A estratégia dos EUA para a "mudança de
regime" na Rússia
por Ollie Richardson
Numa admissão muito oportuna considerando o tema do meu
último artigo
as relações internacionais do século XXI e a
tomada de decisões , o chefe do Serviço de
Inteligência Estrangeira da Rússia, Sergey Naryshkin, apontou para
um método de baixo risco de guerra "híbrida" e
mencionou um exemplo específico em que ele está a ser
implementado. A RT
informou
o seguinte em 18 de Junho (ênfase minha):
"Os serviços secretos ocidentais estão
a
aperfeiçoar ferramentas clandestinas que são concebidas para
enfraquecer países tal como os vírus enfraquecem corpos",
disse o chefe da inteligência russa.
Esta espécie de guerra é utilizada actualmente na Venezuela.
A crítica proveio de Sergey Naryshkin, que
dirige a agência de inteligência estrangeira da Rússia, SVR.
Ele afirmou que espiões estão
constantemente a melhorar a ferramenta usada para desfazer-se de governos que o
Ocidente não gosta.
"Estamos a falar acerca da criação de um
algoritmo universal
para conduzir operações de influência clandestina de
maneira contínua e em escala global
", disse ele.
Segundo o funcionário, esse trabalho clandestino
"nunca pára e tem como alvo não apenas inimigos, mas
também
amigos e poderes neutros nos tempos de paz, de crise e de guerra".
'Isto pode ser comparado à acção de um vírus;
podem passar décadas a destruir um organismo humano sem sintomas e, uma
vez diagnosticado, muitas vezes é demasiado tarde para tratá-lo.
Os métodos utilizados para influenciar e desestabilizar outras
nações incluem a criação
de estruturas orientadas em rede
que podem
operar sob uma premissa de activismo público, arte, ciência,
religião ou extremismo,
disse o responsável russo.
Depois de colectar dados sobre as linhas de fracturação numa
sociedade-alvo,
estas estruturas são utilizadas
para atacar aqueles pontos fracos num ataque sincronizado, esmagando a
capacidade do país para responder às crises.
Simultaneamente, os perpetradores
propalam uma narrativa através dos media locais e globais e das redes
sociais
afirmando que a única maneira de resolver problemas é
substituir o governo da nação vítima por um outro,
possivelmente com um apoio externo directo.
"Podemos observar este cenário a ser
implementado na Venezuela
", disse Naryshkin.
Os EUA estão actualmente a tentar substituir o presidente eleito da
Venezuela, Nicolas Maduro, por outra pessoa, Juan Guaido, ao qual Washington
reconheceu como o chefe legítimo da nação sul-americana.
Entre outros, os EUA respaldam a sua proposta com sanções
económicas contra a Venezuela e uma maciça campanha
diplomática e mediática em apoio ao pretendente.
As tentativas de Guaido de realmente tomar o poder em Caracas têm sido
fúteis até agora.
O chefe da inteligência russa falava num fórum de segurança
internacional em Ufa, na Rússia, que é hospedado pelo Conselho
Nacional de Segurança da Rússia.
O evento é destinado a funcionários directamente envolvidos na
elaboração de políticas sobre questões de
segurança.
Quase 120 nações participam do encontro deste ano. "
Começarei por dizer que Naryshkin poderia revelar muito mais se
quisesse, mas por razões óbvias limita-se a apresentar uma tese
abstracta que a RT "por coincidência" retransmitiu
como uma espécie de sinal para as agências de
inteligência ocidentais de que o espaço de manobra da
Rússia no âmbito da informação não se limita
apenas a publicar "notícias".
De modo superficial, pode parecer que ele está apenas a descrever um
golpe de estado banal, em que um Estado interfere nos assuntos internos de
outro Estado com o objectivo de derrubar o governo e levar ao poder um
círculo político mais amistoso. Se alguém preferir
tópicos simplistas e digeríveis, então pode parar de ler
aqui nada de novo sob o sol!
No entanto, aquilo a que o chefe do Serviço de Inteligência
Estrangeiro da Rússia está a aludir é uma matéria
muito mais complexa e densa. Como a história tem mostrado, o golpe de
Estado tradicional, semelhante aos que têm sido vistos na região
do MENA [Médio Oriente e Norte de África] e na América do
Sul durante décadas, não é o mesmo que o golpe de estado
que se desenrolou, por exemplo, na Ucrânia em 2014. Por que?
