Numa rara entrevista aos media ocidentais concedida pelo líder da
República de Donetsk, Zakharchenko, a Bloomberg deu-lhe "tratamento
completo". Ao assim fazer a Bloomberg pode na verdade ter violado o direito
internacional e cometido crimes contra a humanidade e contra a paz.
O artigo de hoje naquela publicação dos EUA é realmente
particularmente instrutivo. Ele mostra como os EUA e os atlantistas europeus
tentarão tornear as reais violações ucranianas do Acordo
Minsk II e do cessar-fogo. Os EUA e seus agentes directos e indirectos a
trabalharem nos media ostensivamente"privados/independentes" (mas de
facto controlados pelo estado) estão a criar o pretexto para utilizar a
resolução do Conselho de Segurança da ONU que ratifica o
Acordo Minsk II contra aqueles aos quais ele favorece: aqueles cujas
vitórias no campo de batalha o tornaram possível. Além
disso, no mínimo eles estão a fomentar um clima interno
[belicista] e a
estabelecer o discurso nacional a fim de justificar coisas que violam o direito
internacional.
Os media ocidentais fazem isso adulterando palavras de Zakharchenko de modo a
que se ajustem a uma tremenda mentira. Especificamente fazem-no retirando o que
ele disse do contexto e a seguir inserindo suas palavras no contexto
ficcional por eles inventado.
Do modo como apresentam as coisas, não teremos dúvida em ouvir
que "o próprio Zakharchenko" disse que pretendia desde o
princípio romper o cessar-fogo.
Se não ficar insultado ou colérico pelo que passa por
notícia, análise ou comentário no ocidente então
sugerimos que leia por si próprio
"Gunfire in Donetsk as Rebel Leader Refuses Ukrainian Unity"
.
Nesta revisão, destacaremos alguns dos enganos e partes mais desonestas
e mais perigosas do artigo da Bloomberg. Na medida em que estes artigos
são
utilizados para encorajar o público dos EUA a apoiar o governo
estado-unidense a aumentar suas guerras ilegais no mundo, trata-se de crimes de
guerra tal como entendidos pelo precedente estabelecido em Nuremberga e pelos
processos subsequentes do Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, nas
décadas seguintes.
Naturalmente, de acordo com a teoria da "arrogância em gotas",
mesmo as moscas a berrarem "acusações" enquanto
pousadas no carro de guerra da história, tal como o autor do artigo,
Stefan Kravchenko, corporificam a arrogância imperial que tem sua origem
no topo máximo. Pode passar desapercebido a estes criminosos, grandes e
pequenos, que as suas calúnias não são diferentes daquelas
que levaram
Julius Streicher
à forca.
Sim, as condenações em Nuremberga não foram apenas dos que
estavam no comando militar, ou de decisores políticos mas
também os dos media. Devemos recordar que Streicher, tal como Joseph
Goebbels, só escreveu palavras. Eles apenas criaram um discurso que
justificava guerras agressivas de conquista.
Os patrões dos media americanos acreditam claramente que estão do
lado vencedor da história, assumindo de modo arrogante que nunca
terão de prestar contas pelos seus crimes documentados.
Mas com o poder estado-unidense agora em declínio, estamos a
aproximar-nos
rapidamente de uma época em que vários homens de estado e
magnatas dos EUA terão de enfrentar julgamento semelhante ao de
Nuremberga, sob a observação da comunidade internacional.
Será uma época importante para a verdade e a
reconciliação.
O Acordo Minsk II verificou-se num momento em que milhares de inocentes estavam
a ser mortos pelas Forças Armadas Ucranianas (FAU) e foi
posteriormente ratificado por uma resolução do Conselho de
Segurança da ONU. Trabalhar para solapar este acordo para a paz
consagrado pela ONU é claramente um crime contra a humanidade e um crime
contra a paz, o que constitui crime de guerra. Neste contexto podemos ver o
que é de facto o melhor cenário de fim de jogo para aqueles nos
media que são culpados de crimes contra a humanidade e crimes contra a
paz, o que possivelmente inclui Kravchenko e seu patrão, a Bloomberg.
É muito importante compreender como os media estado-unidenses conduzem
sua propaganda. Um dos métodos primários é a
destruição da língua inglesa. A gramática e as
palavras são muito importantes, pois definem conceitos
específicos. Quando palavras e gramática são
sacrificadas, os próprios conceitos e pensamentos que estas representam
são também destruídos.
Além disso, quando o contexto crítico é subtraído,
o resultado empobrecido é uma forma de linguagem que reduz a capacidade
cognitiva do leitor. Faz-nos estúpidos.
