O euro e o desemprego em Portugal
Com o euro o país subiu para um novo patamar estrutural de desemprego.
E dentro do euro não tem nem os meios nem as possibilidades de vir a descer dele.
Oficialmente, em Portugal, a taxa de desemprego em junho era de 12,4%. Na
União Europeia era de 9,6% e na zona euro de 11,1%. Mas o cálculo
é muito restritivo. Por exemplo, basta que alguém tenha
trabalhado uma hora na semana de referência do inquérito para ser
logo considerado empregado. A taxa
oficial
de desemprego, por conseguinte,
não é uma boa medida do desaproveitamento da força de
trabalho na sociedade.
Se considerássemos os subempregados (que trabalham menos do que
gostariam), os inativos desencorajados (que querem mas já não
procuraram trabalho) ou temporariamente indisponíveis, os desempregados
ocupados em cursos de formação ou programas governamentais, os
que se viram obrigados a emigrar para ganhar a vida, a verdadeira taxa de
desemprego em Portugal seria muitíssimo maior (mais do dobro da oficial,
se os emigrados cá ficassem).
O crescimento demográfico aumenta a oferta de trabalho, mas as
sociedades europeias, muito especialmente a portuguesa, estão muito
envelhecidas, geralmente com taxas de fecundidade longe de assegurar sequer a
reposição da população. Na verdade, é a
imigração que atenua a tendência longa das sociedades
europeias para a extinção! São massas humanas dos
países subdesenvolvidos, despojadas das suas condições e
modos tradicionais de vida, destruídos pela globalização
capitalista e as guerras incentivadas pelo imperialismo, que se lançam,
através ou à margem dos circuitos legais da
imigração, em busca de sobrevivência e de uma vida melhor
nos países europeus, para que o grande capital possa afinal aproveitar e
explorar, simultaneamente
lá e cá,
essa força de trabalho mais barata e disponível. Ainda
recentemente, no mês de abril, morreram mais de mil e duzentas pessoas,
incluindo dezenas de crianças, em trágicos naufrágios de
embarcações clandestinas no Mediterrâneo, vítimas
das necessidades de acumulação do grande capital europeu e da
criminosa regulação dos fluxos migratórios de acordo com
as suas conveniências.
Cingindo-nos ao essencial, podemos considerar aqui a demografia mais ou menos
constante e, incluindo o contributo da emigração, deixar de lado
as variações da população ativa (Portugal, que
além da imigração tem uma forte emigração,
perdeu o acréscimo de ativos que tinha ganho desde 2000).
Mas não podemos fazer o mesmo com o progresso tecnológico, que
aumenta o estoque de capital e a riqueza produzida por trabalhador. Isto
é, que aumenta o valor das maquinarias e equipamentos (bem como das
matérias-primas, materiais auxiliares, energia e
instalações) empregues por trabalhador e o valor do produto por
trabalhador. O progresso tecnológico substitui a força de
trabalho humana pela máquina, incluindo a informatização,
a automatização, a robotização, as novas
tecnologias. A competição feroz entre os capitalistas, para
baixarem os custos e ganharem quota de mercado, estimula, impulsiona e obriga
à utilização do progresso tecnológico, ao aumento
do capital investido em máquinas e matérias-primas em
relação ao capital investido em força de trabalho, ao
aumento da produtividade do trabalho.
A compreensão disto, pelo menos a constatação disto,
implica uma conclusão muito importante. Sem considerar os efeitos
demográficos, a maneira de contrariar os efeitos do progresso
tecnológico sobre a diminuição da taxa de emprego,
nas sociedades capitalistas,
é aumentar ainda mais a acumulação de capital e a
produção de riqueza. Não é aqui o lugar para a
importante discussão sobre os limites, materiais (incluindo
energéticos) e económicos, deste crescimento.
