A alternativa do planeamento económico democrático (1)

Daniel Vaz de Carvalho

Alquimia do capital, cartoon de autor desconhecido.

1 - Porquê

Numa época de crise e profundas mudanças, para além da necessária análise crítica às suas causas, torna-se prioritário apresentar alternativas. Neste sentido escutemos o incontornável (mas ignorado pela editoras portuguesas e – obviamente – pelos media) Michael Hudson:   “A ameaça representada à sociedade pelos interesses rentistas é atualmente o grande desafio das nações, para que os governos possam restringir a dinâmica do capitalismo financeiro e impedir que a oligarquia domine o Estado e se enriqueça impondo austeridade ao trabalho e à indústria. Existem essencialmente dois tipos de sociedade: economias mistas com freios e contrapesos públicos e oligarquias que desmantelam e privatizam o Estado, assumem o sistema monetário e de crédito, a terra e as infraestruturas básicas para enriquecer, sufocando a economia, não a ajudando a desenvolver-se". "O caminho alternativo é o capitalismo industrial de economia mista que leva ao socialismo".

O planeamento democrático do desenvolvimento é efetivamente uma real alternativa às políticas de direita. Em vez da competição, a cooperação no âmbito de uma economia mista e planeada, com o reforço do papel do Estado através do controlo público dos sectores básicos e estratégicos para a defesa da soberania nacional e do desenvolvimento.

A primeira questão é o que neste âmbito entendemos por democrático. No essencial, o planeamento democrático consiste no desenvolvimento baseado no progresso económico tecnologicamente avançado e na participação ativa dos trabalhadores neste processo, no seu interesse moral e material pelos resultados.

A orientação Leninista, que se torna fundamental relembrar, era que o plano fosse amplamente divulgado para que se continuasse a desenvolver, corrigir, prosseguir na base das indicações da experiência prática, para que todos os que tivessem suficiente experiência cientifica ou prática ensinassem aos demais as noções imprescindíveis para ser compreendido.

Compare-se com as políticas de direita em vigor na UE em que decisões fundamentais e mesmo tratados, são elaborados por uma burocracia enfeudada à oligarquia e postos em prática à revelia da participação popular como é flagrante exemplo a elaboração dos seus "planos de recuperação e resiliência", completamente frustrados.

A partir do momento em que a financeirização da economia passou a ser um dogma, a criação de valor é representada pelo lucro financeiro (renda) sob o lema de uma designada "democracia liberal" gerida pela maximização dos lucros mono e oligopolistas.

A financeirização da economia foi fator determinante da desindustrialização. Os lucros obtidos entram no circuito da especulação financeira e na concentração de capital com a da compra de ativos existentes, sendo recorrente o fecho de empresas ou alienação de partes, mesmo em empresas com razoável carteira de encomendas e resultados positivos, procurando maximizar a taxa de lucro de outra forma e noutros lugares.

A realidade contradiz as ilusões neoliberais. Os países foram levados a crises de endividamento, nada garante que os capitais estrangeiros correspondam a investimentos de acordo com as necessidades dos países, pelo contrário procuram sectores rentistas, privatizações, empresas existentes, para em muitos casos as fecharem ou reduzirem à situação de subsidiárias. A remessa dos resultados de exploração e benefícios fiscais para o exterior tornam o país rapidamente não recetor mas exportador de capitais. Tudo isto é escamoteado dos cidadãos. Na "democracia liberal" vale a propaganda de "analistas" e "especialistas" orientados por ideias comprovadamente erradas.

A opção portanto é entre maximização dos lucros monopolistas e a maximização de benefícios sociais, porém o lucro é um indicador muito pobre para o desenvolvimento das sociedades. Em particular o grande capital reage ao ROE (Retorno sobre Património Líquido) basicamente o lucro obtido pelos acionistas, em que o capital é transferido para sectores ou atividades de maior lucro a curto prazo. Chamam a isto "dinamismo empresarial", embora não seja o que mais necessário ou importante o país necessite para um desenvolvimento consistente. Lucros mais elevados nos sectores financeiro e monopolista representam menos rendimento para salários e outros sectores económicos, particularmente das MPME, acentuando a acumulação de capital fictício.

Neste sistema apesar do peso dos salários ser uma fração menor dos custos das empresas conforme a dimensão e o sector (em geral menos de 20%), a competição é basicamente feita à custa dos salários – austeridade – tentando repor equilíbrios que o sistema, errado nos seus princípios, não consegue manter. Assim, o grande capital transfere os riscos para o Estado resultando num capitalismo "subsídio dependente", enquanto 10% dos trabalhadores são mantidos abaixo do nível de pobreza.

A política de direita com as suas demagógicas campanhas anti Estado, defende primordialmente os interesses do grande capital. É a face escondida do "gastamos acima das nossas possibilidades" e "não há dinheiro".

