por Daniel Vaz de Carvalho
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Pela vida cara. De todos contra todos, para que dure a idade de ouro
para a
propriedade. Pela apropriação dos outros. Por uma
partilha
equitativa dos bens celestes. Por uma partilha injusta dos bens
terrestres.
Bertholt Brecht, Ascensão e queda da cidade de Mahagony
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Será que podemos associar o trágico ao ridículo?
Ridículo com o sentido de caricato, mas também
desprezível. Brecht mencionou que a tragédia só se torna
compreensível tendo em vista a sua mudança. O que inspira a
Brecht cólera e piedade é que os seres humanos na sua cegueira
não vejam, não compreendam o que os reduz à
escravidão e se entreguem demasiadas vezes nas mãos dos que os
tiranizam.
[1]
Nas suas obras Brecht, como em
Mahagony, Mãe Coragem,
etc, defende esta posição. Um exemplo apenas, bem atual. Em
"Os dias da comuna", face à tragédia do seu fim e ao
massacre que se seguirá, entrelaça-se neste diálogo a
ligação dialética, porque contraditória, ao
ridículo, ao desprezível:
"Duquesa Senhor Thiers, eis o que vos vai fazer entrar na
imortalidade. Entregastes Paris à sua verdadeira proprietária, a
França.
Thiers Mas a França sois vós, minhas senhoras e meus
senhores."
É, afinal, este o papel que cumpre à direita e extrema-direita,
em nome da oligarquia e do grande capital acolitado pelo imperialismo.
Se considerarmos a realidade na sua totalidade, nas suas
contradições, encontramos o ridículo, o caricato, o
desprezível. Esquecer isto é perder a capacidade de a tornar
inteligível e eficaz para a compreensão das massas iludidas,
alienadas, exploradas pela política de direita e pela extrema-direita.
1 - A extrema direita
A extrema-direita nada mais tem para apresentar que uma teoria económica
e social o neoliberalismo totalmente fracassada na
prática, desacreditada teoricamente. Com a arrogância dos
ignorantes voltam os ressentimentos das massas populares exploradas, e isto
é que é paradoxal, pelas políticas de direita, para o
racismo, os emigrantes fugidos aos horrores dos conflitos à conta do
imperialismo, a corrupção, de que os principais aproveitadores
são a própria oligarquia.
A estupidez assertiva que debitam acaba por captar pessoas desinformadas
através da boçalidade da propaganda de que "os
políticos são todos iguais" menos eles os
"funcionários públicos privilegiados e parasitas dos
contribuintes". A consequência é a retirada de direitos e
rendimentos a todos os trabalhadores. Com a sua demagogia, capturam o
ressentimento para com os líderes burgueses tradicionais, de que
são aliás o expoente máximo por aquilo que defendem.
Todos os países onde a extrema-direita alcançou o poder viram a
situação das classes populares piorar. Nunca devemos esquecer que
não podem vencer sem o apoio do grande capital, nem sem alianças
com a direita.
[2]
O fascismo procura despertar emoções exacerbando sentimentos
negativos por vezes a partir de problemas reais, falseando as causas. Mas essas
emoções são na realidade contrárias aos interesses
das camadas populares, destinam-se a aumentar o grau de alienação
do proletariado. No seu ataque à democracia, denunciam a
corrupção, porém os próprios ou os seus mais
próximos estão atolados em corrupção. Assim
é da Rússia (com Navalny, por exemplo) ao Brasil, à
Ucrânia.
Quanto ao racismo é das teses mais estúpidas que se podem
inventar. Não há qualquer base científica para o racismo.
Os povos que o adotaram seguiram a via do ódio e do caos. As
diferenças de comportamento entre seres humanos devem-se a
questões culturais e pelos antagonismos que essas diferenças
possam criar, culpe-se o colonialismo e o imperialismo. O que o marxismo
propõe é a unidade dos proletários de todos países.
Os demagogos populistas recusam-se a abordar a desigualdade económica e
social. Não contestam a livre circulação de capitais, pelo
contrário defendem-na, nem os paraísos fiscais. Privilegiados
seriam os trabalhadores com direitos e quem os explora são os
sindicalistas.
E isto é que é trágico e simultaneamente ridículo.