Se a acumulação de capital não é mais rápida
do que o aumento do estoque de capital em relação à
força de trabalho e se o aumento da produção total
não é mais rápido do que o aumento da produtividade do
trabalho, a proporção do desemprego não baixa
[2]
. Dito de outra maneira, os ritmos do investimento (o aumento do capital
acumulado) e do crescimento económico (o aumento da
produção social) têm que ser maiores que o ritmo do
progresso tecnológico.
O euro gera desemprego
Por isso a Europa mais precisamente a zona euro e muito
especialmente Portugal vivem uma grande contradição.
Por um lado, a concorrência capitalista, interna e externa, em todas as
áreas de negócio, particularmente na produção de
bens transacionáveis, obriga à permanente aplicação
dos novos equipamentos e materiais, das novas técnicas e tecnologias,
dos novos métodos de produção, de
organização e de gestão, ao contínuo
revolucionamento do tecido produtivo e económico. Por outro lado, as
regras do pacto de estabilidade e crescimento, mais recentemente do tratado
orçamental e da governação económica, refreiam,
contêm e, no caso português, contraem mesmo o investimento e o
crescimento económico. Assim sendo, o resultado é o esperado, o
desemprego, bem calculado, sem prejuízo de significativas
oscilações, aumenta, pelo menos não diminui.
Evidentemente, como sucede com qualquer fenómeno económico e
social numa sociedade cheia de turbulência como a capitalista, este
aumento ou esta manutenção dos elevados níveis de
desemprego nos países da zona euro tem muitas irregularidades e deve ser
apreciado em traços largos, nas suas tendências e não nas
suas oscilações conjunturais. Varia no tempo e varia no
espaço. Alguns países são muito mais prejudicados que
outros e a divergência económica e social acentua-se.
Portugal praticamente não cresceu desde que aderiu ao euro, em janeiro
de 1999. E não cresceu mesmo nada desde que começaram a circular
as suas notas e moedas, em janeiro de 2002 (mais rigorosamente, o pouco que
cresceu voltou a perder). O investimento, aferido pela formação
bruta de capital fixo em ordem ao PIB, está em queda praticamente desde
a adesão ao euro e aos níveis mais baixos pelo menos das
últimas cinco décadas. Nestas condições, não
é nada surpreendente que os níveis de desemprego tenham aumentado
substancialmente. Apenas para dar uma ideia, cometendo a ligeireza de ignorar
as alterações metodológicas do apuramento, o
desemprego oficial
passou de uma média inferior a 6%, no quinquénio de 1990-94,
antes da galopada para a adesão ao euro, para uma média superior
a 14%, no recente quinquénio 2010-14, com o país completamente
atascado no euro.
Poderia afirmar-se que as elevadas percentagens dos anos recentes se deveram
à grande crise capitalista que irrompeu no mundo e na Europa em 2008.
Seria justo apenas na medida em que a crise contribuiu notoriamente para isso.
Mas, antes dela, com o euro, a taxa de desemprego já vinha a crescer
desde o início da década e já tinha duplicado de valor.
A própria crise e a sequela da crise da dívida soberana,
que levou o governo a chamar a
troika
confirmou a disfuncionalidade da integração de Portugal na moeda
única.
A arquitetura da zona euro, a restrição do défice
orçamental, o corte da despesa pública e a
contenção forçada do endividamento impediu que se
adotassem as medidas contracíclicas apropriadas, com o incremento do
investimento público e o estímulo ao investimento privado
produtivo, com o fomento do rendimento e do consumo dos setores populares, que
teriam impulsionado a procura, o crescimento e o emprego, em vez de,
inversamente, agravar e prolongar a crise (e aumentar ainda mais a
dívida). Mais uma vez, estar no euro contribuiu para o desemprego.
O caso é evidentemente mais grave para os países
periféricos e atrasados da zona, que já tinham sido os mais
prejudicados com a desproteção dos seus mercados internos e
imposição por via comunitária da livre concorrência,
na verdade a livre demolição, das suas produções
nacionais com as dos países tecnologicamente mais avançados da UE
ou as de outros países com custo de mão-de-obra muito inferior.
