Tribunal Mundial sobre o Iraque - Audiência Portuguesa

ACUSAÇÃO


I- INTRODUÇÃO

1- A Sessão do Porto da AP-TMI foi constituída por duas MESAS – a de DEPOENTES, integrada por Fernanda Araújo, Professora e membro do Grupo do Porto AP-TMI, Nuno Grande, Médico e Professor Universitário, Artur Águas, Médico e Professor Universitário em representação da Associação dos Médicos Portugueses contra a Guerra Nuclear e todas as Guerras, Manuel Raposo, Arquitecto e membro da Comissão Nacional Organizadora da AP-TMI e Padre Mário de Oliveira, Jornalista. A de SÍNTESE foi composta por José Mário Branco, compositor, José Rocha Paiva, Animador Sócio-Ambiental, membro da Direcção do grupo “Terra Viva – Terra Vivente” – Associação de Ecologia Social, Mestre José Rodrigues, Escultor, Luiza Cortesão, Professora Universitária, José António Gomes, Escritor, Rui Pereira, Jornalista e Escritor e Jorge Rocha, membro do grupo do Porto AP-TMI, moderador. Os escritores Mário Cláudio e José Viale Moutinho remeteram reflexões postas à consideração de todos os intervenientes;

2- A cada um dos DEPOENTES foram lançados previamente alguns quesitos de modo a que pudessem orientar tematicamente as suas intervenções. Aos integrantes da mesa de SÍNTESE foi pedido um COMENTÁRIO geral aos DEPOIMENTOS prestados com possibilidade de acrescentarem pontos, assuntos ou particularidades que considerassem relevantes;

3- A presente síntese, que deve ser considerada como ACUSAÇÃO – da responsabilidade exclusiva do Grupo do Porto – pretende, assim, reproduzir a fotografia real do que consideramos terem sido as linhas mestras de todo o conteúdo que perpassou pela Sessão de 12 de Novembro. Incluindo o contido na declaração política de abertura da sessão a cargo de Paulo Esperança em nome do grupo do Porto da AP-TMI, nas mensagens, das Direcções do Porto do Bloco de Esquerda e do PCP, da Associação Cultural de Chafé, Viana do Castelo e, naturalmente, das poucas (as que o tempo disponível permitiu) intervenções da assistência.

II. SÍNTESE DAS RESPOSTAS AOS QUESITOS

QUESITO Nº 1
1- O ataque ao Iraque é produto de uma orientação política inteiramente nova assumida pela administração de G. W. Bush e pelos chamados neoconservadores?
2- Em que medida, esse ataque prolonga, com novos métodos, a política tradicionalmente hegemónica dos EUA?
3- Os EUA, principalmente depois da 2ª guerra mundial têm sido um factor de pacificação no mundo?


CONCLUSÃO

a) FICA PROVADO que a orientação não é nova nem o mundo ficou mais seguro!
Em 1980 James Carter – entretanto Prémio Nobel da Paz – avisava que qualquer tentativa estrangeira para controlar a região do Golfo Pérsico seria considerada um “ (…) ataque aos interesses vitais do EUA (…) ”. Em 1992, Paul Wolfowitz no seu “Guia de Planeamento e Defesa” referia sete pontos críticos à liderança dos EUA – o Iraque era um dos principais. No primeiro semestre de 1998 o grupo que elaborou o “ Projecto para um Novo Século Americano” (PNAC) exigia a Bill Clinton o derrube de Saddam Hussein. Em Setembro de 2000 o relatório “Reconstruindo as Defesas da América” - “PNAC”, defendia ataques preventivos considerando não se poder “ (…) permitir que Coreia do Norte, Irão, Iraque…minem a liderança ou ameacem a pátria americana (…) ” ” ;

b) Entretanto, Saddam Hussein passou de aliado a inimigo: a chacina sobre o povo curdo foi considerada irrelevante mas a gradual autonomia iraquiana tornou-se notada por quem mantinha sob vigilância um território de largos recursos.
FICA PROVADO que duas medidas estruturais constituíram o princípio do fim do Iraque enquanto país soberano: a constituição em 1990 do Conselho para a Cooperação Árabe criando acordos de cooperação regionais e a indexação do preço do seu petróleo ao euro, em Novembro de 2000;

c) A herança política americana tem fornecido ao longo dos anos, com presidentes “burros” (símbolo do Partido Democrata) ou “elefantes” (símbolo do Partido Republicano), uma concepção de política expansionista, cruzada anti-comunista, teorias conspirativas, alucinações colectivas em nome da luta contra o terrorismo. No fim, disputas de esferas de influência e locupletamento dos bens e riquezas alheias.
A vida e os factos PROVAM ainda que os EUA, principalmente depois do fim da segunda Guerra Mundial estenderem ostensivamente os seus tentáculos protagonizando, pelo menos, quarenta e duas intervenções armadas em países soberanos à revelia de qualquer respeito pelas normas do direito internacional.
As centenas de milhares de soldados repartidos por mais de 800 bases espalhadas por todo o planeta – dos 191 países reconhecidos pela ONU 130 têm algum tipo de presença militar norte-americana – PROVAM que o direito internacional para os EUA é para ser usado ao rimo das conveniências e da chantagem económica e financeira;

d) FICA AINDA PROVADO que o velho conceito de acção em “legítima defesa” – ao abrigo do artigo 51º da Carta da ONU – teve revogação tácita e que o seu Conselho de Segurança - à revelia do que estabelecem os artigos 39º e 42º da Carta da ONU – serviu apenas como órgão consultivo, porque não deu jeito.