É que tudo o que as camadas proletárias usufruem de direitos para
si e suas famílias foi conquistado no passado com o sacrifício de
camaradas seus em lutas que ignoram, muitas vezes desprezam, apanhados, com a
ajuda dos media, pela perversidade do vírus da extrema-direita que quer
anular esses mesmos direitos e espalhar o ódio aos que estiveram na
primeira linha nessas lutas: os marxistas.
A liberdade que a extrema-direita proclama é a liberdade para os
"super-homens", exercendo a violência a favor dos oligarcas,
algo como as "liberdades feudais" do passado, a liberdade dos que
só se sentem livres se puderem oprimir os mais fracos.
Liberdade, sim, mas que cada um se interrogue como, para quem e para quê.
A "democracia liberal" da UE, liberalismo na sua variante
"neoliberal" tem servido de esteio do fascismo para subjugar o
proletariado, repete o que é a história do liberalismo desde o
século XIX, a história de guerras de rapina, repressão,
massacres, crimes do colonialismo e dos fascismos. O liberalismo apoiou
Mussolini, abriu o caminho ao nazismo (sem esquecer o papel dos
sociais-democratas), apoiou e apoia neonazis e ditaduras neofascistas.
A tragédia nazi é o expoente máximo do fascismo, mas como
não ver nas encenações que Leni Riefenstal documentou o
ridículo, o absurdo de tresloucados que levaram aos povos as maiores
desgraças e crimes. Hitler, visto com distanciamento, como Brecht
recomendava, politicamente não passava de um palhaço (que me
perdoem estes trabalhadores do espetáculo). Mussolini nunca deixou de o
parecer.
2 - A política de direita
Na política de direita há que distinguir entre o PS, e os
partidos à sua direita. O PS, defende um neoliberalismo mitigado, mas as
suas opções "europeístas" não permitem ir
mais longe. À direita do PS, de que foi exemplo o governo PSD-CDS,
pretende-se um neoliberalismo puro e duro, evidenciado no seu projeto de
"ir para além da troika". As consequências em termos de
pobreza, desemprego, precariedade, mostram as consequências das
políticas de direita.
Os objetivos da direita distinguem-se da extrema-direita por esta os
radicalizar, não suportando restrições democráticas
e constitucionais. Alterar a Constituição já era um dos
desígnios do governo PSD-CDS, tal como reduzir o número de
deputados (a extrema-direita propõe 100...) forma de viabilizar essa
revisão. Não esqueçamos que a Constituição
fascista do salazarismo, garantia no seu artigo 7º, a liberdade de
reunião, associação e expressão, tudo eliminado por
legislação avulsa em nome da "segurança
nacional"
Os objetivos, duns e doutros quanto ao "emprego" não diferem,
faz-se rimar "liberdade" com precariedade, despedimentos
"livres", retirar força à negociação
coletiva. Significa instituir um maltusianismo, disfarçado com promessas
de apoios do Estado, ao qual se negam recursos e em que a riqueza está
concentrada num punhado de oligarcas que fogem, legal ou ilegalmente, aos
impostos. A desigualdade é vendida ao proletariado desinformado como
a"libertação" do papel do Estado e dos sindicatos.
Como afirma Michael Hudson uma classe cleptocrática tomou conta da
economia, à qual a política de direita entrega os povos.
Fizeram-no mentindo sobre as consequências do Comércio Livre,
desregulação financeira, austeridade. O neoliberalismo consagrou
a exploração capitalista sob o domínio da finança.
Os cidadãos vivem na insegurança, com receio de novas crises, do
colapso económico ou da estagnação, de mais austeridade e
desemprego. Uma sociedade que não é capaz de produzir e
distribuir a riqueza criada com justiça e equidade, fautora de guerras,
de caos, de êxodos populacionais.
Nos EUA em termos reais o salário mínimo cai desde 1968, mesmo um
aumento em 2009 não compensou a inflação. Um dos
argumentos é que aumentando-o iria prejudicar os trabalhadores mais
pobres que perderiam o emprego. Lá como cá, em que o
salário mínimo perde valor real desde 1976, as lágrimas de
crocodilo pelos pobres são recorrentes na defesa dos oligarcas.
Na Boeing, em consequência de acidentes com o modelo 737 que provocaram a
morte a 346 pessoas, além de outras situações de risco, as
suas perdas ascenderam a 12 mil milhões de dólares, sendo
apresentado um plano de redução de 30 mil postos de trabalho. O
seu presidente-executivo demitiu-se, prescindiu do salário na maior
parte do ano passado, porém em benefícios os seus ganhos
elevaram-se a 21 milhões de dólares.