O precursor da "revolução colorida"
A principal razão é porque o Ocidente tem trabalhado durante
décadas na ocupação de terras e matérias-primas dos
países do MENA. Se estes países podem ser considerados
tribalistas em termos de estrutura e objectivos, então à primeira
vista a Europa pós-Segunda Guerra Mundial é muito mais
"desenvolvida" e "civilizada". Pus estas palavras entre
aspas porque são as frases genéricas que
organizações como a ONU utilizam quando descrevem o que os
países do MENA deveriam aspirar para se tornarem "mais
democráticos" e "progressistas" a fim de "combaterem
a pobreza" e tornarem-se "prósperos". Por outras
palavras, os países do MENA em geral não são tão
tecnologicamente avançados quanto estados-nação modernos
com "democracias" liberais. Isso não é um insulto aos
MENA; é simplesmente um fato observável com base nas
consequências da colonização. Portanto, o esquema para
conquistar o território MENA é mais directo do que seria para
conquistar, por exemplo, a Europa Oriental. Há um líder,
há um pequeno círculo de elites ricas, há um
exército (lealistas armados) e há agricultores / trabalhadores
manuais. Os colonizadores anglo-saxônicos conseguiram conquistar as
terras muito antes de as nações vítima poderem subir a
escada da investigação científica e, assim, obterem formas
cada vez mais eficazes de se defenderem.
No caso dos índios nativos, os ingleses já possuíam armas
básicas, assim, os arcos e flechas dos primeiros eram inferiores. No
caso da África, notórios colonizadores (que incluem os
britânicos) chegaram com as mesmas armas e enfrentaram apenas
lanças e outras armas relativamente primitivas. Por isso quase todo o
continente africano foi tão facilmente subjugado. A diferença
entre a colonização em geral e um golpe de Estado pode ser vista
mais visivelmente depois de a CIA ser formada: derrubar um "ditador"
torna-se tão simples quanto literalmente comprar o exército (tal
como o Reino Unido foi pioneiro no uso de piratas), o que permite ao Ocidente
capitalista que cuide dos negócios e utilize seus recursos de media para
descrever outro projecto "democrático",
"pacífico" e "bem-sucedido". Logo que um
líder consegue chegar ao poder e tem como objectivo desafiar esta
subjugação (Gaddafi é o exemplo mais recente no MENA, mas
também há Patrice Lumumba e Thomas Sankara), eles experimentam o
mesmo problema são simplesmente dominados pelo colonizador
tecnologicamente mais avançado.
Quando se trata de golpes de Estado no espaço
pós-soviético, o jogo é diferente. Durante mais de 60 anos
a URSS conseguiu repelir a influência dos "livres"
(capitalistas) anglo-saxões graças a um foco na
investigação científica e portanto nas tecnologias
nucleares e criar uma União fortemente coesa baseada numa
história e cultura comuns. No Ocidente, os governos disseram aos seus
cidadãos que "daquele lado da cortina eles são
'totalitários'", enquanto que, na realidade, a América &
Companhia lutavam para influenciar a sociedade soviética e não
queria que seus próprios cidadãos vissem que no sistema
soviético de governação todos tinham alguma coisa, ao
invés de apenas algumas pessoas terem tudo (capitalismo). Por outras
palavras, a URSS foi capaz de se defender contra o método do golpe de
Estado tradicional.
Devido ao facto de que a URSS era um território desenvolvido e tinha
estruturas políticas muito mais complexas do que as de um país
africano médio, não era tão simples como enviar
Thomas Lawrence
ou
Sidney Reilly
e ludibriar chefões locais para assinarem acordos em que essencialmente
renunciam a direitos de propriedade de matérias-primas. E também
é importante ter em mente que as agências de inteligência
soviéticas
combatiam a CIA muito antes de 1991
. A mudança dos tempos simplesmente obrigou o Ocidente a actualizar o
manual de golpes de estado antes que o país-alvo progredisse ao longo da
linha de desenvolvimento científico e estabelecesse um mecanismo de
defesa que tecnologicamente está 20 anos à frente das ferramentas
subversivas dos EUA.
Não sendo fisicamente capaz de intimidar a URSS o suficiente para que se
submetesse à sua vontade, uma vez que esta tinha armas nucleares, o Tio
Sam percebeu que era muito mais sábio e seguro explodi-la a partir de
dentro. Neste artigo não quero desviar demasiado do tópico
central, portanto não apresentarei uma massa de pormenores sobre como os
Estados Unidos conseguiram penetrar a URSS e injectar suas ideias liberais por
toda a sociedade, mas um bom exemplo rápido que posso dar é o do
envio de roupas / moda americanas para portos soviéticos, como Odessa.
Hoje isso pode ser chamado de "soft power", mas na época em
causa tais coisas serviam para convencer pessoas de que o individualismo
poderia proporcionar uma vida mais frutífera do que o colectivismo.