Certamente, desde pelo menos a semana passada, temos visto um ligeiro aumento
no volume de notícias de confrontos. Em torno do Aeroporto de Donetsk tem
havido muitas centenas de feridos do lado das FAU,
segundo informações da RPD
. Não só alguns destes confrontos ocorreram entre as
várias forças que combatem a favor da Junta de Kiev e os
revolucionários no Donbass, mas também entre os vários
grupos da Junta de Kiev. Na verdade, está confirmado que só na
semana passada as FAU tiveram várias escaramuças graves com a
OUN
na semana passada.
Ao ler o artigo da Bloomberg, algumas coisas saltam à vista como
críticas na definição da narrativa estado-unidense. Uma
das principais "tácticas" utilizadas para inventar esta
narrativa é combinar só tangencialmente factos relacionados e
citações numa única sentença ou parágrafo.
Estes factos e citações podem nem mesmo estar correlacionados,
mas são apresentados como se estivessem e
até mesmo como relações causais.
Outras mistificações também eram gritantes, algumas
eram uma questão de manipulação
(spin),
outras de omissão. Outras ainda envolviam a utilização do
equívoco, uma respeitada falácia lógica nos media
ocidentais. Escolhemos algumas para destacar do artigo a fim de ajudar a melhor
vacinar o público quanto à espécie de guerra de
informação que está ser travada pelos media dos EUA contra
o seu público. Nossa esperança é que nossos leitores
considerem útil desenredar o facto da ficção. A coisa mais
frustrante ao desvendar mentiras e desinformação é que
requer mais texto e esforço para desvendá-las do que para
fazê-las.
Amostra I
"As possibilidades de guerra em plena escala agora são "muito
altas, 90 por cento" após dois meses de trégua, disse
Zakharchenko no seu gabinete no centro da cidade, aspirando seu terceiro
cigarro Parliament da entrevista. Uma submetralhadora desmontada jazia numa
estante junto a ícones religiosos. "O inimigo está
activamente a preparar-se para acções ofensivas,
reforçando posições na linha de frente".
O "inimigo" a que se referia é o governo da Ucrânia, o
país a que a sua região seccionada pertencia até ao ano
passado quando a insurgência pró russa turvou a questão. As
Nações Unidas dizem que o conflito ceifou mais de 6.000 vidas.
Este também mergulhou a Ucrânia na crise económica e levou
as relações da Rússia com os EUA e aliados ao ponto mais
baixo pós Guerra-fria.
Deixando de lado as conotações enviadas aos leitores ocidentais
para os quais fumadores, portadores de armas e religiosos devotos são
pessoas altamente questionáveis (e aparentemente Zakharchenko
dispõe de todas as três características, a par de
David Koresh
), as primeiras mentiras reais estão contidas no segundo
parágrafo.
Para começar, o "inimigo" a que Zakharchenko se refere
não é o "país" Ucrânia em si. País
é um termo vasto e ambíguo, mas claramente expressões como
"ame o seu país, não o seu governo" não
são construções possíveis se os termos forem
sinónimos.
Isto pode parecer discussão de filigranas para os suficientemente
anestesiados ou para aqueles cujo
Adderal
foi gasto, mas estas distinções são extraordinariamente
cruciais e críticas para o modo de entender o direito internacional e
especificamente o Acordo Minsk II (o qual alguns combates podem estar a violar)
e o modo como é entendido por aqueles que o assinaram. Estas
também são
distinções importantes que não devem ser ignoradas por
aqueles na
Bloomberg, cuja circulação é de quase um milhão.
Leitores da Bloomberg utilizam a informação providenciada para
entender o mundo e para apoiarem ou se oporem a iniciativas do governo, que
vão desde o relativamente banal até o extraordinariamente grave,
tal como fazer guerra.
Na medida em que Zakharchenko se refere aos militares da Ucrânia, suas
funções existem dentro da constituição, isto
é, do estado e não do governo, o qual inclui também
várias brigadas voluntárias não governamentais e
batalhões tais como as OUN, Pravy Sektor, Aidar e Azov. Estas são
compostas por elementos que são parte do estado (como cidadãos)
mas não parte do governo em si. Governo é uma
função do estado; todos os cidadãos são parte do
estado mas nem todos os cidadãos são membros do governo. Um
estado possui soberania, ao passo que poderes de governo são derivados
do estado. Estados têm, por exemplo, como no caso da Ucrânia, uma
constituição.
