por Daniel Vaz de Carvalho
1 A religião da descarbonização e os seus
teólogos
A religião tem os pastorinhos de Fátima, Bernardette de Lourdes
em França, Maria Goretti e Gemma Galgani na Itália, Santa
Faustina Kowaslka na Polónia, os ecologistas do CO2 têm a sua
santa Greta
Não se lhe conhecendo nenhuma referência
científica no complexo âmbito da climatologia, as suas
extáticas revelações devem ter origem em qualquer
divindade, talvez nórdicas, talvez de Washington.
No seu
twiter
, Greta fazendo-se eco da
CNN
, que anunciava que as emissões da China em 2019 excediam as do conjunto
das nações desenvolvidas
relatava: apesar de ser a segunda maior economia do mundo ainda é
um
país em desenvolvimento segundo a OMC, no entanto não tem
desculpa para a sua responsabilidade na destruição do planeta.
É pena que os deuses da Greta não lhe revelem que as
emissões de CO2 per capita eram nos EUA 16,16 toneladas, na China
6,86
[1]
A climatologia corresponde a um complexo cientifico que inclui nomeadamente
paleontologia, física e geofísica. Não sou especialista em
climatologia, mas também não são os que defendem a
descarbonização. Dizem seguir o consenso da comunidade
científica. Não é verdade. Não há sobre este
tema um consenso na chamada comunidade científica, na qual muitos dos
que apoiam a tese da descarbonização nem sequer são
cientistas e muito menos climatologistas. Comportam-se como teólogos
defendendo os seus dogmas, tudo o que se opõe às suas
convicções é ignorado.
Recordemos que em setembro de 2019, um conjunto de
500 cientistas
e profissionais de 13 países enviou uma carta ao
secretário-geral da ONU contestando a doutrina da
descarbonização, que a ignorou completamente.
O climatologista prof. emérito
Marcel Leroux
, afirmava em 2007 que 95% do efeito estufa deve-se ao vapor de água. O
CO2 representa apenas 3,62% do efeito estufa. Só uma pequena
proporção pode ser atribuído às atividades humanas,
com um valor total de 0,28% do efeito estufa total, incluindo 0,12% para o CO2.
O metano (CH4) tem um potencial de efeito de estufa 60 vezes superior ao CO2 e o
óxido nitroso (N2O), quase 300 vezes superior.
Os fanáticos da descarbonização conscientemente ou
não colocam-se ao serviço de interesses que mascaram os problemas
ambientais que afligem o planeta, erigindo em dogma as atuais políticas
da descarbonização, fugindo ao contraditório da
análise e discussão destes temas com cientistas devidamente
habilitados.
2 As contradições da descarbonização
A concentração de CO2
na atmosfera tem aumentado desde o final do século XVIII, registando-se
períodos frios ao longo deste tempo, designadamente nos anos 40 do
século XX. Também não é explicável pela
concentração de CO2 a existência de períodos quentes
no passado, como o que levou no
século IX e X os vikings a instalarem-se na Gronelândia (a Terra
Verde).
Entre 1150 e 1300, na Europa central e ocidental prevaleceu um período
quente fértil e próspero. Os períodos frios foram
historicamente épocas de escassez tornando mesmo inabitáveis
áreas do Norte da Europa.
Na Idade Média os glaciares dos Alpes eram mais pequenos que atualmente.
Os modelos climáticos adotados para descarbonização
não explicam estas variações.
A chamada "temperatura média mundial" aumentou em 0,74º
Celsius entre 1906-2005, mas na realidade não se pode falar em
"temperatura global" como o demonstra
um estudo cientifico que contradiz a doutrina canónica do efeito de estufa
(Energy & Environment, 2018, vol. 29(4), pgs.613-632). Nas regiões
interiores da Sibéria, a temperatura média não subiu de
1930 a 2010, registando-se nos invernos de 2000 e 2005-2006, recordes de frio e
neve. Também, no interior oeste norte-americano as temperaturas
médias foram em 2010 quase 1º Celsius mais baixas do que nos anos
trinta.
O aquecimento é observado em regiões sob influência
oceânica, tendo sido detetado um aumento da temperatura média
inferior a 1º Celsius, por causas que não são conhecidas em
detalhe. Se o aumento da concentração atmosférica de CO2
fosse a causa das alterações climáticas o aumento da
temperatura deveria manifestar-se da mesma maneira em todas as regiões
do planeta, costeiras ou continentais, pelo que a doutrina do efeito estufa
não faz grande sentido.