O golpe de estado de 2014 na Ucrânia utilizou um plano actualizado
baseado no modelo usado para desmantelar a União Soviética (e
desencadear a crise constitucional de 1993). Quando a URSS entrou em colapso em
1991, a Ucrânia encontrou-se na posição de ser a herdeira
mais rica do legado soviético: sua infraestrutura, medicina,
educação, forças armadas, etc. eram as melhores da
região. As coisas começaram a complicar-se por volta de 2004,
quando a interferência da América começou a atingir novos
patamares na época do "multi-vectorial"
Kuchma
, mas a Ucrânia de 2014 sob Yanukovych a
flutuava e nadava confortavelmente. Numa tentativa de derrubar Putin antes de a
Rússia se aproximar ainda mais da China, se fortalecesse e formasse a
espinha dorsal do emergente bloco euro-asiático, os EUA planeiam romper
o equilíbrio na Ucrânia e violentamente arrancá-la para
longe da nação russa. Mas o problema para a América era
"como fazer com que esse processo parecesse orgânico? Afinal de
contas, simplesmente invadir a Ucrânia com o Exército dos EUA
resultaria na liquidação dos próprios Estados Unidos da
América".
Não vou gastar o precioso espaço deste artigo contando o que
aconteceu em 2013/2014 na Ucrânia, pois já criei um
ficheiro dedicado
a ele, mas creio que o vídeo abaixo John Tefft em 2013 a
preparar o terreno em Donetsk para o que estava prestes a acontecer
encapsula muito bem a essência: ONGs dos EUA fizeram uma lavagem cerebral
na sociedade para flertar com o liberalismo e sua nociva
"democracia", semelhante àquele vírus de que falou
Sergey Naryshkin
; são constituídas formações militantes locais na
Galícia (principal exemplo: "Setor Direita") e capturam
edifícios administrativos na Ucrânia Ocidental, antes de
finalmente serem transportados a Kiev para a
"revolução" de Fevereiro.
"Revolução colorida 2.0"
O que realmente quero focar é o modelo de golpe de Estado que
está sendo implantado pela America & Companhia em 2019. Até
agora, podemos dizer que existem 3 versões da tecnologia do golpe de
Estado (estou a ser deliberadamente simplista e utilizo nomes e
descrições provisórias, pois ainda estou a investigar esse
tópico):
1. Golpe de Estado tradicional um golpe simples e
esmagador, eficaz contra o chamado "terceiro mundo" (exemplos: Laos, Guatemala, Zaire);
2. "Revolução colorida"
sequestrar temporariamente a "sociedade civil", eficaz contra estados mais
tecnologicamente refinados, mas não superpotências (exemplos:
Egipto, Síria, Ucrânia "independente");
3. Sondagem algorítmica (pode ser considerada como
"revolução colorida 2.0") tomada do controle
sobre a
nação
desde o início, eficaz contra aliados de superpotências nucleares
pós-2015, quando os Acordos de Minsk foram assinados e os jactos russos
aterraram na base aérea de Hmeymim na Síria (exemplos: Venezuela,
Hong Kong, Rússia, Sérvia).
Antes de começar a elaborar a versão nº 3, respeitante
à guerra pós-síria (enfatizo que a Rússia terminou
a guerra em 2015 tudo o que aconteceu depois disso está logo
atrás da cortina de negociações referente aos
próximos 50 ou mais anos de ordem mundial), é necessário
apresentar algumas das razões pelas quais a versão nº 2
já não funciona:
Campanhas de
hashtags
(palavras-chave) nos media sociais como aquelas vistas durante a
"revolução" da Irmandade Muçulmana no Egipto
não têm mais o mesmo efeito devido à
mobilização exponencialmente crescente de utilizadores de media
sociais anti-golpe ("pró-Rússia" /
"pró-Assad" / "pró-Maduro" /
"Pro-Nasrallah");
Tornou-se muito difícil manter a estética da
operação limpa de modo sistemático os
"Capacetes Brancos" podem fazer algo que desacredite sua alegada
autenticidade; o porta-voz da Rada [parlamento ucraniano] pode afirmar que
"Hitler era um grande líder"; uma figura sénior do
Qatar pode admitir ao vivo na TV que o Qatar financiou grupos militantes para
remover Assad; Bana pode acabar com um tweet; um vídeo pode aparecer
mostrando um líder "FSA" a ler um roteiro em frente a um
produtor americano, etc;
A popularidade dos media de referência está a tornar-se cada vez
menor (para não mencionar o efeito da campanha de RP de "fake
news" de Trump) e a popularidade tanto dos media estatais
não-ocidentais (RT, Sputnik, Press TV, Telesur, etc) quanto dos media
independente (ou aparentemente independentes) está a crescer
exponencialmente;
Os sítios web e os aplicativos de media social alternativos tornaram-se
populares entre os falantes de inglês (VKontakte, Telegram, Instagram,
Gab, Snapchat, etc);
A Eurásia foi capaz de estudar o comportamento passado tanto dos media
tradicionais quanto dos utilizadores de media social do Ocidente, o que
permitiu refinar os recursos que tinham e até mesmo criar novos e
especializados;
A existência de jornalistas independentes e anti-golpistas que
estão preparados para viajar entre diferentes teatros (por exemplo,
Síria e Venezuela) e revelar o padrão dos métodos de
"mudança de regime" do Ocidente.