2 - Uma questão central

Claro que não há economia moderna sem planeamento. A escolha é:   ou o planeamento económico é feito pelos "mercados", isto é, pela finança e pelos mono e oligopólios ou pelo Estado democrático ao serviço dos interesses do país e das populações, permitindo uma correta repartição do RN, o equilíbrio entre as condições para o desenvolvimento e as necessidades mais imediatas, estabelecendo um compromisso entre o consumo atual e o consumo futuro resultante do desenvolvimento económico e social.

É nas situações de crise que o planeamento é mais necessário. O planeamento democrático do desenvolvimento tem-se mantido quase que totalmente fora da discussão e da análise pública embora se trate de um aspeto central da rutura com a política de direita e uma determinação constitucional:
Art.º. 80 – A organização económico-social assenta nos seguintes princípios: e) Planeamento democrático do desenvolvimento económico e social;
Art.º. 81 – (Compete ao Estado) Criar os instrumentos jurídicos e técnicos necessários ao planeamento democrático do desenvolvimento económico e social;

Sendo o planeamento económico uma questão central em qualquer economia moderna, a questão é quem o faz, como e a favor de quem. Basicamente consiste na elaboração das atividades necessárias à concretização de determinados objetivos, definindo custos, prazos, meios humanos e materiais necessários. Distingue-se dos chamados "planos" que não são mais que listagens de objetivos, apoiados por "medidas", essencialmente "incentivos" ao grande capital, por forma a gerarem lucros considerados "atrativos". A especulação, o endividamento, as privatizações e a flexibilidade laboral, que trariam crescimento e emprego, fundamentam as ideias propaladas contra o planeamento, substituído por atrair investimento – não se trata de negociar, mas de "atrair" (!) – oferecendo mão-de-obra em precariedade, legislação laboral dificultando a contratação coletiva e "alívio fiscal” (!) ao capital.

Com o dogma anti planeamento do "comércio livre", tudo é feito para o Estado não ter controlo sobre as variáveis económicas, isto é, ter a soberania muito diminuída, dominado pelas grandes transnacionais e burocracia federalista da UE, colocando sob pressão salários e condições laborais.

Argumentam que "a longo prazo" irá representar mais riqueza. Falso. Representou desindustrialização, défices, divida, perda de soberania. Sem soberania, o investimento estrangeiro das transnacionais limita as potencialidades do país, dado que apenas elementos parcelares das tecnologias em causa são percebidos; a livre transferência dos lucros priva o país de recursos necessários para um desenvolvimento consistente com as suas necessidades produtivas e sociais; a pressão sobre os salários é constante.

Com a demissão do Estado na efetivação do planeamento económico os sectores produtivos sofreram um acentuado declínio, a agricultura e a indústria foram abandonadas aos interesses financeiros. Sendo a indústria transformadora um sector básico para o aumento da produtividade e desenvolvimento, o índice de produção da industria transformadora foi nos primeiros 10 meses de 2024, quase 4 pontos percentuais inferior ao índice de 2015 tomado como base 100. (Boletim Mensal de Estatística de novembro de 2024 e de fevereiro de 2021, INE). Dez anos de estagnação, mesmo retrocesso produtivo, sem perspetivas de melhoria, eis o que o sistema tem para oferecer.

A opção não está portanto num neoliberalismo recauchutado com alguma social-democracia. Não há via intermédia entre o planeamento democrático e a procura do "equilíbrio competitivo" da "economia clássica", máscara para o grande capital manobrar livremente. Há, sim, várias formas de planeamento económico democrático conforme o contexto económico e social em que se aplica.

Embora o planeamento apresente grande abertura de variantes e possibilidades, o princípio fundamental das opções deverá ser a máxima satisfação das necessidades sociais, como base para a resolução da estagnação e desequilíbrios estruturais. O planeamento deverá assim traduzir-se em objetivos visando, designadamente, o aumento da produção, o máximo aproveitamento dos recursos nacionais, a redução dos défices da Balança Comercial e desequilíbrios regionais, sendo elaborados programas de apoio tecnológico, financeiro e de gestão em particular para as MPME e Cooperativas.

Um plano de desenvolvimento económico e social implicaria o fim das orientações neoliberais e da financeirização, adotando-se uma política antimonopolista, uma das mais originais opções do projeto do 25 de ABRIL de 1974.

O planeamento não é dirigismo e burocracia. Dirigismo e burocracia é o que atualmente está a ser imposto pela burocracia da UE criando situações intoleráveis para os povos. A questão é que a vassalagem atlantista da UE e o foco federalista da burocracia não toleram alternativas que impliquem o assumir da soberania democrática.