Os governos vão em vêm, são eleitos e saem por
disposições na constituição. Tipicamente, como no
caso da Ucrânia, para um governo mudar a constituição e
permanecer um governo constitucional, deve derivar esta autoridade do estado.
Em repúblicas democráticas, tais como a Ucrânia antes do
golpe, esta autoridade é normalmente derivada do povo, o qual é
parte do estado como cidadãos. Os processos para mudar
constituições deste tipo, tal como criar novas
constituições cria um novo estado, são muitas vezes
chamadas referendo.
Se bem que estas distinções possam parecer tediosas à
partida, a questão da destruição da linguagem feita pela
Bloomberg destina-se a combinar dentro de "uma mesma
sensação" um bocado de conceitos realmente distintos, tanto
em termos práticos como legais. Dentre eles estão os direitos de
cidadãos se insurgirem contra a criação inconstitucional
de um novo estado por um governo fantoche instalado por um patrocinador
estrangeiro e um golpe organizado.
Se um governo muda a constituição através de meios
inconstitucionais, portanto introduzindo um novo estado o qual remove sua
fundamentação da cidadania, ele não é mais um
governo constitucional. Cidadãos, historicamente e na lei, são
considerados como tendo o direito de se rebelarem utilizando força, de
resto e tipicamente reservada para a auto-defesa, contra uma
usurpação inconstitucional de poder, como se verificou na
Ucrânia.
Também há um conjunto de mercenários e turistas do
conflito a combaterem na região. De facto, informações
até à data de violações de Minsk II dizem que estas
são executadas por estes agrupamentos voluntários que combatem do
lado da junta de Kiev. O Acordo Minsk II exige especificamente que estes sejam
desmantelados. É igualmente concebível que Zakharchenko se refira
a estes agrupamentos ilegais e não ao estado que sanciona e ao governo
que controla os militares da Ucrânia (as FAU).
Muitos dos nossos leitores fora dos EUA apreciarão instantaneamente a
distinção entre governo e estado. Um corolário aqui
é a medida em que Poroshenko é o Comandante Supremo em Chefe dos
militares do estado ele tem este poder, segundo os rebeldes, como o
chefe de um governo que ganhou o controle dos militares do estado em
consequência de um golpe inconstitucional contra o estado. Esse governo
fez uma nova constituição, a qual faz do "estado da
Ucrânia" um "novo estado".
A Bloomberg, ao defender junto ao público os envios ilegais dos EUA de
armas e treinadores para a Ucrânia, faz aqui um truque de
prestidigitação: a utilização da ambiguidade
(equivocation)
em que as palavras "governo" e "país" são
utilizadas como sinónimos. Agora estas categorias muito importantes para
o entendimento desta crise patrocinada pelos EUA (a diferença entre
governo, estado e país) foram embrulhadas em conjunto à moda
orwelliana.
Dito isto, a utilização da expressão "turvou a
questão" na mesma sentença em causa é uma
projecção clássica. Turvar a questão é
precisamente o que esta passagem, na verdade todo o artigo, faz melhor. De
facto, a utilização desta expressão é extremamente
bizarra a insurgência "pró russos" turvou a
questão é o que gramaticalmente esta sentença nos instrui
a inferir. Isto é circular, porque logicamente a própria
questão é a da insurgência e suas causas. O que
literalmente está a ser dito é que a questão se turvou a
si própria. O autor tenta quebrar nossas capacidades cognitivas nas
rochas da tautologia. Literalmente, o autor disse que a existência da
insurgência turvou a questão do (entendimento?) da
existência da insurgência.
Na última sentença, dizem-nos que "Também mergulhou a
Ucrânia numa crise económica...". Assim, com esta
sentença somos instruídos a escolher entre "as NU" ou
"o conflito", sendo "o conflito" [a opção]
mais razoável.