O enfraquecimento do efeito de difamação de expressões
como "anti-semitismo" devido ao efeito da acumulação de
informações acerca dos crimes israelenses em Gaza e na
Cisjordânia;
O fortalecimento geral da Eurásia e o declínio do Ocidente
liberal (e as oportunidades que ele tem de violar o direito internacional em
consequência) fazem com que os cidadãos da primeira não
tenham razão para acreditar que este último seja o paraíso
que pretende ser;
etc.
Por outras palavras, a realidade geopolítica que temos hoje não
é a mesma que víamos antes do envolvimento da Rússia na
Síria o tabuleiro de xadrez com apostas mais elevadas no grande
jogo. Lições foram aprendidas com o passado e decorreu tempo
suficiente para mudanças serem calculadas e implementadas. Hoje, as
superpotências são obrigadas a investir exponencialmente mais
recursos em tecnologias (daí a razão pela qual a Rússia
quer investir fortemente
no sector da IA), uma vez que entender as tecnologias do inimigo é a
diferença entre elas terem ou não êxito em penetrarem a
sociedade. E não é uma coincidência que Naryshkin comece a
utilizar termos como "vírus". Mas o que ele realmente quer
dizer? Quais são as diferenças de concepção entre
uma "revolução colorida" regular e o que hoje estamos a
ver, por exemplo, na Venezuela?
Em primeiro lugar, uma "revolução colorida" é
concebida para sequestrar a "sociedade civil" durante um
período de vários meses (menos de 6), obter o apoio das elites e
tem como objectivo colocar o líder alvo diante de duas más
escolhas uma armadilha: se sufocar protestos isso significa ser
retratado pelas ONGs do Ocidente como um "ditador" e assim o Ocidente
não corre o risco de receber um golpe de informação na sua
retaguarda (se a sociedade ocidental não concordar com algo que o
governo está a fazer, um o adversário pode explorar o facto e
perturbar a situação socio-econômica de um ou muitos
países ocidentais); se não reprimir os protestos isso significa
simplesmente entregar o poder. Isto explica o que aconteceu a Viktor Yanukovich
ele não deu ordens à Berkut [polícia ucraniana]
para dispersar Maidan por receio de ficar permanentemente estigmatizado nos
media ocidentais, assim Joe Biden e seu bando de golpistas, depois de um bocado
de teatro de franco-atiradores a fim de manter vivos os protestos, tomou a
Rada. Perda-perda. Neste cenário, a Rússia não podia fazer
nada uma vez que a) os ucranianos e suas elites são em última
análise culpados pelo flerte com o Ocidente, e b) Yanukovych optou pela
opção passiva e assim a única coisa que Moscovo podia
fazer era rapidamente prever as consequências e andar vários
passos à frente dos EUA (daí os supercomputadores que sabiam
acerca da guerra na Jugoslávia). O resultado? Os Acordos de Minsk e a
condução do projeto "anti-Rússia" dos EUA a um
beco sem saída.
Em segundo lugar, uma "revolução colorida" sequestra o
descontentamento social momentâneo em relação a um assunto
em particular, incha-o e a seguir descarrega-o de uma maneira muito focalizada.
O descontentamento precisa ser alimentado financeiramente e, portanto, pode-se
deixar extingui-lo se os planos mudarem. Deveria ser notado que a
sociedade-alvo já deve mostrar sinais de fragmentação: o
trabalho para gradualmente arrancar a Ucrânia do seio da Rússia
(desde o colapso da URSS) estava em andamento há décadas e ao
longo do tempo Kiev sucumbiu ao veneno bandeirista do ocidente. Assim, o golpe
de 2014 simplesmente trouxe à superfície o que estivera a
fermentar por baixo desde os tempos da batalha do NKVD com a
OUN-UPA
. O caso sírio é muito parecido o
wahhabismo esteve a mordiscar o Levante durante décadas
. É claro que os laços entre Hafez / Bashar al-Assad e a
Rússia/URSS existem há mais de 30 anos, mas não se pode
dizer que os dois países tiveram um relacionamento mais baseado no
pragmatismo.