A descarbonização permite iludir todo um conjunto de problemas
ambientais como a poluição dos solos, do ar, dos rios e do mar,
etc. Segundo a organização da ONU para a biodiversidade (IPBES)
um milhão de espécies estão à beira de
extinção. Desde 1960, 680 espécies de vertebrados, 559
raças domesticadas de mamíferos para a alimentação;
mais de 40% das espécies anfíbias, um terço dos
mamíferos marinhos, etc.
[2]
A
pegada ecológica
excede em mais de 50% o que o planeta permite. Isto apesar de 70% da
população (adulta) dispor apenas 2,7% da riqueza mundial.
Não é seguramente o consumo destes que provoca o excesso de carga
ambiental. O mesmo não se poderá dizer dos 8,6% que
dispõem de 85,6% da riqueza mundial. (OXFAM 2017) Calcula-se que
após 2030 serão necessários dois planetas para satisfazer
as "necessidades" existentes, isto é, os excessos. Mas nisto
pouco se fala e ainda menos se age.
De facto, a tese da descarbonização é propalada pelos
mesmos que fazem propaganda aos "black fridays", a modelos de consumo
compulsivo e desperdício. Os jovens são tanto mobilizados contra
o CO2, como insistentemente seduzidos para adquirem novos artefactos
eletrónicos, para basicamente mesmas funções.
3 A agricultura industrial e o "comércio livre"
Esqueçamos tudo isto e vamos admitir a tese da
descarbonização: de que o CO2 seria responsável pelas
alterações climáticas. Ora as floresta são o grande
meio de fixação de CO2, recupera-las seria a melhor forma
não só de capturar CO2, mas também aumentar a
biodiversidade. Estudos têm mostrado que quanto maior a biodiversidade,
melhor a captura e armazenamento de CO2. Não seria lógico que
fosse esta a prioridade?
A agricultura industrial é a grande responsável pela
desflorestação, em particular das espécies
autóctones e portanto do aumento na atmosfera de CH4, N2O e CO2. Por ano
são cortadas 15 mil milhões de árvores. As áreas
naturais, incluindo as florestas tropicais, são metade do que eram em
1940. A Amazónia está em vias de reduzir-se em 75% da sua
área de origem até 2030.
[3]
As florestas tropicais têm sido dizimadas desde há décadas
pela agricultura industrial e pastagens de gado. Milhares de toneladas de
metano e óxido nitroso são o resultado desta
exploração intensiva ao mesmo tempo que o ciclo de
regeneração do CO2 é drasticamente reduzido.
Centenas de milhões de hectares de floresta tropical foram
destruídas para a produção de óleo de palma, soja,
pastagens, nomeadamente para as transnacionais do hambúrguer. Metade do
solo fértil atualmente cultivado é sobrecarregado com culturas
intensivas e produtos químicos, como os pesticidas, perdendo
húmus, fungos, microrganismos, tornando-as estéreis.
A agricultura industrializada destrói habitats naturais
auto-sustentáveis, elimina as produções locais
substituindo-as por monoculturas em grande escala com vistas à
exportação a milhares de quilómetros, influi decisivamente
na degradação da biodiversidade; água é retirada de
outros locais afetando sistemas naturais.
Provoca ainda o êxodo rural, elimina a agricultura familiar
sustentável e é fator de encarecimento dos bens alimentares.
Devido à exaustão, 500 milhões de hectares de terra foram
abandonados.
[2]
As culturas intensivas, os OGM e plantas híbridas requerem muito mais
água e produtos químicos do que a agricultura tradicional
familiar sustentável.
O trabalho escravo (divulgado pelo caso de Odemira), está difundido na
UE, mas é uma realidade escamoteada pelos media, apenas reconhecida
quando se torna público, como devido aos contágios COVID.
Porém os "comentadores" aproveitam para acusar o Estado, nunca
o conjunto de parasitas, alojados na intocável "iniciativa
privada", mesmo esclavagista.
A aquacultura tornou-se também um grave problema de
poluição dos oceanos, juntamente com os plásticos.
Doenças das populações de peixes, obrigam a
antibióticos e desinfetantes, o alimento para estas reservas é
capturado às toneladas retirando alimento às espécies
selvagens. Além disto são destruídos habitats costeiros
(mangues, sargaços).
O comércio livre e a globalização neoliberal, defendido
pelos adeptos da "descarbonização"são em grande
parte responsáveis pelas emissões que contestam. Originam a
movimentação de milhões de camiões, dezenas de
milhares de navios e que percorrem permanentemente mares e estradas, a que se
somam em tempos normais milhares de aviões e a frota de pesca e recreio.
