Governo de
scooter
Para além do perfil de capitulação, marca genética
do Executivo de turno, outros traços vincam, desde já, o seu BI:
a leveza da palavra e a ence(nação) do gesto. Atente-se na
ejaculação retórica precoce e na decisão
política atabalhoada. Não nos admiremos dos impulsos
amadorísticos nem das piruetas simulatórias. O programa
está feito. Foi e continua a ser redigido pela Troika. Que reservou para
os intérpretes nativos a rábula, a cenografia, o figurinismo. A
Estilística pré-inaugurou-se com a contratação de
Fernando Nobre para presidente da Assembleia da República, negociata que
terminou num caso de
Passos Perdidos
e má figura do
independente
que jurara que só não ocuparia a cadeira de Belém se lhe
desferissem
um tiro na cabeça.
O homem estava vocacionado para mártir, para uma nota de
heroísmo nos festejos do centenário da República.
Felizmente que o
mon ami
de Mário Soares anda por aí sem guarda-cabeças. Já
investido como primeiro-ministro, Passos Coelho, interpelado por uma
repórter, não conteve um raspanete em
português suave:
toda a gente sabe que o Governo ainda não deu posse aos
secretários de Estado.
Sem cons(ciência) plena das suas atribuições, Passos
resolveu usurpar uma prerrogativa presidencial. Cavaco que se cuide. De
seguida, o
premier
resolveu fornecer à Nação e à Troika uma imagem de
exterminador implacável.
Abaixo os Governos Civis. Esqueceu-se o novel governante de uma subtileza: a
extinção desta instituição, que conta 150 anos e
numerosas responsabilidades no domínio social e da segurança,
requer revisão constitucional. Conclusão: correu com os
governadores civis mas ficou com os Governos Civis nos braços. Isto
é, descarregou as suas competências nos secretários e no
Ministério da Administração Interna, expediente de
duvidosa legalidade
e de expectáveis equívocos funcionais.
Mas o novel não se detém: sob a capa de um discurso
geométrico e polido, esconde-se um actor-aprendiz e outro
animal feroz.
Ainda não havia
aquecido o lugar
e a Lusolândia despertou com um estrondo: o governante passaria a viajar
em classe turística, a fim de mostrar a votantes e pagantes, ao Mundo e
à Troika que a austeridade
toca a todos.
Viria a saber-se que a TAP oferece passagens gratuitas aos membros do
Governo. O ilustre passageiro perdeu uma oportunidade de se sacrificar pela
pátria. Mas uma coisa é certa: o governante-estagiário
prosseguirá a tarefa de emagrecer serviços públicos e
engordar serviços privados. Poderemos igualmente ter a certeza de que
manterá a linha dos antecessores, escudado na evidência de que o
grosso do seu eleitorado sofre de amnésia há 35 anos. De resto, a
Comunicação Social tudo faz, mesmo tudo, para que os leitores,
radiouvintes e telespectadores rapidamente esqueçam tudo o que
não tenha a ver com Cristiano e Angélico. Não foi Passos
Coelho que, no dia 1 de Abril, em Vila Franca de Xira, terminante(mente) se
opôs a cortes nos subsídios, desde logo, o de Natal? Foi ele em
pessoa. Não mudou. Não mudará. Ele recebe ordens antes de
as dar. Ele foi preparado para prosseguir o desmantelamento do Estado Social, a
saldagem do património do Estado, o trespasse da dignidade nacional
(identidade/independência/democracia). A partir de agora, para os
troikanos, todos os dias serão 1 de Abril e nenhum será 25 de
Abril. Promete e não cumpre? Revalidará o contrato anti-social e
anti-democrático do anterior
compagnon de memorandum,
irmão troikano. Com duas diferenças: não será
tão profissional a vender automóveis usados nem veste Beverly
Hills. Muitas senhoras, devotas da democracia de
passerelle,
desculparão o
dandy:
a ameaça de bancarrota impõe outro talhe e outra fazenda.