Em terceiro lugar, uma "revolução colorida" envolve a
criação de um holograma informacional que proverbialmente flutua
acima do território alvo, criando uma linha do tempo paralela (exemplo:
a bandeira verde / negra / branca do mandato francês como a bandeira
síria actual, e o Comité Superior de Negociações
como o real governo da Síria reconhecido pela ONU ambos
são fraudes, naturalmente, mas permitiram que membros da NATO
bombardeassem a Síria sem qualquer indignação da
opinião pública ocidental), mas começa a desvanecer-se
tão logo o equilíbrio de forças no terreno da guerra
inclina-se a favor do alvo (nem mesmo a máquina mediática dos EUA
pode vender a narrativa de que o Leste de Aleppo ainda não foi
recapturado por Assad).
Em quarto lugar, uma "revolução colorida" não
visa reprogramar todas as camadas da sociedade não-elitista em todas as
regiões do país ela tem como o objectivo apenas introduzir
ideias liberais e manter o apoio tanto daqueles que já sofreram lavagem
cerebral quanto daqueles que sucumbem a inculcação. Aqueles que
eram anti-liberais antes permanecerão anti-liberais após o golpe
e, portanto, representam uma ameaça para o regime fantoche. A
Ucrânia é um excelente exemplo disto, pois a profundidade da linha
de divisão histórica entre a Novorossiya e a Galicia pôde
ser superada com alguns cookies e US$5 mil milhões em dinheiro de ONGs.
A versão nº 3 do golpe de Estado, à qual neste artigo
refiro-me como "sondagem algorítmica", é portanto
concebida para:
verificar-se durante um período de tempo mais longo; ser alimentada a
expensas do governo alvo e ligar várias fontes de descontentamento
social; ser capaz de funcionar em condições em que não
há uma guerra existente no terreno e a probabilidade de haver alguma no
futuro é baixa; reprogramar a consciência nacional e ligar todas
as camadas da sociedade tão geograficamente distantes e tão
vastas quanto possível; dar passos em direcção ao sucesso,
mesmo que as elites permaneçam fiéis ao líder alvo.
Em situações em que o aparelho de segurança do alvo
é o mesmo, se não melhor, do que o do beligerante; onde o
nível médio de confiança da sociedade no líder
é o mesmo, se não superior ao do beligerante; e onde as
capacidades de defesa do alvo combinam, se não dominam, as capacidades
ofensivas do beligerante; torna-se demasiado arriscado para o beligerante
tentar o esquema da "revolução colorida", uma vez que
um fracasso pode comprometer quaisquer tentativas de golpe de estado o
líder do golpe pode ser detido e pode abrir a boca e dizer quem lhe deu
ordens e o que eram elas, bem como qualquer informação valiosa de
inteligência. O fracassado golpe na Turquia em 2016 foi o sinal de alerta
para Washington de que a tecnologia habitual da "revolução
colorida" não funcionaria no espaço euro-asiático
"multipolar" (pista: a Turquia recebeu informações de
aliados que frustraram o golpe).
Na Venezuela, os EUA estão a rever sua tecnologia de golpe de estado em
tempo real. Há sinais da tecnologia da "revolução
colorida":
um líder da oposição fantoche que apela a protestos de
rua; a expressão "o regime de Maduro"; a
imposição de sanções para dar a ilusão de
que o governo venezuelano está a esfaimar o seu próprio povo;
até mesmo declarações como "todas as
opções estão na mesa", o que é uma maneira
amistosa de RP de dizer que não há opções.
Há também alguns débeis sinais de "sondagem
algorítmica": a transferência de activos nos Estados Unidos
pertencentes ao Estado venezuelano para as mãos de Juan Guaido; o
arrastamento do golpe de estado (ele está em curso há muito mais
de 6 meses); não haver guerra civil no país e é
improvável que haja alguma no futuro próximo, apesar da
presença de ONGs dos EUA no país.
Contudo, a tentativa inicial de "revolução colorida"
fracassou porque a Rússia e a China superpotências
nucleares ajudaram Caracas a resistir à tempestade e a manter
unida a sociedade. Posteriormente, a companhia petrolífera estatal
venezuelana, PDVSA, transferiu seus activos para Moscovo, a Rússia
enviou bem educados homens com fardas verdes
para acalmar os EUA, tanto
Moscovo
como a
China
enviaram ajuda humanitária para o povo sancionado do país, e
Juan Guaido foi
exposto
tanto que até seu namorado rico Richard Branson foi obrigado a
deitá-lo abaixo:
Mas neste exemplo, tal como em relação à guerra
síria, a Rússia não precisa fazer muito trabalho
informativo para justificar seu envolvimento, simplesmente porque os
laços entre Caracas e Moscovo já existiam antes de o tandem
Bolton-Pompeo chegar ao poder. Além disso. de qualquer modo a
Rússia estaria a actuar dentro do direito internacional. Ou seja, a
porta foi batida na cara da CIA e, para reabri-la, a única
opção da América é ou remover as armas nucleares da
Rússia (e, para isso, o S-400 deve ser removido da
equação) ou reformular a sociedade venezuelana no nível
das bases.