[3]
Nos EUA, 2020 representou um desastre financeiro para 55% da
população. Contudo,
655 ultraricos detêm 4 milhões de milhões de dólares
, 200 milhões não conseguem cobrir uma despesa de 1 000
dólares. Em 2020, a nível mundial os
ultraricos aumentaram a sua riqueza em 3,9 milhões de milhões
de dólares, enquanto os trabalhadores perderam 3,7 milhões de
milhões. Segundo a
BBC
o aumento da riqueza dos 10 homens mais ricos do mundo durante a pandemia
cobriria o custo da vacinação de cada pessoa do planeta.
Com a pandemia ou com as intermináveis crises, o neoliberalismo apenas
cria mais desigualdade e empobrecimento das massas populares, perante o
continuado enriquecimento da oligarquia. As grandes farmacêuticas
fazem enormes lucros à custa da saúde dos cidadãos.
Em 2019,
a Pfizer proporcionou 8 400 milhões de dólares em dividendos
. Só com a venda da vacina esperam um lucro de 4 000 milhões de
dólares.
A política de direita promove tudo isto, como sendo a
compensação pelos benefícios que proporcionam aos povos.
É a instauração de um neofeudalismo.
A GALP, dos 4 183 milhões de euros de lucros que obteve no
período 2009/2019 distribuiu, aos seus acionistas, 3 542 milhões
de euros em dividendos à custa dos preços leoninos que
impõe. Em 2008, o governo PS, aprovou a concessão à GALP
de um benefício fiscal que custou ao Estado 211 milhões de euros
de receitas de IRC perdidas.
[4]
Para não variar, há agora ocaso da EDP, com manobras que
dificilmente se podem considerar legais fugiu a 110 milhões de euros de
impostos com a venda de barragens, já de si com um lucro escandaloso
relativamente ao que tinham pago ao Estado. Pela cedência de 27 barragens
o Estado recebeu 700 milhões de euros, por seis a EDP recebeu 2,2 mil
milhões. São as vantagens das privatizações (para
quem?) eixo político central da direita e da extrema-direita.
A direita e a extrema-direita querem um Estado regulador na economia e
repressivo para os trabalhadores. É ridículo haver quem embarque
nesta vigarice. Parece que nunca ouviram falar nos "riscos
sistémicos", nem dos "demasiado grandes para falirem",
nem no verdadeiro conluio do Banco de Portugal, auditores, consultores, que
encobriram fraudes e má gestão na Banca, nas
privatizações, nas PPP.
Pelas conceções da direita e extrema-direita, o Estado não
pode gastar mais do que tem, ao mesmo tempo que propõem a
redução de impostos que devem ser "iguais para todos",
preferencialmente indiretos. Para a direita e extrema-direita, os impostos
progressivos de acordo com o nível de rendimento, são
considerados revolucionários e marxistas (claro que podem ser!). Sem
temer a contradição, querem privatizar as funções
sociais do Estado, fazendo promessas de apoios sociais aos sem recursos
sem concretamente definirem a quem se referem.
À tragédia da pobreza que a política de direita produz em
grande escala, contrapõe-se e o ridículo do luxo da oligarquia,
com seus iates de 30 ou mesmo 60 milhões de dólares, jatos
privados, indústrias que produzem bens luxuosamente supérfluos.
Eis o ridículo dos ultraricos, à sombra do poder imperial, um
sistema em declínio, mergulhado em crises permanentes,
intermináveis guerras que não pode vencer, que os povos detestam
e que prega ambientalismo enquanto as suas ações destroem o
ambiente.
Demagogos, tentam aproveitar-se do que há de negativo e desagregador na
sociedade, exacerbando consequências, escamoteando causas, fazendo isso
passar sinceridade. O proletariado desinformado é seduzido pelas suas
diatribes, sendo levado a seguir emocionalmente algo que não sabem
sequer o que irá ser e que os marginalizará.