Sobretudo declarações de voto de pobreza para não chocar
demasiada(mente) os espoliados. Nesta euro-emergência, serve um
pronto-a-vestir de El Corte Alemán ou um alfaiate de dedal em riste, de
alfinetes nos lábios e de fita métrica ao pescoço.
Assenta-lhe bem uma fatiota de casamento de Santo António, a ele, filho
de Ângelo Correia e Ângela Merkel, aliás, desajeitados
manequins. Manifestemos, pois, através de todos os grandes meios de
Comunicação, graças à escolha do BPP/
Bom Povo Português:
passamos a viver
na paz dos anjos.
De facto, três cirurgiões estão a fazer uma
operação de barriga aberta a Portugal, ao Estado Português,
ao Povo Português para retirar os órgãos vitais e a
Comunicação Social serve de anestesista. Um eleitorado
desinformado e amedrontado é
presa fácil
de aves de rapina: da águia germânica e da águia
americana. E de vampiros domésticos.
Eles comem tudo.
Zeca, volta.
Cada
saison
consagra os seus tiques e truques. O passismo tenderá a criar a sua
escola? Tenderá. Com tradição e inovação.
Reparemos no novel ministro da Segurança Social, Mota da Vespa. Com um
desenvolto ar de distribuidor de
pizzas
ao domicílio, montou um número mediático, indo de
motoreta até ao Palácio da Ajuda, onde lhe confiaram as altas
funções e onde prestou juramento. Chegou em duas rodas. Regressou
em quatro. Daí a dias, pretendeu assinalar com vigor a sua entrada na
Segurança Social e, para não ser apenas o
premier
a marcar a agenda das extinções em massa de 18 governadores
civis, anunciou que liquidaria 18 directores-adjuntos, logrando uma
poupança de 1,1 milhões de euros/ano. Os amplificadores deram a
boa-nova às vítimas do BPN e a 700 mil desempregados: estamos a
poupar.
O exemplo vem de cima.
Sucede que, na generalidade, os dispensáveis são
funcionários de topo. Portanto, continuarão em lugares
compatíveis e a receber vencimento conforme. E acontece que, mais uma
vez, não se arremete, em primeira instância, contra a macrocefalia
dos Serviços Centrais.
No rescaldo do colapso eleitoral, Sócrates revelou que iria
matricular-se num Curso de Novas Oportunidades Filosóficas em Paris,
receoso do ambiente académico em Atenas. Guterres, esse refugiou-se nas
sopas das Nações Unidas. Durão, esse almofadou-se nos
luxos da Comissão Europeia. Vários ministros de Passos vieram do
estrangeiro, desprezando fulgurantes carreiras para socorrer os banqueiros. O
Nobre continuará pelo estrangeiro a rivalizar com a santidade de Madre
Teresa de Calcutá. A Troika do estrangeiro veio para controlar as
tranches do saque. O povo é que não pode fugir à sua
circunstância: às suas responsabilidades e às suas
dificuldades. Terá de cumprir e fazer cumprir a
Constituição: nas instituições, nas empresas, nas
escolas, nas ruas. Não será Sua Excelência a repor a
soberania popular.
Os dados estão lançados.
A Constituição da República Portuguesa não tem
espaço interpretativo para se submeter aos agiotas da Europa e do FMI.
Estes não são os
passos
cadenciados das tropas da liberdade e da fraternidade. Estas não
são
as portas que Abril abriu.
Podem
vir de carrinho
ou de
scooter:
são funcionários do directório. São
miguéis de vasconcelos da UE, do BCE, do FMI. Não nos compete
apelar à defenestração dos Escrivães da Fazenda
Pública e dos Secretários de Estado da Duquesa de Mântua. A
democracia participativa recomenda fórmulas mais avançadas de
reposição da Ordem Constitucional e da Honra Perdida.
Bastará o Povo fazer um intervalo nas pelejas e
preocupações diárias e repelir o Processo
Reaccionário em Curso. Bastará que o povo retome as
Praças da Canção
e volte a escrever o seu nome com maiúsculas.
[*]
Escritor/Jornalista.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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