A versão de golpe de Estado "revolução colorida"
ainda funciona menos na Rússia de Putin. Ele conseguiu construir um
sistema que não deixa buracos para os ratos da CIA (por exemplo,
sucessores de Gorbachev, Yeltsin ou outros notórios sabotadores
liberais). Alguns podem chamar isto de "autoritário"; outros
podem chamá-lo de resistente a golpe de estado.
O assassinato de Boris Nemtsov orquestrado pela CIA serviu como um balão
de ensaio, para saber se o esquema ucraniano pode ser repetido (morte [s] de
tiroteios > protestos e confrontos com a imposição da
lei > presidente alvo foge). O objectivo era reunir pessoas
suficientes em Moscovo para uma "marcha em memória de Nemtsov"
e replicar o que aconteceu na Praça da Independência em Kiev, mas
desta vez do lado de fora do Kremlin (quão conveniente para
fotógrafos propagandistas ele foi morto na ponte junto ao
Kremlin!).
Não houve pessoas suficientes e as agências de segurança
conseguiram bloquear o caminho para o Kremlin. O senador russo Evgeny Federov
fez um trabalho fantástico ao explicar isso com mais pormenores:
O experimento seguinte foi a carta Navalny no período que antecedeu a
eleição presidencial de 2018. Recomendo aprofundar o estudo do
material encontrado
aqui
para mais pormenores acerca disso. Em resumo, a CIA tentou utilizar a imagem
de crianças a serem presas pela [polícia] OMON durante protestos
não sancionados a fim de abalar a sociedade russa. O resultado? Putin
tornou a manifestação
ilegal
e, é claro, os propagandistas ocidentais puseram-se
a berrar
"repressão". Putin ganhou a eleição de qualquer
modo, na presença de observadores internacionais também.
Avançando rapidamente para a mais recente provocação (no
momento em que escrevo) o caso de Ivan Golunov, que trabalha para a
agência propagandista liberal Meduza vemos coisas familiares: um
quinto-coluna é utilizado como um aríete concebido para abalar a
sociedade e remover o mau "ditador". Uma marcha não sancionada
de "Golunov é um herói" ocorreu no dia 12 de Junho e a
análise da
filmagem
mostra que não ela nada a ver com jornalismo e tudo sobre colocar Putin
sob uma luz desfavorável. A multidão chega a cantar
"Rússia sem Putin" e um palhaço contratado deu à
mensagem um aspecto visual.
foto?
Evgeny Federov
observou
que o clube de Golunov recusou a oferta do governo de realizar uma
manifestação sancionada em 16 de junho, pois os EUA precisavam de
imagens de "jornalistas e activistas inocentes" a serem detidos pelo
"mau" OMON. A declaração de Federov na íntegra:
"Não há dúvida de que é uma tentativa de
interferir.
Tanto o Departamento de Estado dos EUA quanto Bruxelas fizeram
declarações oficiais sobre este assunto.
Eles incluíram suas forças e nós os conhecemos bem, muitos
dos participantes da manifestação ilegal são bem
conhecidos por nós.
A partir das
fotos nos furgões da polícia, você pode recordar que
essas forças saíram repetidamente antes.
Pessoalmente, eu os vi na Praça Pushkin, quando Navalny os levou ali.
Estas são forças estrangeiras óbvias, a quinta coluna no
território da Rússia, eles se tornaram activos em 12 de Junho.
Para eles, apenas precisavam de uma razão, mas a razão já
desapareceu, Golunov foi libertado, mas eles pouco se importam.
A equipe chegou, o dinheiro foi recebido e eles precisam dar-lhe- uso.
As acções dos manifestantes estão ligadas ao sistema geral
de sacudir a situação que é praticado no Ocidente,
primariamente nos EUA.
É suficiente ver como os eventos foram preparados na Ucrânia, na
Geórgia, na Moldávia, como eles foram preparados em centenas de
outros países através de intervenção estrangeira
utilizando o método da tecnologia laranja.
Tudo acontece sempre da mesma maneira em toda parte.
Primeiramente, uma vítima sagrada é seleccionada, então
grupos comprovados que pouco se importam com a causa são utilizados.
O principal para eles é que o desempenho seja contra a Rússia e
em apoio de manipuladores estrangeiros.
O mesmo esquema funciona na Rússia quanto à
colecta de lixo
e em
Ekaterinburg
. Não importa qual seja o motivo, o mais importante é continuar a
abalar a situação.