QUESITO Nº 2

1- Antes da invasão do Iraque os EUA anunciaram variadas vezes que seria uma guerra “limpa e cirúrgica”. o que se passou a seguir corresponde a essa “promessa”?
2- A luta contra o que os Estados Unidos têm designado por terrorismo acrescentou mais algum perigo à humanidade no que toca ao uso de armas de destruição massiva por parte das potências dominantes?


CONCLUSÃO

a) OS FACTOS PROVAM que a guerra foi suja e indiscriminada e que as armas de destruição maciça foram utilizadas abundantemente pela coligação invasora causando, criminosamente danos nos intervenientes dos “dois lados”.
Os EUA e restante aliados utilizaram, ou permitiram a utilização, de inúmeras armas ilegais incluindo bombas de fragmentação e bombas com urânio empobrecido;

b) Indicadores resultantes do estudo de dados relativos à chamada “ 1ª Guerra do Golfo – 1991” demonstraram que mais de 180 mil veteranos de guerra são portadores de incapacidades múltiplas – duas vezes e meia mais que no Vietname, e cinco vezes mais que na Guerra da Coreia. As principais doenças – além do inevitável stress pós-traumático – foram as cefaleias e os diversos tipos de cancro. Das crianças concebidas depois do regresso dos pais da “frente de guerra” 67 % nasceram com malformações congénitas raras.
Todos os elementos disponíveis apontam para a acção de elementos nucleares ionizantes especialmente, além do urânio empobrecido – mais barato e fácil de trabalhar – o tungsténio radioactivo;

c) Na invasão de 2003 foram utilizadas novas armas entretanto testadas nas montanhas do Afeganistão durante o ataque ao “regime taliban”: as “mini – nukes ” – armas perfurantes com cabeça nuclear. Estas armas, com 5 a 10 megatoneladas de potência são susceptíveis de provocar um buraco de 18 metros de profundidade e uma cratera de 43 metros de raio. A explosão expande-se até um quilómetro;

d) Estudos realizados e publicados na revista médica britânica LANCET para comparar mortalidades durante dois períodos – 6 a 14 meses antes da invasão e 8 a 17 meses depois de Março de 2003 permitiram aferir que o risco de morte da população iraquiana aumentou 2,5 vezes depois da intervenção da coligação liderada pelos EUA. As estimativas apontam para o facto de terem ocorrido, devido à invasão, 98 mil mortes na população iraquiana (fruto essencialmente de ataques aéreos) que – se outrora morria primordialmente de enfarte do miocárdio, doenças cardiovasculares e outras doenças crónicas – passou a morrer devido aos actos de violência das forças da coligação invasora. A maioria das mortes corresponde a mulheres e crianças tendo o risco de morte violenta aumentado cerca de 58%;

e) FICA ASSIM PROVADO que os EUA não engendraram nenhuma “guerra limpa” e que se permitiram utilizar o seu armamento atómico sabendo as consequências criminosas que isso representaria para a humanidade, incluindo os seus próprios soldados. DEVEM POR ISSO SER ACUSADOS de crimes de guerra tipificados, nomeadamente, no artigo 8º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
Os EUA deverão ainda – pela utilização de armas de destruição maciça e experimentação de material nuclear à revelia das convenções internacionais que se recusam a assinar – SER ACUSADOS de crimes contra a humanidade em face do genocídio que têm vindo a gerar no Iraque.

QUESITO Nº 3

1- Ao continuar a apoiar, no plano político e prático, a decisão dos EUA/GB de invadirem e ocuparem o Iraque, o governo português pode desvincular-se dos resultados decorrentes dessa acção?
2- As provadas mentiras difundidas pela coligação invasora e potenciadas pelo governo e poder portugueses podem indiciar má fé, seguidismo e defesa de interesses obscuros quanto à “partilha do bolo da reconstrução” e à pilhagem de recursos naturais iraquianos?
3- Em que medida o reiterado apoio à política da coligação ocupante faz do governo português cúmplice do que se passa actualmente no Iraque?

