O FMI na Ucrânia
Em 27/Março/2014 o FMI divulgou os traços gerais dos seus termos
e condições para empréstimos e outras medidas destinados
à economia ucraniana. O que significam aqueles termos e
condições é menos um resgate da economia ucraniana do que
o anunciar de uma depressão económica como a grega para a massa
do povo ucraniano.
A economia da Ucrânia entrou claramente numa recessão, a sua
terceira desde 2008, em algum momento no segundo semestre de 2013. Algumas
estimativas recentes da provável contracção da economia em
2014-15 variam de 5% a 15% em termos de declínio do PIB.
O texto do
"IMF Standby Agreement with Ukraine"
divulgado em 27 de
Março reconhece a actual grave instabilidade económica da
economia ucraniana. O que deixa de reconhecer, contudo, é como o pacote
do FMI impactará ainda mais adversamente aquela economia.
O acordo proposto pelo FMI fala em US$14 a US$18 mil milhões de apoio
financeiro a serem fornecidos ao longo dos próximos dois anos, 2014-15.
Outros US$9 mil milhões potenciais virão de outros países,
embora de forma ainda não especificada. O Banco Europeu de
Reconstrução e Desenvolvimento aparentemente fornecerá
US$2 mil milhões daqueles US$9 mil milhões. Presumivelmente o
pacote da ajuda americana e torno dos US$1-US$2 mil milhões agora
actualmente a tramitar no Congresso dos EUA representa mais um elemento dos
US$9 mil milhões. Os US$5 mil milhões dos restantes US$9
milhões de financiamento não-FMI ainda não estão
identificados.
O total de US$27 mil milhões está bem acima dos US$15 mil
milhões que eram falados nas semanas anteriores pela imprensa
pública e mais dos que os US$20 mil milhões que a Ucrânia
pediu ao FMI no fim de 2013 uma indicação de que a
economia tem estado a deteriorar-se mais rapidamente do que o informado a
partir do princípio de 2014.
Em artigos anteriores sobre a situação económica da
Ucrânia há algumas semanas, o autor deste texto estimara que pelo
menos US$50 mil milhões seriam necessários para estabilizar a
economia da Ucrânia nos próximos dois anos. Aquele número
pode mesmo elevar-se em 2015.
A declaração de 27 de Março do FMI trata do que considera
as mais importantes fraquezas económica da economia ucraniana que exigem
atenção imediata e concentrada. Aquelas fraquezas incluem o
actual défice comercial da Ucrânia, suas reservas de divisas
internacionais em declínio rápido
[NT]
, seu défice
orçamental e o défice do orçamento da sua companhia
nacional de gás de propriedade do Estado, a Naftogaz.
O FMI estima que o défice comercial da Ucrânia
(exportações menos importações) em cerca de 9% do
PIB (US$17 mil milhões por ano) é devido à
estagnação das exportações. O que o FMI
propõe a fim de resolver isto é permitir que a divisa da
Ucrânia continue a "flutuar mais livremente". A divisa
ucraniana até então em 2014 já caiu 26% em
relação ao dólar. Assim, a ideia é permitir que a
divisa decline ainda mais. Em teoria, isso tornará as
exportações ucranianas mais competitivas e por sua vez
reduzirá o défice comercial. O problema é que
também resultará numa ascensão drástica do custo
das importações e portanto inflação para as
famílias ucranianas. A política do FMI de promover ainda mais
declínio da divisa significará, por outras palavras, ainda mais
inflação interna, atingindo primariamente as famílias e
portanto menos gastos das mesmas com outros bens e serviços.
Permitir que a divisa decline ainda mais sugere que a política do FMI
é no sentido de o banco central ucraniano não intervir
agressivamente nos próximos meses para apoiá-la nos mercados
globais. Isso liberta mais dos fundos do FMI para pagamentos de serviço
de dívida a bancos ocidentais pelos empréstimos actuais e
passados. Como indica a declaração do FMI, "grandes
reembolsos de dívida externa assomam em 2014-15". O montante dos
pagamentos da dívida é estimado em US$6,2 mil milhões.
Assim, as família ucranianas pagarão em parte a dívida aos
bancos ocidentais tendo de ajustar-se a inflação mais alta e
reduzindo seu gasto real.
Uma vez que US$6,2 mil milhões do pacote total do FMI de US$27 mil
milhões irão para pagamentos do serviço da dívida
ao ocidente, isso também significa que potencialmente restarão
apenas US$21 mil milhões do salvamento do FMI para estimular a economia
ucraniana. Mas a palavra chave aqui é "potencialmente", desde
que muito menos do que os US$21 mil milhões irão realmente para a
economia e serão compensados por muito mais "retirados"
pelo acordo com o FMI.