E enfatizo que os americanos conseguiram fazer isso muitas vezes. No segundo
escalão, eles habitualmente envolvem separatistas e isto também
está a ser preparado na Rússia. "
Assim, em vez de realizar uma marcha sancionada no dia 16 de Junho, houve um
evento
de "apoio a Golunov".O comparecimento a este comício foi
patético. Como diz Federov, Putin neutralizou a bomba de Golunov,
libertando o "jornalista" e sacrificando alguns generais da
polícia. É claro, os ataques da media social seguiram o mesmo
roteiro que os protestos e prisões não autorizadas de Navalny
(não se vê indignação contra a
detenção de Kirill Vyshinsky, naturalmente):
Os media da quinta coluna russa
em uníssono começaram a promover
a campanha das ONGs "Eu/Nós Somos Golunov". Jornais do Reino
Unido
apresentaram
a situação como Putin "recuando" e alegaram que
"a imprensa independente é assediada, o que na realidade significa
que o FSB não deixa a quinta coluna respirar. Houve também
tentativas (
exemplo
) de estender o modelo Golunov a outras "prisões ilegais". E
a cereja em cima do bolo é que o palhaço Navalny esteve presente
na marcha não sancionada de Golunov:
Há, é claro, outros exemplos de agitação instigada
pelos EUA na sociedade russa variando de
igrejas em Ekaterinburg
às
pensões de reforma
mas todos eles mostram os mesmos traços de uma
"revolução colorida" e deparam-se com o mesmo problema:
Putin está um passo à frente deles .
Para abreviar uma história longa, após a guerra da Síria a
aplicação pela América de sua tecnologia da
"revolução colorida" é inadequada quando se
trata de derrubar líderes de superpotências nucleares ou
líderes dos países seus aliados. Não é apenas a
Eurásia que é alvo desses ataques Trump também
ataca a UE [
exemplo
e
exemplo
] também os estados individuais qualificados, para utilizar a
expressão de Naryshkin, como "potências amigas e neutrais em
tempos de paz, crise e guerra". E considerando a actividade da
Rússia e da China na África hoje, esta inadequação
pode significar que os países do "terceiro mundo" que antes
foram arrasados pelo método mais básico de capturar o poder
estatal podem começar a escapar da rede de colonização e
desfrutar a protecção oferecida pela "contraprova
algorítmica" da Rússia. Afinal de contas, basicamente
é isso que a Venezuela está a fazer e é a única
razão pela qual Maduro, tal como Assad, ainda está no poder.
Por que utilizo a palavra "algorítmico"?
Se nos recordamos, no meu
artigo
anterior apresentei a ideia de que a tomada de decisões de
política externa de superpotências nucleares está a ser
assistida por supercomputadores, simplesmente porque o modo como nos
comunicamos e enviamos/recebemos dados está a tornar-se exponencialmente
mais rápido e o cérebro humano não é capaz de
processar tais dados a essa velocidade. Devido a esta rapidez de
comunicação, isso significa que um estado pode infringir a
soberania de outro estado (tanto digitalmente como fisicamente), assestar um
golpe e retirar-se para uma relativa segurança antes de o alvo ter tempo
para responder adequadamente. Assim, a implantação do S-400
permitiu à Rússia estabelecer certas regras nas
relações internacionais que: a) diminuíssem a
pressão sobre as armas nucleares russas a dissuasão de
todas as dissuasões; e b) exercessem pressão sobre os EUA de tal
forma que Washington actualmente e provavelmente nos próximos 25
anos, pelo menos não tem como contestar.
Então, entendemos a partir directamente da descrição acima
que, como em qualquer sistema, pode haver latência/defasagem
(latency/lag)
quando se trata de responder. Mencionei no passado como a Rússia foi
apanhada de surpresa com a primeira bandeira falsa dos "Capacetes
Brancos" (Ghouta em 2013, a qual foi concebida para comprar tempo para os
jihadistas), uma vez que foi utilizada uma tecnologia de media nunca foi vista
antes. A segunda bandeira falsa Khan Shaykhun teve muito menos
êxito pois a Rússia já havia posicionado seus jactos, foi
capaz de aprender com a falsa bandeira anterior e portanto ajustou seu
algoritmo (ver meu artigo anterior, especialmente a secção acerca
da desinformação mediática com equações
complexas) e
desenvolveu uma campanha mediática contrária
. A terceira bandeira falsa Duma [parlamento] foi
mesmo mais do que um fracasso
.
