EUA gaguejam com o fracasso da NATO
por Kaveh L Afrasiabi
[*]
Supostamente a secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza
Rice, é uma especialista em Rússia. Mas ninguém diria
isso ao examinar a sua declaração triunfal de que a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO)
derrotará os objectivos russos na Geórgia.
Rice proclamou audaciosamente que a Rússia "está a tornar-se
cada vez mais fora da lei neste conflito", referindo-se à ofensiva
russa na Geórgia a seguir ao ataque desta à região rebelde
da Ossétia do Sul. "Eles pretenderam e provavelmente ainda
pretendem estrangular a Geórgia e a sua economia", disse Rice
referindo-se às forças russas que permanecem na Geórgia.
Contudo, numa cimeira de emergência de ministros de negócios
estrangeiros da NATO, em Bruxelas, países europeus concordaram em
suspender contactos formais com Moscovo até que as suas tropas saiam,
mas recusaram-se a curvar à pressão americana por penalidades
mais severas. A NATO está "a considerar seriamente as
implicações das acções da Rússia para o
relacionamento NATO-Rússia", dizia uma declaração dos
26 membros da aliança.
O facto é que a Rússia finalmente riscou uma linha na areia e,
para todos os propósitos práticos, o limite pára no
Cáucaso Sul. Além de desestabilizar a Europa, não
há praticamente nada que os EUA possam fazer acerca disto, excepto fogo
verbal, como Rice tem estado a fazer incansavelmente desde o estalar das
hostilidades Rússia-Geórgia em 7-8 de Agosto. E mesmo a
retórica caiu em ouvidos moucos em Moscovo.
O presidente georgiano Mikheil Saakashvili etiquetou os russos como
"bárbaros", mas o antigo promotor de Nova York deveria ter
tido um curso de geopolítica global antes de enfrentar loucamente o urso
russo.
Há quatro causas interrelacionadas para a presente crise: irredentismo
na Geórgia; expansão da NATO; o plano dos EUA para estacionar um
sistema anti-mísseis na Europa do Leste, considerando uma capacidade de
primeiro ataque por Moscovo; e a geo-economia da segurança
energética.
Os militares da Rússia entraram agora no cálculo da
segurança energética e, à luz da pesada dependência
da Europa em relação à Rússia, a crise certamente
terá impacto sobre a futura política de pipelines na Europa.
Da parte dos EUA, ao invés de aplicar a aritmética do realismo
político e chegar a termos com as razões da ira russa, isto
é, com a inamistosa, intrusiva e ameaçadora expansão da
NATO próximo ao território russo, os EUA estão agora
procurando aumentar a insegurança da Rússia pressionando mais
agressivamente em favor do papel e influência da NATO na região e
para além dela. Os EUA estão a aproveitar-se do temor da
Ucrânia e outros países vizinhos em relação ao poder
russo, que adquiriu plena evidência na Geórgia nestes
últimos poucos dias.
Tais reacções belicosas dos EUA não estão em
sincronia plena com as necessidades e interesses da Europa e nem com os
próprios interesses dos EUA tais como envolver a Rússia no
NATO-Russia Council. Apesar de as legítimas preocupações
de segurança nacional
de Moscovo terem sido completamente postas de lado e ignoradas em Washington (e
numa menor medida em Londres), outros líderes ocidentais, tais como
aqueles em Paris e Berlim, têm sido mais cautelosos e pode-se mesmo dizer
que consideram o ponto de vista russo.
Doravante, uma nova fissura trans-Atlântica entre os EUA e alguns dos
seus aliados europeus que são membros da NATO pode estar iminente.
Da sua parte, o fracasso da União Europeia em oferecer à
Rússia uma estrutura adequada para a parceria estratégica,
reflectida na sua incapacidade em providenciar um novo acordo de
cooperação com Moscovo, é também uma fonte da crise
actual.
