Com o primado da guerra, a função do jornalismo torna-se tabu
por John Pilger
Em 22 de Maio de 2007, a primeira página do
Guardian
anunciava um "Plano secreto do Irão para ofensiva de Verão a
fim de expulsar os EUA do Iraque". O seu redactor, Simon Tisdall, afirmava
que o Irão tinha planos secretos para derrotar tropas americanas no
Iraque, os quais incluíam "forjar laços com elementos do
al-Qaida". O "confronto" próximo seria uma trama iraniana
para influenciar uma votação no Congresso dos EUA. A
matéria "exclusiva" de Tisdall era redigida inteiramente com
base em
briefings
de anónimos responsáveis estado-unidenses e acenava com contos
ridículos de "células assassinas" do Irão e
"actos diários de guerra contra forças estado-unidenses e
britânicas". Suas 1200 palavras incluíram apenas 20 para o
categórico desmentido do Irão.
Aquilo era uma carga de lixo: era realmente um comunicado de imprensa do
Pentágono apresentado como jornalismo, tal como a ficção
que justificou a sangrenta invasão do Iraque em 2003. Dentre as fontes
de Tisdall estavam "conselheiros séniores" do general David
Petraeus, o comandante militar dos EUA que em 2006 descreveu sua
estratégia de travar uma "guerra de percepções...
conduzida continuamente através do noticiário dos media".
A guerra dos media contra o Irão começou em 1979 quando o
protegido do ocidente, o tirano Mohammad Reza Shah Pahlavi, foi derrubado numa
revolução popular islâmica. A "perda" do
Irão, o qual sob o xá era encarado como o "quarto
pilar" do controle ocidental do Médio Oriente, nunca foi esquecida
em Washington e Londres.
No mês passado, a primeira página do
Guardian
apresentou mais uma notícia "exclusiva": "O
Ministério da Defesa [britânico] prepara-se para tomar parte em
ataques dos EUA contra o Irão". Também desta vez, os
responsáveis citados eram anónimos. Desta vez o tema era a
"ameaça" apresentada pela perspectiva de uma arma nuclear
iraniana. A "prova" mais recente eram documentos requentados de 2004,
obtidos de um laptop em pela inteligência dos EUA e passado à
Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). Numerosas
autoridades lançaram dúvidas sobre estas suspeitas
falsificações, incluindo um antigo inspector chefe de armas da
AIEA. Um telegrama diplomático dos EUA divulgado pelo WikiLeaks descreve
o chefe da AIEA, Yukiuya Amano, como "solidamente no lado americano"
e "pronto para o horário nobre" [da TV].
O "exclusivo" do
Guardian
de 3 de Novembro e a velocidade com a qual a sua propaganda foi difundida
através dos media foram um recorde. Isto é chamado de
"dominância da informação" pelos treinadores de
media no estabelecimento de
psyops
(guerra psicológica) do Ministério da Defesa, em Chicksands,
Bedforshire. Este estabelecimento partilha instalações com os
instrutores dos métodos de interrogatório que levaram a um
inquérito público acerca da tortura militar britânica no
Iraque. Historicamente, a desinformação e a barbaridade da guerra
colonial têm andado lado a lado.
Tendo apelado a um assalto criminoso ao Irão, o
Guardian
opinou que isto "naturalmente seria loucura". Uma cobertura das
nádegas semelhante foi utilizada quando Tony Blair, outrora um
herói "místico" em polidos círculos liberais,
conspirou com George W. Bush e provocou um banho de sangue no Iraque. Com a
Líbia tratada recentemente ("Funcionou", disse o
Guardian
), o Irão parece que é o próximo.
O papel do jornalismo respeitável nos crimes de estado ocidentais
desde o Iraque ao Irão, ao Afeganistão e à Líbia
permanece tabu. Actualmente é obscurecido pelo teatro dos media
acerca do
inquérito Leveson
quanto a escutas telefónica, as quais Benedict Brogan do
Daily Telegraph
descreve como "um teste de tensão útil". Culpem Rupert
Murdoch e os tablóides por tudo e os negócios podem continuam
como habitualmente. Por perturbador que sejam os testemunhos de Lord Leveson,
eles não se comparam ao sofrimento das incontáveis vítimas
do jornalismo instigador da guerra.
O advogado Phil Shiner, que obrigou a um inquérito público acerca
do comportamento criminoso de militares britânicos no Iraque, afirma que
o jornalismo incorporado
(embedded)
proporcionou cobertura para a matança da "centenas de civis mortos
pelas forças britânicas enquanto estavam sob a sua
custódia, [muitas vezes sujeitando-os] às coisas mais
extraordinárias e brutais, envolvendo actos sexuais... o jornalismo
incorporado nunca poderá relatar tais notícias". Não
é nada surpreendente que o Ministério da Defesa, num documento de
2000 páginas revelados pelo WikiLeaks, descreva os jornalistas de
investigação ou seja, jornalistas que fazem o seu trabalho
como uma "ameaça" maior do que o terrorismo.
Na semana em que o
Guardian
publicou a sua matéria "exclusiva" acerca do planeamento do
Ministério da Defesa para um ataque ao Irão, o general sir David
Richards, chefe militar britânico, prosseguia uma visita secreta a
Israel, o qual é um genuíno fora da lei em armas nucleares e
isento de insultos dos media. Richard é um general altamente
político que, como Petraeus, tem trabalhado os media com
considerável benefício. Nenhum jornalista na Grã-Bretanha
revelou que ele foi a Israel discutir um ataque ao Irão.
Honrosas excepções à parte tal como o trabalho
tenaz de Ian Cobain e Richard Norton-Taylos, do
Guardian
nossa sociedade cada vez mais militarizada é reflectida em
grande parte da nossa cultura dos media. Dois dos mais importantes
funcionários de Blair na sua desonesta aventura encharcada de sangue do
Iraque, Alistair Campbell e Jonathn Powell, desfrutam um cómodo
relacionamento com os media liberais, suas opiniões sobre assuntos
dignos são procuradas enquanto no Iraque o sangue nunca seca. Para os
seus admiradores, como dizia Harold Pinter, as pavorosas consequências
das suas acções "nunca aconteceram".
Em 24 de Novembro, Dia Internacional para a Eliminação da
Violência Contra as Mulheres, as académicas feministas Cynthia
Cockburn e Ann Oakleys, atacaram aquilo a que chamaram "certos
traços e comportamentos masculinos generalizados". Elas pediam que
a "cultura da masculinidade fosse tratada como uma questão
política". A testoterona era o problema. Elas não fizeram
qualquer menção ao sistema de violência de estado
desenfreada que o império reabilitou, criando 740 mil viúvas no
Iraque e ameaçando sociedades inteiras, desde o Irão até a
China. Não será isto uma "cultura" também? O seu
pensamento limitado não é atípico. Ele diz muito acerca de
como estes media amigos das questões de identidade distraem da
exploração sistémica e da guerra, que permanece a fonte
primária de violência contra homens e mulheres.
01/Dezembro/2011
O original encontra-se em
johnpilger.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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