E este ponto é evidentemente falso a dívida de 15 mil
milhões de euros com que a Ucrânia arcava foi uma das causas do
facto de Yanukovich voltar-se para a Rússia em Novembro de 2013, a qual
por intermédio da China obteve um salvamento
(bail out)
daquele montante. A UE e o Banco Mundial declararam-se incapazes de ajudar
nisto de qualquer maneira significativa, com qualquer ajuda de balança
de pagamentos, reestruturação de dívida ou outras
alternativas de pagamento sobre o empréstimo do FMI. Mesmo
o FMI o declarou em Dezembro de 2013
:
"A economia ucraniana tem estado em recessão desde meados de 2012 e
a perspectiva permanece desafiadora. Em Janeiro-Setembro de 2013 o PIB
contraiu-se em 1 ¼ por cento anuais, reflectindo a procura mais baixa por
exportações ucranianas e investimentos em queda. Os preços
no consumidor permaneceram estáveis, sendo responsáveis pela
diminuição dos preços alimentares e endurecimento da
política monetária. A procura externa fraca e a competitividade
enfraquecida levaram o défice posterior de transacções
correntes em 12 meses elevar-se em cerca de 8 por cento do PIB no de Setembro
apesar de uma redução significativa nas importações
de gás natural. O alto défice da conta corrente em meio a um
ambiente do mercado internacional menos favorável pressionou as reservas
internacionais, as quais caíram abaixo do equivalente a 2 ½ meses
de importações no fim de Outubro de 2013. Sob as políticas
actualmente planeadas, um crescimento modesto deveria retornar em 2014,
conduzido por melhorias na procura externa, fortes exportações de
cereais e a continuação da expansão do consumo. Contudo,
esta perspectiva está sujeita a riscos significativos, decorrentes do
mix político inconsistente e à elevação da
incerteza política e económica nas últimas semanas.
Isto já era assim com um rácio dívida-PIB de mais de 40%.
A Bloomberg tenta reescrever a história e confundir causa com efeito.
E quanto à nossa insurgência "rebelde"? Porque a
existência da insurgência "turva a questão" da
existência da insurgência, ficamos incapazes de perguntar porque
exactamente a "turvada" insurgência declarou
independência em relação ao novo estado da Ucrânia.
Na verdade, o contrato social foi rompido por Yatsenyuk e Turchinov sob as
ordens dos EUA. O novo estado da Ucrânia é uma entidade ocupada
ilegalmente, sob administração estado-unidense. As palavras
"golpe", "apoiado", "financiado",
"étnico", "limpeza", "assassínio",
"morto" e "inconstitucional" não aparecem nem uma
única vez num artigo que pretende discutir o pensamento de Zakharchenko.
Na verdade, isto é uma questão "enturvada".
Amostra II
"A Ucrânia também é o país que, sob o
cessar-fogo de Fevereiro acordado em Minsk por negociadores internacionais,
finalmente recuperará as regiões rebeldes de Donetsk e Lugansk,
embora sob estatuto especial. Enquanto a trégua tem em grande medida
sido mantida em meio a acusações mútuas de
violações pelos dois lados, Zakharchenko permanece desafiante.
"Ninguém quer voltar para a Ucrânia sob pretexto algum",
diz Zakharchenko acerca da reunificação. "Não posso
mesmo imaginar isto a acontecer. Desacordos fundamentais entre nós e
Kiev não estão a desaparecer. De facto eles tornam-se mais fortes
a cada dia".
Sim, a Ucrânia é um país na área geográfica
onde há tanto um estado da Ucrânia como um governo da
Ucrânia. Como já vimos, o termo "país"
também é intencionalmente vago.
Um país por definição pode referir-se a um estado
soberano, ou a uma área de terra sob ocupação, ou a um
estado anteriormente soberano sob ocupação estrangeira.
Além disso, "país" pode referir-se a uma parte de um
estado que é disputada por dois ou mais estados.
Donetsk é, confirmadamente, um país que contesta permanecer no
estado da Ucrânia. Contudo, a palavra "país" não
aparece em lugar algum no Acordo Minsk II e é clara a razão
porque esta falácia ambígua foi empregue pela Bloomberg. A
Ucrânia é um país sob ocupação estrangeira
pelos EUA, o qual tomou o controle do governo e trouxe à
existência um novo estado. É contra este estado, e não o
anterior estado da Ucrânia, que os rebeldes estão a
"rebelar-se".
A Bloomberg interpreta mal o Acordo Minsk II, enganando os leitores que em
grande parte estão nos EUA. Os recursos à sua
disposição, a equipe de juristas que trabalha para eles o tempo
todo em outras áreas e a relativa facilidade de encontrar o texto do
acordo (está na Wikipedia) bem como a linguagem clara como está
escrito, pode significar só algumas coisas. No contexto das outras
omissões e distorções deliberadas que praguejam este
"artigo" e impugnam a integridade do seu autor, estamos justificados
ao concluir que esta "má interpretação" é
intencional.
Considerando que são estas mentiras acerca do significado e linguagem de
uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que podem
manipular uma população levando-a acreditar que o seu
próprio governo tem um
casus belli
legítimo quando não tem, isto é indiscutivelmente um
crime de guerra. Vamos examinar as
disposições aqui envolvidas
:
9. Restaurar controle da fronteira estatal para o governo ucraniano em toda a
zona de conflito, o que tem de começar no primeiro dia após a
eleição e acaba após a plena regulação
(eleições locais em distritos das oblasts de Donetsk e Lugansk
com base na lei da Ucrânia e da reforma constitucional) no fim de 2015,
sobre a condição do cumprimento do Ponto 11 em consulta e
em acordo com representantes de distritos particulares das oblasts de Donetsk e
Lugansk dentro do quadro do Grupo de Contacto Trilateral.
