O mito Kennedy ascende outra vez

por John Pilger

No dia 5 de Junho de 1968, pouco após a meia noite, Robert Kennedy foi alvejado em minha presença no Ambassador Hotel em Los Angeles. Ele acabara de confirmar a sua vitória na primária da Califórnia. "Vamos para Chicago e havemos de vencer ali!", foram as suas últimas palavras, referindo-se à convenção do Partido Democrático que nomearia um candidato presidencial. "Ele é o próximo Presidente Kennedy!" disse a mulher que estava de pé perto de mim. Ela caiu a seguir no chão com um ferimento a bala na cabeça (sobreviveu).

Eu estivera a viajar com Kennedy através dos vinhedos da Califórnia, ao longo de estradas precárias ligadas por linhas eléctricas afundadas quase ao nível dos pórticos, e polvilhadas com as ruínas das fantasias de Detroit. Aqui, trabalhadores latinos vomitavam devido aos efeitos dos pesticidas e os candidatos prometiam-lhes que "fariam alguma coisa". Perguntei-lhe o que ele faria. "Nos seus discursos", disse eu, "é uma coisa que não fica claro". Ele mostrou-se confuso. "Bem, é baseado numa fé neste país… Quero que a América retorne ao que ela costuma ser, um lugar onde todos os homens têm uma palavra sobre o seu destino".

O mesmo testamento missionário, de "fé" nos mitos da América e no poder, tem sido pronunciado por todo o candidato presidencial de que há memória, mais pelos democratas, que começaram mais guerras do que os republicanos. Os Kennedys assassinados exemplificam isto. John F. Kennedy referia-se incessantemente à "missão da América no mundo" mesmo enquanto a afirmava com uma invasão secreta do Vietnam que provocou as mortes de mais de dois milhões de pessoas. Robert Kennedy fizeram a sua fama como um brutal conselheiro do senador Joe McCarthy na caça às feiticeiras do seu comité de investigação de "actividade anti-americanas". O Kennedy mais jovem admirava tanto o infame McCarthy que saiu do seu caminho para comparecer ao seu funeral. Como procurador-geral ele apoiou a guerra atroz do seu irmão e quando John F. Kennedy foi assassinado, utilizou o seu nome para ganhar a eleição como senador júnior por Nova York. Na Primavera de 1968 a sua fama de oportunista (carpet-bagger) estava consolidada na opinião pública.

Como testemunha de tais tempos e acontecimentos, fico sempre chocado com as tentativas interesseiras de revê-los. O extracto do livro 'Courage: eight portraits', do ministro das Finanças Gordon Brown, publicado no New Statesman de 30 de Abril , é um exemplo excelente. Segundo aquele candidato a primeiro-ministro, Kennedy colocava-se no pináculo da "moralidade", era um homem "movido para a ira e a acção sobretudo devido à injustiça, ao desperdício de vidas, à oportunidade negada, ao sofrimento humano. A sua política [foi] de levantamento moral e de exortação". Além disso, a sua "coragem moral é uma mercadoria mais rara do que a bravura na batalha ou uma grande inteligência".

Na verdade, Robert Kennedy era conhecido nos Estados Unidos pela sua falta de coragem moral. Só em 1968, quando o senador Eugene McCarthy promoveu a sua digna "cruzada das crianças" contra a guerra do Vietnam , é que Kennedy mudou a sua posição basicamente a favor da guerra. Tal como Hillary Clinton no Iraque de hoje, ele era um oportunista por excelência. Ao viajar com ele, ouvi-o fazer citações de Matin Luther King num dia e a seguir utilizar o código racista da lei e da ordem no seguinte.

Não é de admirar que o seu "legado" atraia este Brown embebedado por Washington, o qual procura em vão apresentar-se como um político com firmes raízes morais, enquanto prossegue uma agenda imoral que privatizou furtivamente preciosos serviços públicos e financiou uma invasão ilegal que matou talvez um milhão de pessoas. Como cúmulo disto tudo, ele quer gastar milhares de milhões no sistema de armas nucleares Trident.

Coragem moral, escreveu Brown acerca do seu herói, sem dúvida procurando associar-se a ele, "é a única qualidade essencial para aqueles que procuram mudar um mundo que só dá frutos rancorosamente e muitas vezes de modo relutante".

Um homem que tem Blair como seu parceiro literal no crime não podia dito melhor. Todo o mundo está errado, excepto ele e os seus acólitos. "Acredito que nesta geração aqueles com coragem para enfrentarem o conflito moral percorrerão a estrada que a história nos assinalou… construindo uma nova sociedade mundial…". Isto é de Robert Kennedy, citado por Brown, a celebrar uma noção de império cujo longo rastro de sangue certamente o seguirá até a Downing Street.

O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=435

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15/Mai/07