Em vez do Estado assumir um papel determinante na gestão económica, a economia foi dominada por fundamentalistas para os quais o verdadeiro "risco sistémico" é a intervenção do Estado na economia produtiva, não a desregulação financeira e o "mercado livre". No entanto, os governos acabam por assumir os “riscos sistémicos” do lixo especulativo passando os custos para os trabalhadores. As consequências desta visão distorcida manifesta-se na privatização de infraestruturas públicas, sectores básicos e estratégicos subordinando-os à lógica do grande capital.

3 - Eficiência social

O planeamento económico, o investimento público, a avaliação de custos e benefícios sociais são uma base fundamental para o desenvolvimento, inclusive das MPME, reduzindo incertezas e dando uma perspetiva de médio – longo prazo, que permite às empresas estruturarem-se, desenvolverem-se, investirem, com segurança e em melhores condições.

A eficiência social, porém, não é um dado imediato ou de obtenção por fórmulas matemáticas. Trata-se da avaliação de objetivos socialmente prioritários, ajustados com base na experiência e nos resultados observados no decorrer da execução do Plano. Para isso há que por em prática processos, pouco falados e ainda menos praticados no campo macroeconómico, de Planear-Executar-Controlar-Agir.

Na execução das ações definidas no Plano estão implicados no geral numerosos intervenientes. É necessária a elaboração de procedimentos, ou seja, o conjunto de ações por forma a que as tarefas sejam executadas de forma correta para atingir os objetivos planeados. É necessária formação e qualificação dos executantes, auditorias, formação de auditores, sem o qual não é possível garantir eficácia e eficiência.

Tudo isto tem custos, leva tempo, necessita de pessoal motivado. Se a ideia é entregar o mais possível aos privados, voltamos ao início, quem e como se controla a atividade dos privados e as verbas gastas? Nesta solução o interesse do Estado é ultrapassado por "especialistas" que defendem prioritariamente interesses privados, algo que pouco preocupa os defensores dos "contribuintes" e do "dinheiro de todos nós". Quanto à pretensa "regulação" comprova-se que se torna inútil quando se trata de contrariar a liberdade do capital.

A planificação também não pressupõe a eliminação do mercado, isto é, as relações de troca baseadas na procura e na oferta, mas exerce um controlo e corrige a anarquia da produção e as leis de mercado que espontaneamente se geram na economia e conduzem, expandindo-se “livremente”, ao agravamento dos desequilíbrios, às crises, à formação de estruturas monopolistas.

Determinar as opções e ter plena capacidade para tomar as decisões mais adequadas ao desenvolvimento do país só pode ser efetuado pelo Estado democrático dotado de soberania. Neste contexto há que considerar relações externas alargadas sem constrangimentos imperialistas, estabelecendo acordos de cooperação internacional bi e multilaterais, para comércio externo, investimento, transferência e cooperação tecnológica. Podemos dizer, retomando Marx, que o comércio externo determina a forma social das nações atrasadas.

Uma estratégia de soberania nacional e eficiência social, apoiada por técnicas de planeamento e avaliação de projetos incluirá o que normalmente se designa por substituição de importações. No essencial, substituição de importações significa produção nacional de produtos importados. É este o conteúdo, dado que a BC reflete as principais carências produtivas e tecnológicas do país. A substituição de importações nada tem que ver com protecionismo nem se opõe à exportação. Deverá ser uma estratégia de desenvolvimento económico planeado, visando resolver ou minorar as distorções do sistema produtivo em relação às necessidades sociais.

A abordagem a esta realidade implica a definição de objetivos prioritários segundo critérios claramente definidos, tendo em conta as carências de maior peso na BC e as que podem comprometer a soberania, avaliadas de acordo com as capacidades reais e potenciais do país.

Outra dificuldade, tem origem no facto de que a compreensão e estudo das metodologias do planeamento e sua gestão foram eliminadas dos cursos universitários, sejam de economia, gestão, engenharia, substituídas pelas doutrinas neoliberais, deformando a mentalidade e as conceções de vida de gerações com teses comprovadamente erradas.

Sendo o papel do Estado, central neste processo, há que estruturar a função pública com força de trabalho altamente qualificada e motivada moral e materialmente a todos os níveis. Atualmente o funcionalismo público é tratado como um peso, que rouba riqueza ao país (não a oligarquia...) tratados quase como anti sociais - “só eles é que fazem greves”, o que é completamente falso - pouco faltando para serem acusados como a raiz dos males do país.

O planeamento democrático exige obviamente, coesão social, implicando a redução das desigualdades e portanto combater a riqueza improdutiva e as rendas monopolistas. Implica ajudar as famílias, recompensar o esforço, proporcionar uma vivência em segurança, isto é, com direitos sociais e laborais. Tudo o contrário do que o sistema vigente pratica e que a propaganda se coíbe de questionar.

(continua)

18/Janeiro/2025

Este artigo encontra-se em resistir.info

19/Jan/25

Estatísticas