnológico sem o qual não haverá desenvolvimento económico com autonomia, exige o reforço das estruturas cientifico-técnicas do Estado e laboratórios associados, melhoria do seu nível tecnológico e capacidade de intervenção na economia produtiva. Exige resolver a situação de precariedade dos jovens licenciados, proporcionando salários adequados ao seu desempenho e importância, salários que na situação atual conduzem a uma hemorragia de inteligência pela emigração, típica de país colonizado.

A tecnologia não levou nem leva à redução das contradições do capitalismo nem reduz o domínio dos mercados pelas grandes transnacionais. Em capitalismo, o objetivo principal do desenvolvimento tecnológico é impedir a queda da taxa de lucro. Porém, como Marx mostrou, a taxa de lucro cai devido à natureza específica das inovações tecnológicas, devido à composição orgânica do capital. O sistema é cada vez menos capaz de produzir mais-valia por unidade de capital investido, um facto ocultado pelo aumento da taxa de exploração, mas que a orientação para atividades rentistas e o aumento das desigualdades revelam.

O desenvolvimento científico-técnico pode contribuir para a melhoria da condição das camadas trabalhadoras e dos povos, mas uma possibilidade não é uma realidade. Isso depende da economia-política seguida, dado que a tecnologia não predetermina por si só os objetivos da sua utilização. Tal só será possível com o planeamento económico democrático, baseado na avaliação dos custos e benefícios sociais.

18/Janeiro/2025

A primeira parte encontra-se aqui.

Este artigo encontra-se em resistir.info

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