10. Saída de todas as formações armadas, equipamento
militar estrangeiro e também de mercenários estrangeiros do
território da Ucrânia sob a supervisão da OSCE.
Desarmamento de grupos ilegais.
11. Reforma constitucional na Ucrânia, com uma nova
constituição a entrar em vigor no fim de 2015, cujo elemento
chave é descentralização (levando em conta peculiaridades
particulares das oblasts dos distritos de Donetsk e Lugansk, acordadas com
representantes destes distritos) e também aprovação de
legislação permanente sobre o estatuto especial das oblasts dos
distritos de Donetsk e Lugansk de acordo com as medidas explicitadas na nota de
rodapé (nota 1) no fim de 2015.
Se bem que o Acordo de Minsk II declare que o governo da Ucrânia toma
controle das fronteiras do estado, em parte alguma do acordo se declara que
há qualquer possibilidade
(eventuality)
do retorno de Donetsk e Lugansk (colectivamente, a Federação da
Novorússia) para o país, o estado ou o governo da Ucrânia.
Além disso, o retorno do controle das fronteiras do estado não
é uma eventualidade, mas mais exactamente baseia-se sobre outras
disposições que exigem acordo bilateral. A referência
à fronteira do estado está no Ponto 9 do acordo. A
execução do artigo não se verifica até o
cumprimento do Ponto 11.
Além disso, o Ponto11 requer uma nova constituição antes
mesmo que a restauração do controle da fronteira pelo governo
ucraniano possa ocorrer. Portanto, o artigo definido "o" refere-se a
um futuro
governo constituído após a criação de ainda outro
novo estado, porque o Ponto 11 deve ser cumprido antes do Ponto 9. Ele
não se refere a "o" governo da Ucrânia no tempo
presente. Ele não se refere ao presente governo.
O Acordo Minsk II realmente exige uma anulação dos estrangeiros
instalados pelo governo do golpe, com federação isto
é, a descentralização sendo o elemento chave de uma nova
constituição. Ele também requer que os representantes
destes distritos Donetsk e Lugansk concordem. O representante de
Donetsk dentro do quadro do Grupo de Contacto Trilateral é o
próprio Zakharchenko.
Portanto, a interpretação da Bloomberg é inteiramente
falsa.
Nenhum destes eventos pode ocorrer sem acordo bilateral e nada é
"eventual". Mas o que entendemos disto é que Zakharchenko
é "desafiador" face a uma eventualidade imperativa, codificada
pela ONU, o que faz com que pareça um criminoso.
E o que é o "desafio" de Zakharchenko no contexto da
trégua? Esta é uma daquelas palavras que é vaga, mas sua
utilização intencional (e colocação) revela a
inferência. Com o máximo de generosidade, desafio pode significar
tão pouco como "disposição para combater". No
pior caso, significa desobediência, não cumprimento e
insubordinação. Isto é talvez um significado
"imperial", isto é, não cumpridor dos ditames dos EUA e
da sua auto-definida "comunidade internacional". "Desafio"
é habitualmente utilizado nos media ocidentais para caracterizar
líderes globais contra o Império estado-unidense, dos quais
dizem-nos que são "homens muito maus". Ou talvez e isto
também é intencional eles estão a sugerir que ele
é não cumpridor do acordo de Minsk II, a qual é uma
acusação muito perigosa e criminosa, se não
for verdadeira.
Eles não precisam fixar-se num significado, porque
"desafiante" tanto literalmente como neste contexto significa tudo
isto.
A citação que se segue a esta acusação de
comportamento não cumpridor é então estranhamente
colocada, a fim de moldar sua própria avaliação do que
outros em Donetsk pensam ser evidência do seu próprio
"desafio" à suposta eventualidade da
reunificação. Somos levados a imaginar que ele estava a adoptar
um tom "desafiador" quando faz a citação que se segue,
muito embora o artigo tecnicamente não diga nada. Trata-se realmente
apenas de uma linha que se segue a outra. Isto destina-se a fazer-nos extrair
uma inferência clara que o autor do artigo poderia tentar dizer que
não estava implícito.