Mais grave, porque a moeda única e a respetiva gestão
monetária, financeira e orçamental não estão feitas
para eles. O câmbio ajustou-se genericamente à capacidade
produtiva e exportadora da Alemanha, aos seus níveis salariais e de
produtividade, ao seu perfil industrial e comercial, às necessidades dos
seus bancos e instituições financeiras, e prejudicou a
competitividade das produções portuguesas, arrasando setores e
extensos segmentos do tecido produtivo nacional, com a destruição
de muitos milhares de empresas e a inviabilização da
recuperação, do renovamento e do lançamento de tantas
outras. As consequências na perda e na desqualificação do
emprego, no aumento da precariedade e do desemprego, foram inexoráveis.
Note-se o contraste entre Portugal e a Alemanha. Em relação ao
período anterior à crise, o primeiro aumentou o desemprego, a
segunda diminuiu.
A perda do emprego produtivo
O emprego produtivo foi especialmente atingido, o que é testemunhado com
toda a nitidez pela impressionante redução de um terço dos
trabalhadores da indústria desde a adesão ao euro até 2012
(últimos dados). São menos os trabalhadores portugueses que
produzem riqueza e maior a proporção dos trabalhadores,
igualmente explorados, que asseguram a circulação e a
distribuição da riqueza criada, nomeadamente do seu controlo, da
sua concentração e centralização nos grupos
económicos e financeiros, associados e dependentes do grande capital
transnacional europeu. A adoção da moeda única facilitou
ainda mais os movimentos de capitais e lubrificou os canais financeiros e
especulativos de transferência de riqueza criada no país para o
estrangeiro, que aqui não é reinvestida nem cria postos de
trabalho.
Perdeu-se emprego e perdeu-se segurança no emprego. Aumentou a
precariedade. Aumentou a
intensidade do desemprego,
isto é, o número de desempregados e a duração do
tempo de desemprego. Quando o primeiro-ministro, com todo o seu cinismo de
cara-de-pau, afirmou, em março passado, que há pessoas que
continuarão a não ter oportunidade de emprego está
simplesmente a desmentir o que afirmou há três anos, de que o
desemprego representava uma oportunidade, e a enunciar uma lei de bronze da
integração económica e monetária europeia de
Portugal.
A saber. Com o euro, o país
passou para um novo patamar estrutural de desemprego
. E, dentro do euro, com as inevitáveis oscilações, que
podem ser consideráveis ao longo dos anos,
não tem nem os meios nem possibilidades razoáveis de vir a descer
dele
. Que o povo português retire daí as devidas conclusões do
que tem a fazer.
16/Agosto/2015
Notas
[1] Publicado originalmente na revista Portugal e a UE, junho
de 2015, nº 66. Ligeiramente melhorado e com os dados atualizados
(Eurostat, taxa de desemprego mensal, com ajustamento sazonal, 12/08/2015).
[2] Uma conta elementar ajuda a perceber. Designando por
e
a taxa de emprego, por
N
a oferta de trabalho, por
L
a força de trabalho empregue, então
e
=
L
/
N
. Designando por
K
o estoque de capital, por
Y
a produção total, então a relação entre o
estoque de capital e a força de trabalho é dada por
K
/
L
e a produtividade do trabalho é dada por
Y
/
L
, aumentando ambas com o progresso tecnológico. Como
e
=
L
/
N
=
K
/[(
K
/
L
)
N
] =
Y
/[(
Y
/
L
)
N
], se a oferta de trabalho (
N
) se mantém aproximadamente constante, para o emprego não
diminuir, isto é, o desemprego não crescer, o estoque de capital (
K
) e a produção total (
Y
) têm que aumentar mais do que aquelas (do que
K
/
L
e
Y
/
L
).
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