Os transportes públicos foram privatizados e/ou deixados degradar
promovendo o transporte privado de mercadorias e o automóvel individual.
4 As "soluções" da descarbonização
A questão do CO2
foi centrada nos automóveis ligeiros e nas energias alternativas.
São meros álibis para reforço das estratégias
capitalistas. É o caso dos automóveis elétricos e das
energias renováveis. Apresentados como panaceia para a
descarbonização,
os veículos elétricos podem
provocar uma catástrofe ambiental.
Não passam de uma falácia com impactos ambientais, componentes
altamente consumidores de recursos e intensos agentes poluidores,
designadamente as baterias e sua reciclagem, além dos custos que
só serão evidenciados quando o Estado retirar os
subsídios. Assim, com a saturação do mercado
automóvel a descarbonização vem mesmo a calhar
No sector da energia passa-se algo semelhante. Com o fim da vida útil
das centrais térmicas, refinarias, etc., e da redução da
sua rendibilidade as empresas teriam de realizar elevados investimentos
antes feitos pelo Estado para se manterem no negócio. Nada disso,
vão receber subsídios para investimentos em energias alternativas.
As energias renováveis, privatizadas e subsidiadas pelo Estado,
têm constituído efetivamente um rendoso negócio para os
oligopólios da eletricidade.
A questão é calcular como vão ser satisfeitas as
necessidades energéticas atuais e futuras e a que preço. Segundo
a Agência Internacional de Energia divulgou no seu relatório anual
em 2019 o consumo global de energia aumentará 50% até 2050 e as
energias renováveis não serão suficientes.
Segundo o
Banco Mundial
11% da população mundial não tem acesso à
eletricidade.
O dogma da descarbonização está à margem do
cálculo macroeconómico e das consequências sociais. Sem
energia abundante e barata, como vão poder desenvolver-se, em particular
os países ditos em vias de desenvolvimento? Tudo aponta que estas
estratégias provocarão ainda maior desigualdade entre
países e estagnação no subdesenvolvimento e
dependência dos mais pobres.
Nada disto importa aos oligarcas da "democracia liberal" que
vêm na descarbonização mais uma forma de viverem à
custa do dinheiro do Estado. Na UE pretende-se, no âmbito de um "
Acordo Verde Europeu
" (previsto ser apoiado em 1 milhão de milhões euros em dez
anos), alcançar a neutralidade carbónica em 2050, reduzindo a
partir de 2030, 50% a 55%, as emissões. Lembremos que a UE representa
9,6% das emissões mundiais
.
O Atlantic Council, defendia que o capital privado deve ser mobilizado para
"evitar as mudanças climáticas. "Agora vemos
oportunidades de negócios e investimentos atraentes e rentáveis
em alternativas de baixo carbono". A
New Climate Economy
estimou que ações ousadas sobre as alterações
climáticas resultariam em oportunidades económicas de 26
milhões de milhões de dólares e 65 milhões de novos
empregos, até 2030. Uma
análise
do Banco Mundial recomendava que milhões de milhões de
dólares mantidos em fundos de pensão e outros investidores
institucionais, fossem aplicados em investimentos considerados verdes.
No fundo, trata-se de promover mais uma "destruição
criadora" que o capitalismo necessita periodicamente para resolver as suas
crises e aumentar a taxa de lucro, garantido por subsídios e apoios
públicos (ou pela guerra). Com esta perspetiva o grande capital e a
direita deixaram de atacar os "fundamentalistas do ambiente" e ei-los
ecologistas anti CO2.
Outro negócio da "oportunidade climática" é o
mercado de licenças no âmbito da descarbonização.
Como sempre, a tese é que o mercado resolve tudo a quem?
mantendo os países mais pobres no subdesenvolvimento, sem acesso a
energias menos onerosas, enquanto as transnacionais vão poder continuar
a desflorestar e a produzir a milhares de quilómetros dos centros de
consumo, porque dá mais lucro.
Os EUA com pouco mais que 4% da população mundial consomem
anualmente 25% dos recursos mundiais e geram resíduos na mesma
proporção. Seria o último modelo de sociedade que um
ambientalista promoveria, mas os ecologistas do CO2 nada de concreto dizem sobre isto.
Refira-se a
cimeira da alteração climática
, na qual as grandes promessas são sobretudo retóricas, visto que
o Pentágono continuará a ser a maior entidade poluidora da Terra.
5 Em Portugal, a paranoia da descarbonização?
A paranoia é uma perturbação mental caracterizada pela
tendência para a interpretação errónea da realidade
em consequência de desconfiança extrema que pode chegar ao
delírio. Não estou habilitado a fazer destes diagnósticos,
mas é o que parece com a descarbonização.