3 Os media
Os media promovem, salvo raras exceções, a agenda neoliberal e
imperialista. Os "comentadores" não analisam as causas,
escamoteiam-nas ou deturpam-nas, servem-se dos seus efeitos para atacar tudo o
que tenha um aspeto progressista. Uma verdadeira censura, está
estabelecida para que esta agenda não saia dos limites impostos pelo
poder hegemónico. Aliás a comunidade verdadeiramente defendida
é a oligárquica, fora disto temos sobretudo os
fait divers,
para distrair.
A calúnia faz parte do arsenal da direita e da extrema-direita,
espalhando rancores, quando não ódios, com a
deturpação histórica ou da atualidade, do que se passou e
passa em países que seguiram ou seguem vias progressistas.
Tomemos por exemplo, o designado PREC, o período revolucionário
em Portugal em 1974 e 1975, de avanços revolucionários, liberdade
e direitos políticos, sociais e laborais, melhoria das
condições de vida, aumento da produção
agrícola pela Reforma Agrária, controlo das alavancas
fundamentais da economia pelo planeamento e nacionalizações. Ora,
este período é apresentado nos media como uma época de
caos e perseguições que a direita e extrema-direita diz terem
sido provocadas pela "ditadura militar marxista".
O trágico e ridículo de tudo isto é que o que ocorreu na
realidade foi o terrorismo da extrema-direita. Em Portugal, entre maio de 1975
e meados de 1977, com a cumplicidade da direita e com o PS e a extrema-esquerda
a tomarem como inimigo principal o PCP, foram cometidas quase 600
ações terroristas: bombas, assaltos, incêndios,
espancamentos, atentados a tiro. Mais de uma dezena de mortes, dezenas de
feridos, milhares de pessoas perseguidas, aterrorizadas, às quais ou
às famílias não foi dada qualquer
compensação ou satisfação. Quando se escamoteia ou
deturpa o que se passou está-se a abrir caminho à extrema-direita.
Os cidadãos recebem propaganda disfarçada de análises
políticas, sociais ou económicas, da parte de
"comentadores", que estão há anos no essencial a
defender políticas de direita e extrema-direita. A
linguagem
utilizada segue o padrão da chamada "comunidade
internacional" tal como definida pela NATO.
O caso Julian Assange, confirma tudo isto: culpado de, como jornalista,
denunciar crimes do imperialismo encontra-se preso em condições
que
configuram tortura
num presídio de alta segurança. A sua saúde, já
muito fragilizada, corre perigo. Media, jornalistas e respetivos sindicatos
ignoram-no. A sua fachada de gente séria, as suas loas à
"liberdade de informação" tornam-se ridículas.
Em contraste, Navalny, um elemento da extrema-direita, antes estudante da
Universidade de Yale nos EUA, foi promovido a democrata para fomentar uma
"revolução colorida" na Rússia. Os media
pintam-no como um "democrata liberal" perseguido. Na realidade
é um racista que já tinha aparecido a
discursar com neo-nazis e skinheads
, contra "as hordas de imigrantes legais e ilegais".
Navalny, um corrupto condenado por desvio de 400 mil rublos, teve em 2011 a sua
correspondência eletrónica tornada pública por um hacker,
mostrando que
é um ultranationalista financiado pela norte-americana NED
(National Endowment for Democracy).
Assange continua preso. O julgamento do recurso por parte dos EUA continuava
pendente. Nem sequer a liberdade condicional lhe foi concedida. Como é
que um jornalista pode dizer-se sério ignorando isto?
Bem, é ridículo, desprezível, mas compreendemos que
têm de ganhar a vida, só que há outras formas e com
dignidade. Olhem para aqueles que no passado lutaram por todos nós.
O trágico (e também sem dúvida ridículo) é
que os oligarcas, donos dos principais media e da finança, têm
tido sucesso a espalhar desinformação, promovendo
alienação, criando
lumpen
proletariado.
Contra isto, é cada vez mais necessário o esclarecimento
militante, a formação da consciência cidadã e de
classe.
(continua)
[1] As referências a Brecht provêm de "Bertolt Brecht, sa vie,
son art, son temps" Frederic Ewen, Ed. Seuil 1973.
[2] Jean-Luc Mélenchon: a única barreira anti Macron/Le Pen
resistir.info/franca/melenchon_30jan21.html
[3] Chris Sweeney,
www.rt.com/op-ed/516482-boeing-incidents-public-trust/
[4] Eugénio Rosa,
resistir.info/e_rosa/galp_02jan21.html
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