CONCLUSÃO


a) A escolha do governo português então liderado por Durão Barroso foi um acto consciente de cumplicidade com uma política de guerra que o envolve em todos os actos criminosos subsequentes e cuja suposta periculosidade pretendeu transmitir com políticas internas securitárias roçando o campo da xenofobia.
O governo português DEVE SER ACUSADO formalmente por ter apoiado a invasão de um país soberano reconhecido pela comunidade internacional; DEVE SER ACUSADO de colaboracionismo activo pela sua participação na “Cimeira da Guerra” realizada na Base das Lajes; DEVE SER ACUSADO pela colaboração prática na ocupação do Iraque através do envio de forças da GNR;

b) FICOU PROVADO que a decisão belicista foi deliberada já que, tendo invocado previamente o conhecimento objectivo da existência de armas de destruição maciça no Iraque, o governo português nunca se retractou das falsidades em que incorreu e ajudou a difundir;

c) O governo português agindo contra a maioria – por várias vezes expressa – dos seus concidadãos DEVE SER ACUSADO de cegueira desmedida relativamente aos EUA, porventura confiante na partilha de algumas migalhas do “bolo da reconstrução”. .
Ao nomear um seu enviado – José Lamego do Partido Socialista – para “ajudar” a “Autoridade de Governo” nomeada por G.W.Bush o governo português, depois de declarado o “fim da guerra”, terá conseguido a celebração de mais de vinte contratos no sector petroquímico, têxtil e de obras públicas cujo risco financeiro será coberto pelo Banco Millennium BCP que integra um consórcio internacional liderado por entidades bancárias do EUA e cujo risco estará assegurado por um “fundo para a recuperação do Iraque” resultante de dinheiro proveniente do programa petróleo por alimentos;

d) Todos estes factos provam que HOUVE INTENÇÃO DELIBERADA dos governos de Durão Barroso/Santana Lopes – de ajudar a atacar e pilhar um país independente não podendo eximirem-se à cota – parte de responsabilidade nos acontecimentos que têm vindo à luz do dia como os massacres de Abu Greib, ou os atentados à Convenção de Genebra sobre os direitos dos presos como acontece em Guantánamo.

e) Também o Presidente da República não pode ser afastado de algumas responsabilidades. Sendo certo que a GNR é uma força dependente do Governo poderia e deveria ter sido mais na denúncia do papel do poder legislativo e executivo português no alinhamento incondicional com a coligação invasora. ACUSA-SE o Presidente da República de ter proferido afirmações diversas e dispersas sem que usasse o direito constitucional de se dirigir ao Parlamento ou aos cidadãos deste país.

QUESITO Nº 4
1- As acusações contra o Iraque (adm, exércitos invencíveis, suporte de redes terroristas internacionais etc,) – que se provaram serem falsas – resultaram de enganos, de erros de informação – ou foram montagens para iludir a opinião pública e fazer da guerra um facto consumado?
2- Quem construiu, em Portugal, essa central de intoxicação? Só o governo? A comunicação social – em particular alguns “fazedores de opinião” – não podem ser responsabilizados por terem alinhado premeditadamente nessa campanha de intoxicação e mentira?
3- Deve-se-lhes, ou não, exigir um retractamento pelo que despudoradamente andaram a “vender”?

CONCLUSÃO

a) Em Portugal a comunicação social – não será despiciendo a sua concentração em três ou quatro grupos económicos – funcionou a reboque das posições maioritárias que lhe foram sendo induzidas. Desde oficiais fardados remetidos por Paulo Portas para os estúdios de televisão até às fontes utilizadas – geralmente americanas ou “ocidentais” - de tudo um pouco se viu para fazer realçar tópicos como – “libertar o Iraque”, ou “a inevitabilidade do uso da força bélica”. Poucos se preocuparam com a existência ou não de ADM no Iraque, sobre e legitimidade e legalidade para o acto invasor e para as consequências para o mundo e para a região.
Por isso FICA PROVADO que o sistema mediático português agiu em defesa de uma das “partes”, mentiu na informação pretensamente objectiva que foi transmitindo sem qualquer crivo matrizador ou verificável. Construiu primeiras páginas que indiciavam que os “mauzões” iam ser castigados e que o “mundo livre” estava de volta.
Em nenhum órgão de comunicação social português se viu qualquer espécie de autocrítica ao contrário de alguma imprensa americana que já assumiu publicamente ter feito parte do processo manipulatório;

b) A par da “iniciativa informativa” desenrolou-se todo um processo de intoxicação que passou por “comentadores” e “fazedores de opinião” omnipresentes e omnipotentes na esmagadora maioria dos órgãos de comunicação social, alguns deles com posições de destaque na respectiva direcção editorial.
Sem se pôr em causa o direito à livre opinião ACUSA-SE, no entanto, a maior parte desses “fazedores de opinião” de a terem dado à estampa fundamentando-a em mentiras e mistificações sem qualquer laivo de arrependimento.
Incitar ao crime é tão bárbaro como cometê-lo!

c) Na generalidade a comunicação social portuguesa DEVE SER ACUSADA de se ter mostrado para além de toda a razoabilidade e aquém de todos os procedimentos de confirmação jornalística imprescindíveis ao contraste da informação, excessivamente compreensiva e crédula perante a informação, os factos e as fontes que lhe chegavam privilegiando a verdade oficial transmitida pela coligação invasora.

Contacto: http://tribunaliraque.no.sapo.pt/ ,     Email: Grupo do Porto TMI - AP

Audiência Portuguesa
do Tribunal Mundial sobre o Iraque
Conferência de Imprensa
06/Janeiro/2005, 18h30

Biblioteca Museu República e Resistência
Rua Alberto de Sousa, n.º 10 A
1600-002 Lisboa


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05/Jan/05