Amostra III
Sua advertência foi enfatizada por uma irrupção de
violência esta semana. O governo ucraniano disse que perdeu seis soldados
num único dia, o período de 24 horas mais mortal em pelo menos
dois meses. Líderes estado-unidenses e europeus acusam a Rússia
de abastecer os insurgentes com armas, dinheiro e combatentes
acusações que o Kremlin nega.
"A Ucrânia permanece comprometida com um acordo pacífico, ao
contrário da Rússia e dos terroristas russos", disse o
primeiro-ministro da Ucrânia Arseniy Yatsenyuk na quarta-feira na
reunião semanal do governo. "A Ucrânia está pronta
para continuar a implementar os acordos de Minsk, incluindo a
realização de eleições livres e transparentes".
Aqui na primeira linha da amostra podemos ver que eles estão a insinuar
(implying)
que a sua declaração desafiadora era realmente uma ameaça
de violência, a qual somos levados a assumir que são enfatizados
(verbo transitivo, "tornar evidente") pelas suas acções
as quais resultaram na perda de seis soldados ucranianos. Este fraseado
destina-se a insinuar, ou melhor, levar-nos a inferir, que a perda de seis
soldados foi o resultado do desafio de Zakharchenko ou da
disposição a combater, ou do não cumprimento de Minsk II.
Em suma, somos levados a entender que Zakharchenko lançou os ataques. Na
realidade, a OSCE a única organização
intergovernamental "legitima" cujas descobertas pretendem ser
"objectivas", sobre o terreno
informou de ataques ofensivos
por parte das forças ucranianas. Os rebeldes da RPD têm acusado
os monitores da OSCE de estarem empenhados em colecta de inteligência por
conta os militares ucranianos ou dos EUA.
A segunda sentença não tem conexão com a primeira e
está colocada logo a seguir a fim de identificar a Rússia como
apoiante do "ataque" de Zakarchenko o qual se seguiu à sua
advertência "desafiante".
O segundo parágrafo é incluído para insinuar que enquanto
Zakarchenko desafiadoramente rompe o acordo Minsk II, enfatizando isto com
ataques armados e financiados pelos russos que matam soldados ucranianos,
ao passo que Yatsenyuk está comprometido com a sua
implementação. Isto está em total divergência
com os dados que têm sido recolhidos até à data.
A seguir está outro exemplo do mesmo padrão, a
junção de sentenças não relacionadas, colocadas
juntas a fim de insinuar uma conexão natural.
Exemplo IV
O combate continuou "sem pausa na área do Aeroporto de
Donetsk", disse quinta-feira em Kiev Michael Bociurkiw, porta-voz da
Organization for Security and Cooperation in Europe (OSCE) na Ucrãnia. O
Conselho de Segurança Nacional e Defesa da Ucrânia disse no
Facebook que rebeldes atacaram com morteiros, tanques e artilharia
posições próximas do porto de Mariupol no Mar de Azov.
O parágrafo desta amostra salta da citação do
relatório oficial da OSCE para uma declaração do governo
ucraniano via Facebook. A primeira citação da OSCE na primeira
sentença faz parte de uma notícia a qual realmente confirma que a
Ucrânia atacou a RPD no Aeroporto de Donetsk numa
"batalha com tanques em plena escala"
. Na segunda sentença, colocada logo após a primeira pelas
razões que discutimos acima, acontece algo bastante estranho. O
"Conselho de Segurança Nacional e Defesa" ucraniano afirma que
rebeldes atacaram posições. Tomado em conjunto, este
parágrafo destina-se a deixar a impressão de que a OSCE e o
Conselho de Segurança Nacional e Defesa concordam ambos em que os
ataques foram feitos pelos rebeldes a posições da Ucrânia
próximas de Mariupol. Na realidade a
OSCE confirma
ter ouvido detonações a 20 km, vindas de Mariupol:
"Enquanto num posto de observação localizado nos arrabaldes
de Berdianske controlado pelo governo (2 km a Oeste de Shyrokyne, 20 km a Leste
de Mariupol), entre 09h10 e 12h10, a SMM ouviu à distância 40
detonações, a Norte da sua posição".
Dado o historial de relatórios OSCE sobre esta espécie de
incidentes, se tivesse havido um meio de insinuar que da RPD era
responsável, eles o teriam feito. De facto, a imprecisão deste
relatório, se bem que aparentemente objectivo, pode mesmo indicar que
eles poderiam plausivelmente negar ter a certeza de que era o exército
ucraniano, apesar de saberem certamente que não poderiam afirmar que era
a RPD.