O objectivo do adversário é superar o rival no espaço da
informação global através de uma media coordenada e
campanha no terreno (cunhada por alguns como "guerra de quarta
geração"). Os "Capacetes Brancos" têm de
filmar a bandeira falsa e as agências têm de espalhar as imagens
falsas em paralelo, coordenando-as com os tópicos diários gerais
de tal modo que o consumidor sinta que o seu serviço de notícias
regular "confiável" é o mesmo de sempre porque a
última coisa que um governo neoliberal quer é que os seus
súbditos comecem a pensar gente do governo está a patrocinar a Al
Qaeda. Por outras palavras, quanto maiores as apostas geopolíticas, mais
tecnologicamente refinados são os métodos usados no espaço
da informação.
Neste caso, não se trata apenas da velocidade de um ataque
"híbrido", mas também da sua composição.
Pode-se ter o algoritmo informacional "input>
processamento> output" mais rápido, mas ele é
inútil se não puder proporcionar ângulos de ataque
múltiplos.
Aqui está um diagrama muito abstracto (apressado) que fiz só para
ilustrar este ponto. O círculo negro representa um ponto designado no
tempo, quando todos os recursos da media papagueiam em sincronia "Assad
gaseou o seu próprio povo". O objectivo da América é
coordenar o maior número possível de
"informações de ataques químicos", fazendo com
que pareçam "críveis". As setas vermelhas representam o
contra-ataque da Rússia, que impedirá o círculo negro de
crescer (o Ocidente de empregar mais recursos de media/ONGs para disseminar a
desinformação) ou avançar (o Ocidente utilizar a mesma
quantidade de recursos, mas relatando "actualizações"
ao longo do tempo). Foi assim que a tentativa de executar uma quarta bandeira
falsa foi negada ver exemplos
aqui
,
aqui
,
aqui
e
aqui
. Como mencionei em
outro artigo
, esta mesma táctica preventiva foi muito usada no Donbass para travar a
pressão agressiva exercida pelos EUA. É claro que o mapa
não é o território, e o diagrama abaixo não
representa literalmente como funciona o supercomputador do Ministério da
Defesa russo.
O leitor pode estar a pensar "Você disse que a Síria era
exemplo de uma 'revolução colorida', não de 'sondagem
algorítmica', então por que usá-la como exemplo?" A
resposta é: a Síria não é uma superpotência
nuclear e, portanto, a "tecnologia da revolução colorida
(embora incrementalmente melhorada ao longo dos muitos anos da guerra)
funcionou. No caso da Rússia, a tecnologia "revolução
colorida" não funciona, ponto final. Por isso, a única
opção dos EUA é tentar injectar este
"vírus", como o chama Naryshkin. Assim, o objectivo da
América é invadir o espaço de informação
russo sem que as autoridades russas tenham tempo para repelir ataques. Quando
encarado de uma perspectiva gestáltica, a América teria assim uma
presença permanente no espaço de informação russo,
uma vez que no momento em que a Rússia tapasse um buraco, outra pancada
teria sido dada de outro ângulo.
Navalny, Golunov, o Centro de Yeltsin, RBK,
Kommersant, Novaya Gazeta,
Meduza, Roizman, Kasparov, Kasyanov, Gorbachev, Solzhenitsyn a
América certamente tem muitos recursos à sua
disposição, mas todos eles sofrem do mesmo problema: eles
são concebidos para fazer os povos ocidentais odiarem o mundo russo
(duvido que os russos se importem com o que ratos como Jeremy Hunt pensam), mas
eles não abalam perceptivelmente a situação interna na
Rússia. E afinal de contas, são os próprios russos que
determinam a legitimidade do governo russo, não Blogs do Joe em
Coventry. Em consequência, a única esperança dos Estados
Unidos quanto a paralisar o legado de Putin é criar uma identidade russa
fantasma que possa desencadear uma guerra civil. Isto é tópico
para um outro artigo, mas o leitor amigo da Rússia não deve
começar a perder o sono de imediato, pois estou a falar acerca de
processos que precisam de 10 a 20 anos antes de podermos começar a
julgar se a tecnologia de golpe de Estado dos EUA adaptou-se ou não
às necessidades da CIA.
Uma coisa é certa: na medida em que o Estado russo for viável e
auto-suficiente, a inquietação social permanecerá para
Washington apenas um sonho erótico, não uma realidade. E
não está excluído que a situação
socio-económica dentro dos Estados Unidos e/ou da UE ceda antes que
qualquer algoritmo ianque começar a envenenar as raízes do Estado
russo. Afinal, a América tem uma retaguarda, a Rússia
também tem recursos de disseminação de
informação e o S-400 não vai embora. E que espécie
de tecnologia tem a China? Imagine se supercomputadores russos e chineses
estiverem interconectados? Realmente não, porque eu não quero
provocar dor de cabeça no leitor!