Como uma galinha sem cabeça
por Darío Herchhoren
O título deste artigo decorre do modo como antigamente se sacrificavam
as galinhas, em que o matador utilizava uma faca pesada ou um machado para
decepar as cabeças com um só golpe. Uma vez arrancadas as
cabeças a galinhas ainda corriam alguns metros até caírem
mortas.
A análise da política turca torna verosímil a
utilização dessa expressão a fim de qualificá-la,
pois zigzagueia de um lado para outro sem cabeça.
Vejamos algo da história da Turquia. Os chamados turcos otomanos tomaram
o império romano do oriente conhecido como Bizâncio, ou
Império Bizantino quando ocuparam a sua capital. Esta era
conhecida como Constantinopla, para recordar o imperador romano Constantino que
dividiu o velho império romano entre os seus filhos, Arcádio e
Honório.
Os turcos provêm da região de Altai, na Ásia Central, onde
ainda hoje existem populações de origem turca no que se conhece
como Turquestão russo e Turquestão chinês. Na China esta
população é conhecida como uigur e nela predomina a
religião muçulmana. Na Rússia são conhecidos como
tadjiques, os quais foram reconhecidos pela antiga URSS como República
Socialista do Tadjiquistão.
A história da Turquia está a condicionar o presente turco e
é preciso ter em conta que isto implica certas fidelidades à
tradição, ainda que por vezes as mesmas se entrecruzem. Temos por
um lado a origem asiático; por outro a criação do
império otomano que abrangia grandes territórios no norte de
África. Nestes, assentaram-se na Líbia os misratas de origem
turca, em todo o Egipto e Sudão, na península arábica e no
que se conhece como Oriente Próximo (Síria, Iraque, Líbano
e Palestina).
O alinhamento da Turquia com as chamadas potências centrais (Alemanha e
Áustria-Hungria) na guerra de 1914-18 implicou na prática o fim
do império turco, que caia aos pedaços, e a
fundação por Mustafá Kemal Ataturk (o pai dos turcos) da
República Turca em 1919, que mantém os territórios actuais.
Nesta fundação a Turquia perde a Grécia, uma parte do que
era a Jugoslávia, Chipre e a Albânia.
A partir desse momento, e sobretudo depois da morte de Kemal Ataturk, é
o exército que detém o poder real na Turquia. Até que um
partido social-democrata encabeçado por Bulent Ecevit consegue retirar
poder aos militares. Posteriormente estes voltam a dar outro golpe e retomam
seus velhos hábitos golpistas.
A economia turca cresce rapidamente e isto leva a que a Turquia tente entrar na
União Europeia. Mas para isso, há que abraçar certas
formas democráticas, ainda que sejam apenas formais. E quando adoptaram
estas formas a UE afastou-se e fez saber ao governo de Turgut Ozal que é
um clube cristão e que lhe dará apenas o estatuto de associado
à UE.
Com as coisas neste pé, a Turquia não encontra um lugar no mundo.
Não rompe com a NATO, da qual faz parte com um exército de dois
milhões de soldados (o maior desta organização). Mas tenta
uma lua de mel com a Rússia, comprando-lhe armas como os lança
mísseis S300 e S400. Primeiro forma um mercado comum com a Síria
e a seguir apoia os jihadistas contra o governo sírio. Assina um acordo
para levar a paz ao martirizado povo sírio, juntamente com a
Rússia. E finalmente volta-se contra a Rússia, prejudicando a
actuação dos militares russos na Síria.
Isto custou à Turquia a perda de mais de cem blindados nos
últimos dias, destruídos pela aviação russa, e uma
chamada de atenção do ministro Lavrov.
Estão pendentes por um fio as exportações turcas de
frutas, verduras e aves para a Rússia. A sua possível perda
significaria um golpe duríssimo para a sua economia.
Mas é preciso inscrever tudo isto dentro da nova guerra fria que os EUA
estão a travar contra a Rússia. Os EUA firmaram com a
Grécia um acordo pelo qual esta lhe entrega o controle de todas as suas
bases militares. Isto implica que os EUA tentarão estrangular a
Rússia, fechando o Mar Negro à navegação de navios
russos através dos
Dardanelos
, a fim de impedir a passagem de naves russas para o Mediterrâneo.
Nas forças armadas turcas convivem as tendências pró russas
e pró ianques. É muito possível que num futuro
próximo vejamos um novo golpe de estado. Quem o dará primeiro?
É preciso aguardar para ver. Enquanto isso os EUA protegem o
clérigo turco Fetullah Gulem, que vive refugiado no seu
território e que lhes pode ser útil nas tentativas de debilitar o
governo de Erdogan. Este continua a correr como uma galinha sem cabeça,
apesar de ainda a manter no seu lugar. Não esqueçamos que a CIA
já tentou decapitar o seu governo há poucos anos e que,
graças à informação transmitida pela Rússia
ao governo Erdogan, este pôde abortá-lo.
Ver também:
Syria has every right to fight terrorists in Idlib and Russia can't interfere Moscow
NATO offers Turkey condolences & solidarity, but no additional military aid amid Idlib crisis
O original encontra-se em
movimientopoliticoderesistencia.blogspot.com/2020/02/como-pollo-sin-cabeza.html
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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