O exemplo seguinte da notícia da Bloomberg também é
interessante, porque utiliza o determinante possessivo "seu" no lugar
do artigo definido "o".
Exemplo V
Zakharchenko disse que Mariupol acabará por fazer parte da sua
república popular.
O efeito psicológico sobre o leitor pretendido com esta sentença
é claro. Isto transforma "a república popular", a qual
é todo um processo social, produzido por condições
sócio-políticas objectivas e apoiado por milhões de
pessoas, e torna-a a "sua" república popular, isto é,
algo que existe quase puramente na mente de um fumador de cigarros, leitor da
bíblia, portador de armas, o louco desafiante e violador do Acordo Minsk
II.
Trata-se da linguagem da "demonização", semelhante
à "Jugoslávia de Milosevic", ao "Iraque de
Saddam", à "Líbia de Gaddafi" ou à
"União Soviética de Stalin".
Não se trata sequer de alguma variação de estilo no uso da
gramática. De modo algum a RPD é propriedade de Zakharchenko. Ele
foi eleito no fim do ano passado, numa votação com comparecimento
apreciável. Ele não afirmou que a RPD é "sua",
nem a constituição ratificada pela assembleia popular
indica que o seja. Os mecanismos para removê-lo existem. A
linguagem utilizada no exemplo acima destina-se a nos dar a impressão de
que ele é ditatorial e com uma mentalidade estreita. Eles chegam muito
perto, se é que realmente não o fazem, de citá-lo
incorrectamente. Dada a criminalidade geral deste artigo, a falta de
ética jornalística respeitante à
transformação de um artigo definido num adjectivo determinante
possessivo dentro de um fraseado pode parecer relativamente controverso. Mas,
é a acumulação de tudo isto ao longo do artigo que deixa
no leitor a inabalável convicção de que recebeu
informação adequada quanto ao carácter e objectivos de
Zakharchenko.
Amostra VI
Enquanto o seu desejo de tomar Mariupol e a sua recusa a reintegrar a
Ucrânia contrariam
(run counter)
o cessar-fogo, Zakharchenko diz que as suas tropas não violarão
os acordos de Minsk se não houver "violação
óbvia" pela Ucrânia.
Como se pode ver no exemplo acima, a mentira quanto ao cessar-fogo é
repetida. Mais uma vez, a reintegração de Donetsk e Lugansk
dentro da Ucrânia não é compulsória pelo acordo
Minsk II, o qual é muito mais do que um cessar-fogo. Quanto ao "seu
desejo de tomar Mariupol", a secção que exibe a amostra V
é intitulada "Libertação de Mariupol", mas
só a estranha e questionável frase lhe é atribuída.
Sem uma transcrição verificada da entrevista, com suas
próprias palavras no original ucraniano (ou russo), então
à luz dos demais graves problemas criminais e éticos deste artigo
não se deveria permitir que fosse matizado nosso entendimento do
que possa ter dito ou pretendido. No entanto, um "desejo" não
"contraria" o cessar-fogo, acções sim. O artigo
está essencialmente, neste exemplo, a tentar acusá-lo de violar o
cessar-fogo com base nos pensamentos que eles afirmam estarem na sua
cabeça.
Amostra VII
Zakharchenko disse que os insurgentes não derrubaram o voo MH17 da
Malaysian Airline em Julho último, um desastre que os EUA e aliados
dizem ter sido causado por mísseis fornecidos pela Rússia. A
Ucrânia diz que o avião, derrubado sobre território
rebelde, foi atingido por mísseis de um lançador BUK russo que
entrou na Ucrânia vindo da Rússia e depois retornou.
Isto foi antes de Zakarchenko tomar posse mas isso não o impediu de ter
uma opinião.
"Não fomos nós que o derrubámos", disse ele.
"Nós, lamentavelmente
(sadly),
não tínhamos meios para derrubar aviões àquela
altitude".
Porque a [operação de] falsa bandeira do Malysian Airline
já foi desmascarada, não entraremos em pormenores excessivos
quanto à primeira parte. A citação de Zakharchenko
é que é problemática. Esta entrevista não foi
efectuada em inglês, mas sim em ucraniano.
A palavra que Zakharchenko mais provavelmente utilizou para
"lamentavelmente" terá sido
"sumno".
Isto pode significar tanto "infelizmente" como
"lamentavelmente". Por que "lamentavelmente" faria qualquer
sentido, senão para insinuar que Zakharchenko lamenta que eles fossem
incapazes de derrubar um avião civil?
O que se pretendeu ao invés foi o frio e burocrático
"infelizmente", como em "infelizmente para aqueles que nos
acusariam". Isto é transformado de "infelizmente"
("unfortunately")
para "lamentavelmente"
("sadly").