Em Portugal, as emissões de CO2 per capita são das mais baixas da
Europa:
[1]
(valores de 2017): 5,32 ton; Espanha 5,89; França 5,33;
Alemanha - 9,52; Itália 5,79; Áustria 7,89;
Finlândia - 8,11; Dinamarca - 6,06; Bélgica 8,71;
Suécia 4,27; Noruega 8,23; RU 5,82.
Perante isto, pretende-se fechar a refinaria de Matosinhos e respetivo complexo
petroquímico. A sua produção representa cerca de 1
milhão de euros por dia, parte exportada, parte para a indústria
nacional. Estes produtos passarão a ser importados. Quais as
consequências para a Balança Comercial? Quais as
consequências para a competitividade das indústrias que
terão de importar aqueles produtos? Quais as consequências ao
nível do emprego dos trabalhadores da Galp e empresas subcontratadas?
O balanço global em termos de emissões de CO2 irá aumentar
devido ao transporte de matéria-prima para o consumo nacional. Os media
do sistema fazem vista grossa a este crime económico e
ambiental.
Na UE existem 90 refinarias, esta capacidade vai manter-se praticamente
intacta. De acordo com a Galp, o Complexo Matosinhos emite apenas 1,8% das
emissões de Portugal que, por sua vez, emite
0,14% das
emissões mundiais.
Repete-se o processo de desindustrialização e perda de
produção agrícola a troco de subsídios, aquando da
entrada na então CEE. Perdeu-se indústria química,
metalomecânica, metalurgia, a siderurgia foi reduzida ao mais elementar
o carril para linhas ferroviárias terá de ser importado.
Agora, à conta dos subsídios para descarbonização
preveem fechar refinarias, petroquímicas, centrais elétricas. O
fecho de Matosinhos é apenas o início. Neste contexto,
em 2020, a GALP em vez de realizar investimentos, distribuiu 580 milhões
de euros aos acionistas.
A produção perdida terá de ser importada ou deixa de ser
exportada. Claro que então a direita estará atenta para criticar
os défices (que promove) na BC e as funções sociais do
Estado para minorar a pobreza dos desempregados e reformados, exigindo as suas
"reformas" neoliberais.
5 Final
Segundo David Attenborough, a agricultura regenerativa podia ajudar a
tornarem-se de novo produtivos espaços esgotados e reter 20 mil
milhões de toneladas de CO2,
[2]
54% das emissões de CO2 em 2019
[3]
Para serem coerentes os promotores da descarbonização deveriam
combater drasticamente a agricultura e pecuária industriais e a
globalização neoliberal, lutando contra a "sociedade de
consumo", a sociedade do desperdício, impulsionada pela
"economia de mercado".
A defesa do ambiente implica combater a depredação capitalista,
que ameaça destruir o planeta e coloca mesmo a espécie humana em
risco. A sinceridade ou a eficácia dos diversos movimentos ecologistas,
pode ser aferida verificando a posição que tomam:
-
Perante a globalização neoliberal.
-
Perante a agricultura industrializada.
-
Perante as desigualdades no interior de cada país e entre países.
-
Perante as guerras de agressão e ameaças de guerra imperialistas.
Os problemas ambientais são uma questão política.
É neste contexto que se deu a expansão de certos partidos
ecologistas, ou tidos como tal, bem comportados para o sistema, ditos
"moderados", que fazem da descarbonização a prioridade,
pretendendo resolver os problemas ambientais por meio de "reformas" e
"mudança de mentalidades", isto é, deixando
intocáveis as causas. Longe de contestarem o sistema responsável
pela degradação ambiental, procedem à sua camuflagem.
Dir-se-á que a agricultura da pequena propriedade familiar não
é viável. Mas o que significa ser viável? A verdadeira
viabilidade será a satisfação das necessidades humanas de
forma sustentável para a vida na Terra, o que exige outro modelo de
sociedade, não baseado na maximização do lucro, mas sim na
maximização dos benefícios sociais e por
consequência também ambientais. Ou seja: uma sociedade guiada
pelos princípios do socialismo.
[1]
CO2 and Greenhouse Gas Emissions - Our World in Data
. Emissões de CO2 da queima de combustíveis fósseis
para produção de energia e cimento. As consequências das
mudanças nos usos do solo não estão incluídas.
[2] Uma vida no nosso planeta, D. Attenborough, Ed. Bertrand
[3]
S09_FossilFuel_and_Cement_emissions_1959.png (2431×1539) (icos-cp.eu)
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