Uma injecção líquida do FMI de US$21 mil milhões
é uma ilusão económica. Eis porque:
Em primeiro lugar, a economia da Ucrânia declinará devido ao
pacote do FMI porque as suas medidas exigem grandes mudanças nas
políticas monetária e orçamental do país que
arrefecerão, não estimularão, a economia ucraniana.
Exemplo: a declaração do FMI pede uma política
monetária que tenha em vista "estabilidade de preços interna
mantendo ao mesmo tempo uma taxa de câmbio flexível". Isso
significa que ao banco central, o Banco Nacional da Ucrânia (BNU),
será exigido reduzir a ofertar monetária do país e
portanto elevar taxas de juros internas, como parte de "uma estrutura
objectivando a inflação nos doze meses seguintes para ancorar
firmemente expectativas inflacionárias". Traduzindo o jargão
económico, isso significa que a política do BNU e do FMI de
elevar taxas de juro enfraquecerá a economia a fim de compensar
pressões inflacionárias esperadas das importações
que ocorrerão com um novo declínio da divisa. Essa
política de alta da taxa de juro destinada a compensar a esperada
inflação importada deprimirá mais uma vez a economia real.
E isso traduz-se numa nova perda de empregos quando os negócios cortarem
a produção devido à ascensão dos custos com juros.
Mas isso ainda não é nem a metade. As medidas do FMI não
só resultarão em aumento da inflação importada como
produzirão ainda maiores pressões inflacionárias devido
aos termos ditados pelo FMI quanto ao gás natural da Ucrânia. As
estimativas são de que os preços do gás natural
aumentarão em 79% devido ao aumento de 50% nos preços do
gás ditado pelo FMI. Simultaneamente, quando os preços do
gás escalam
os subsídios ao mesmo para as famílias serão totalmente
removidos ao longo dos próximos dois anos,
segundo o FMI.
Tem-se informado que os subsídios ao gás para as famílias
equivalem a 7,5% do PIB da Ucrânia. Assim, eliminar subsídios ao
gás significa uma redução no consumo de US$6,5 mil
milhões por ano, pois as famílias terão de reduzir outros
consumos para pagar agora pelas altas do preço do gás e a
remoção gradual dos subsídios.
Essa remoção gadual dos subsídios e o aumento de 79% dos
preços do gás significa um corte de US$13 mil milhões no
consumo real durante dois anos, 2014-15. Isso reduz em US$13 milhões os
restantes US$21 mil milhões do pacote do FMI, deixando apenas US$8 mil
milhões de potencial líquido para estimular a economia real.
Contudo, essa ainda não é o quadro completo do impacto negativo
do acordo com o FMI sobre a economia ucraniana.
O FMI também reclama reformas na "Política
orçamental", ou aquilo a que chama a necessidade de
"implementar ajustamento orçamental mais profundo" que
"reduzirá o défice orçamental para cerca de 2,5% do
PIB em 2016". Esse corte de 2,5% no orçamento representa outros
US$4,5 mil milhões de cortes nos gastos anuais total do governo
ucraniano (e/ou aumentos de impostos), presumivelmente em cada um dos dois anos
seguintes.
Os cortes nas despesas sem dúvida virão de reduções
de emprego no governo e cortes nos salários para os trabalhadores
remanescentes. Eles sem dúvida incluirão cortes profundos no
sistema de pensões afectando todos os reformados, os quais alguns
estimam que significará cortes em pensões de até 50% em
2016. É possível que US$4,5 a US$9 mil milhões em
redução no défice do governo ao longo dos dois anos
signifiquem altas nos impostos sobre vendas para famílias consumidoras
quando os impostos sejam cortados para os negócios, uma vez que a
declaração do FMI de 27 de Março também clama por
"medidas para facilitar o reembolso de IVA para os negócios".
Na sua declaração de 27 de Março o FMI não
especificou os cortes de empregos, salários e pensões que exige.
Está claramente à espera que o governo interino ucraniano inflija
esses ferimentos sobre si próprio e o povo ucraniano, a seguir aos quais
a administração do FMI aprovará o acordo oferecido.
Em resumo, o documento de 27 de Março reclama o pagamento de US$6,5 mil
milhões de serviço de dívida aos bancos e prestamistas
ocidentais durante os próximos dois anos. Além disso exige a
redução dos subsídios ao gás para as
famílias em outros US$13 mil milhões mais a remoção
total dos mesmos. E indirectamente apela ao governo ucraniano para cortar
despesas em pelo menos US$8 mil milhões (2,5% do PIB) durante os
próximos dois anos na forma de cortes de empregos e
salários na função pública e reduções
no pagamento de pensões de prováveis 50% para a generalidade dos
reformados.