Mas, com a Rússia firmemente a descrever as suas relações
com a UE como um pilar fundamental da sua política externa, a UE hoje
não tem outra escolha senão reestruturar seus cálculos de
segurança parcialmente sob a sombra da Rússia. Para vizinhos da
Rússia, tais como a Ucrânia e a Geórgia, que ainda abrigam
a ideia de aderir à NATO, a guerra na Geórgia quase cimentou o
poder de veto de Moscovo, a menos que estes países estejam prontos a
aceitar piores consequências.
Em relação à China, que se limitou a uma
reacção estudada aos desenvolvimentos em ritmo rápido, as
probabilidades são de que a simpatia real de Pequim esteja com a
Rússia e neste pós 11 de Setembro de 2001, no ambiente
internacional, Pequim e Moscovo têm uma maior causa comum em
relação ao unilateralismo estado-unidense e expansão da
NATO do que desacordos sobre tácticas e sub-estratégias
específicas. Numa palavra, no futuro próximo podemos esperar uma
mais estreita cooperação de segurança entre a
Rússia e a China, através da Organização de
Cooperação de Shangai, devido à ameaça dos EUA e da
NATO captada pelas duas potências.
Dado o dano a longo prazo para as relações EUA-Rússia em
consequência desta crise e a insistência dos EUA em que nada
fizeram de errado e em que Moscovo deveria arcar com toda a culpa, uma nova era
de relações gélidas que recorda a Guerra Fria foi imposta
a quem
assumir a próxima administração dos EUA, não
importa quem vença em Novembro próximo
Embora superficialmente a atitude de "dureza com a Rússia"
adoptada pelo senador republicano John McCain possa parecer que saiu
beneficiada com esta crise, pressionando os eleitores dos EUA a enfatizarem
mais a segurança nacional, é claro que uma política
flexível dos EUA terá de misturar mais elementos de diplomacia
junto a Moscovo para ter êxito. Isto significa prestar mais
atenção ao estado de espírito russo, à psicologia
política e às ameaças captadas quanto à
segurança nacional, ao invés de afastá-las como
"absurdas" tal como fez Rice não há muito tempo.
A crise também é um teste ácido para a
elaboração de uma política estado-unidense
"inteligente", uma premissa que tem permanecido em potencial apesar
das pretensões oficiais nesse sentido. Simplesmente não é
sensato encurralar o urso russo e provocá-lo à agressão
tomando iniciativas grosseiras que ameaçam os interesses da
segurança nacional russa.
Uma abordagem tão tacanha dos assuntos globais é certamente uma
receita para o desastre e, talvez, o candidato democrata à
presidência, senador Barack Obama e seu apêlo à
mudança, seja a alternativa certa para repor as perturbadas
relações americano-russas de volta ao bom caminho.
Ele poderia fazer isto revertendo ao que fez o antigo presidente Bill Clinton,
isto é, renegando a promessa de George Herbert Bush quanto à
expansão da NATO.
Tudo o que Rice e seus ajudantes precisam fazer é se porem na pele de
Moscovo e tentarem digerir o que significaria se o desmantelamente tivesse
sido o da NATO e não o do Pacto de Varsóvia e se este estivesse
agora à procura de vários novos membros enquanto, simultaneamente,
ameaçava a segurança nacional do antigo adversário.
Não é difícil imaginar, mas ainda assim ninguém em
Washington parece capaz de efectuar este exercício elementar.
[*]
PhD, autor de
After Khomeini: New Directions in Iran's Foreign Policy
(Westview Press) e co-autor de "Negotiating Iran's Nuclear Populism",
Brown Journal of World Affairs,
Volume XII, Issue 2, Summer 2005, com Mustafa Kibaroglu. Também
escreveu "Keeping Iran's nuclear potential latent",
Harvard International Review,
e é autor de
Iran's Nuclear Program: Debating Facts Versus Fiction
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O original encontra-se em
http://atimes.com/atimes/Central_Asia/JH21Ag03.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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