O artigo pretende levar-nos a pensar que o desafiante Zakharchenko está
triste porque a sua república popular não havia abatido o
avião.
Amostra VIII
"O acordo do cessar-fogo conclama a Ucrânia a gradualmente reafirmar
(assert)
cada vez mais autoridade sobre as regiões em ruptura até que
seja alcançado pleno controle no fim do ano. Poroshenko no mês
passado assinou legislação oferecendo status especial para as
regiões do Leste, incluindo eleições e auto-governo para
áreas que falam principalmente o russo.
O governo russo e os rebeldes dizem que as leis deixam de ser cumpridas nos
termos do cessar-fogo e objectaram os legisladores ucranianos no mesmo dia
declarando as áreas em ruptura território "ocupado".
Quanto à Rússia, Zakharchenko disse que a sua região com
cerca de 2 milhões de pessoas gostaria de nada mais do que a unidade com
a nave mãe
(mother ship).
Mais uma vez, o acordo Minsk II não conclama a Ucrânia a afirmar
"gradualmente" cada vez mais controle sobre as regiões em
ruptura até que pleno controle seja alcançado no fim do
ano". O acordo praticamente diz o oposto: ele obriga a que o governo
ucraniano avance com a criação de um novo estado, a
constituição do qual dá autonomia e etapas definidas para
as "regiões em ruptura". Apresentámos algumas das
secções relevantes bem como um link para todo o acordo.
Há uma série de mecanismos claramente definidos, etapas, as quais
devem ser cumpridas para qualquer destas coisas se verificar. Não
há maneira de interpretar isto de qualquer outro modo. A linguagem
é clara e não ambígua.
A questão do "controle" é só mencionada
literalmente na secção acerca da fronteira e mesmo isto repousa
num acordo bilateral entre os representantes das partes como delineado no Grupo
de Contacto Trilateral. Em nenhum ponto do processo as "regiões em
ruptura" juntam-se ao actual estado da Ucrânia, nem são elas
obrigadas unilateralmente a juntar-se a um futuro estado da Ucrânia, nem
são forçadas a assim fazer pelo actual ou por qualquer futuro
governo.
Esta mentira é promovida a fim de enganar a população dos
EUA rumo ao continuado e escalado apoio militar dos EUA à Ucrânia,
o qual é um crime de guerra e também pretende minar o Acordo
Minsk II. A lógica da mentira é isto: desde que os rebeldes
continuam a existir e não "gradualmente afirmam cada vez menos
controle", então eles estão a violar Minsk II. Eles o violam
só por existirem, de acordo com este artigo criminoso da Bloomberg.
O que Poroshenko assina ou não assina é praticamente irrelevante
para o Acordo Minsk II. O acordo conclama uma nova constituição.
Só um novo estado ucraniano, organizado como um estado federal tal como
declarado claramente no Ponto 11 é o mecanismo que então dispara
o processo um mecanismo que ainda exige acordo bilateral
respeitante a qualquer controle de um futuro governo de Kiev sobre as
fronteiras, e apenas as fronteiras de Donetsk e Lugansk, com a Rússia.
Este não é de modo algum acerca do controle sobre as
regiões "em ruptura".
Uma nova constituição tal como exigido por Minsk II significa um
novo estado, um estado federal e não um estado unitário; isto
significa essencialmente que o actual governo encabeçado por Poroshenko
é provisório. Uma nova constituição, e só
uma nova constituição, levaria ao acordo bilateral dos
representantes de Donetsk e Lugansk. Estes não são os
Governadores nomeados por Turchinov, mas especificamente aqueles do Grupo de
Contacto Trilateral Zakharchenko et al. Estes e apenas estes são
indicados no Acordo e provavelmente exigiriam novas eleições, as
quais significariam um novo governo em Kiev.
A Bloomberg tenta inverter a realidade. Este conflito iniciado pelos EUA
já custou a vida de 50 mil pessoas segundo estimativas da
inteligência alemã
, bem como mais de um milhão de refugiados deslocados segundo a ONU. Com
tão brutal má informação e
desinformação do leitor numa matéria desta magnitude, e de
adulteração dos factos, das citações e
colocação de sentenças juntas de modo a comunicar uma
mensagem diferente da verdade, os redactores, editores e proprietários
da Bloomberg podem ser acusados de crimes de guerra: crimes contra a humanidade
e crimes contra a paz.
[*]
Analista político, radicado em Belgrado.
O original encontra-se em
russia-insider.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.