A soma de tudo isso, não é surpreendentemente, é em torno
dos US$27 mil milhões. São US$27 mil milhões de gastos e
estímulos retirados da economia real ucraniana por
imposição do FMI. Por outras palavras, quase os US$27 mil
milhões que o FMI supostamente providenciará para o PIB segundo o
anúncio de 27 de Março. O que significa que famílias
ucranianas pagarão pelos US$27 mil milhões do pacote do FMI com
preços de gás mais elevados, eliminação de
subsídios ao gás, cortes em empregos e salários no governo
e grandes reduções no pagamento de pensões.
Mas os US$27 mil milhões não são realmente um
"compromisso equilibrado". São realmente um estímulo
negativo para a Ucrânia devido à concordata com o FMI. É de
recordar que os US$6,2 mil milhões em pagamentos de serviço da
dívida a saírem para o ocidente não terão qualquer
impacto positivo sobre o PIB da Ucrânia. Assim, acima de tudo, são
realmente apenas os US$21 mil milhões líquidos do FMI "para
dentro" contra os US$27 mil milhões ucranianos levados "para
fora" da economia pelas exigências do FMI. Mas mesmo US$21 mil
milhões "in" contra US$27 mil milhões "out"
não é ainda a verdadeira estimativa líquida.
Os US$27 mil milhões retirados reflectem um "efeito
multiplicador" da despesa da família consumidora que é muito
maior dos que os US$21mil milhões de injecção interna
líquida do FMI na Ucrânia. Se se assumir de modo conservador um
efeito multiplicador de 1,5, o montante retirado da economia ucraniana e
superior a US$40 mil milhões ao longo dos próximos dois anos
uma quantia maciça uma vez que o PIB da Ucrânia em 2012
não era mais do que US$175 e estava em estagnação em 2013.
Naturalmente, os US$40 mil milhões "saídos" são
ajustados pelos US$21 mil milhões entrados e seu efeito multiplicador.
Mas enquanto os US$40 mil milhões "saídos"
verificar-se-ão com certeza, não há garantia de que toda a
injecção de US$21 mil milhões do FMI venha realmente a
acontecer.
Uma parte daqueles US$21 mil milhões sem dúvida serão
"postos de lado" pelo banco central ucraniano para reforçar
suas reservas de divisas estrangeiras, hoje em torno de apenas US$10 mil
milhões ou menos. Algo dela será utilizado para apoiar
negociantes ucranianos na compra de importações europeias de bens
intermediários, que se prevê aumentarem de custo
significativamente à medida que a divisa da Ucrânia continue a
declinar. E algo da mesma irá para empréstimos do BNU a
negociantes ucranianos que entesourarão o dinheiro e não o
utilizarão para expandir a produção. Tudo isto significa
que não mais do que a metade da injecção líquida de
US$21 mil milhões do FMI afectará realmente a economia real
ucraniana. Dadas estas "fugas", os efeitos multiplicadores das
injecções do FMI sem dúvida demonstrar-se-ão
negativos. Não é irrazoável assumir que não mais do
que uns US$10 mil milhões líquidos dos US$21 mil milhões
do FMI entrarão como estímulo na economia real da Ucrânia.
Isso deixa não mais do que uns US$10 mil milhões de
estímulo líquido durante dos próximos dois anos,
compensados por um "multiplicador" de US$40 mil milhões de
reduções na economia real durante os mesmos dois anos. Uma
redução líquida de US$30 mil milhões no PIB da
Ucrânia em dois anos, ou cerca de US$15 mil milhões por ano,
representa um declínio cumulativo no PIB de pelo menos 18%. E isso
é uma Depressão como na Grécia.
Ao absorver a economia ucraniana na Eurozona, esta última está
com efeito a tomar sob a sua asa económica uma outra
"Grécia" e "Espanha". E como no caso destas
economias, aqueles que pagarão não serão os banqueiros nem
os negociantes multinacionais e sim o povo ucraniano. Mas isso é a
história essencial e repetida e o legado global dos acordos com o FMI
durante as últimas três décadas.
[NT]
Se as reservas de divisas do BNU estão em "rápido declínio", as de
ouro já se foram de vez após o
confisco efectuado na calada da noite pelo New York Federal Reserve
. Os media corporativos que se auto-proclamam como "referência" não noticiaram
este roubo.
[*]
Autor de
Epic Recession: Prelude to Global Depression
(2010) e
Obama's Economy: Recovery for the Few
(2012), Pluto Press. Seu sítio web é
www.kyklosproductions.com
e o seu blog é
jackrasmus.com
.
O original encontra-se em
www.counterpunch.org/2014/03/28/ukraines-imf-deal/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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