'Estão fazendo o possível para desprestigiar Zelaya'
por James Petras
entrevistado pela Rádio Centenário
"Creio ser evidente que um presidente liberal não
entende o que é o imperialismo. Por isso, confiou nas iniciativas.
Segundo: não entende a dinâmica de uma luta de massas porque na
América Latina, em particular, se não mostras a cara e 'metes os
peitos', encabeçando as grandes mobilizações, as pessoas
começam a perder a confiança".
Chury:
Petras, como vai você?
Petras:
Aqui estou, bem, lendo sobre os últimos acontecimentos em Honduras, em
Cuba e nos Estados Unidos...
Chury:
São três temas interessantíssimos. Podemos começar
pelo que prefiras...
Petras:
Poderíamos começar com o discurso de Raúl Castro, ontem,
citando o problema da agricultura, a falta de disciplina de trabalho e a
retórica política. Pessoalmente, gosto muito de ouvir como fala
Raúl Castro e gosto dos temas que trata. Não sei em que grau
está realizando as metas que fixa; porém, pelo menos está
enfocando temáticas essenciais para Cuba: em primeiro lugar, o descuido
com a agricultura; as importações por quase dois mil
milhões de dólares em mercadoria agrícola em um
país que tem uma das terras mais férteis na América Latina
e com grandes extensões cultivadas.
Raúl entendia que não se pode substituir retórica
política, seja revolucionária ou outra qualquer, pela
aplicação para solucionar problemas econômicos
práticos a partir de mudanças na forma de cultivar a terra. Por
exemplo, disse que devem converter muitas terras em cultivos familiares e que o
processo caminha, porém lento e com muitas travas burocráticas,
como acontece em Cuba. É uma crítica frontal para que se comece a
acelerar esse processo.
Eu nunca entendi, por exemplo, porque Cuba não pode ser autosuficiente
em arroz. Nunca me deram uma explicação clara e convincente em
Cuba. Importam arroz dos Estados Unidos e da República Dominicana e isso
é algo incompreensível. Muita gente tem assumido postos de
serviços sem se educar ou preparar-se para ser cultivadores eficientes,
modernos, para que Cuba possa eliminar as importações. Cuba deve
ser um exportador de alimentos e não um importador; e também
eliminar essa estratégia anterior de Raúl de importar alimentos
dos EUA, seu principal inimigo mortal.
A política externa no período anterior era um desastre.
Não dá certo colocar-se nas mãos de um país
imperialista, um país que não aceita vender produtos com
créditos; tinham que pagar em dinheiro vivo e, inclusive, adiantando os
pagamentos. Eram muitas coisas irracionais, combinando uma dependência
maior dos EUA com uma retórica anti-imperialista, enquanto as terras em
Cuba não são cultivadas. O mesmo acontece com o
açúcar: em um momento, a liderança antes de Raúl
dizia que iria eliminar a produção de açúcar e o
Brasil mostrou como se pode converter açúcar em etanol e ser
autosuficiente em petróleo. E Cuba tinha tantos hectares de
açúcar e nunca produziu etanol
[NR]
.
Outra coisa muito irracional que, creio, era parte do descuido completo de
Fidel Castro: continuar importando petróleo ou dando concessões a
todas as companhias estrangeiras para formar associações para
buscar petróleo no mar próximo a Cuba.
Há coisas que são inexplicáveis em termos da
política econômica de Cuba, particularmente em
relação às fontes de energia, alimentos e também
à reconversão da economia em turismo. Turismo é a coisa
mais flutuante. Quando existe uma mudança na economia, os turistas
não saem de férias; e criar um multimilionário
investimento em hotéis faraônicos em Cuba, de luxo... para agora
ver cair o turismo devido à crise econômica na Europa, no
Canadá; e mais uma vez têm uma crise.
Não se pode eliminar o turismo; porém, este não pode ser a
força motriz em um país supostamente progressista. Raúl
começa a tocar essa temática e a tentar, com muito
esforço, retificar os erros do regime anterior; porém, é
muito difícil, muito complicado e tentar fazê-lo durante a crise,
é ainda mais difícil. Pelo menos começaram e, para mim,
essa é a esperança.
Chury:
Vejamos Honduras. Considerando os elementos que temos até agora, de que
maneira pode evoluir a situação atual?
Petras: O elemento número um é que o imperialismo estadunidense
organizou o golpe. Segundo, estão fazendo todo o possível para
desprestigiar Zelaya. Terceiro, estão apoiando aos golpistas. Quarto,
substituíram um cliente (Arias) pela OEA, dando mais espaço aos
golpistas para prolongar o processo.
Esses são os fatores que movem as peças nessa
situação. Enquanto isso, Zelaya confiou de uma forma
impensável na atitude dos Estados Unidos, pensando que reunir-se com
Hillary Clinton; aceitar que Arias transferisse as negociações ou
o processo de retorno nas mãos das cúpulas; e depois, anunciar
que voltaria ao país, deu dois passos em Honduras e depois voltou para
Nicarágua... É como um passo duplo... É evidente que um
presidente liberal não entende o que é o imperialismo. Por isso
confiou nas iniciativas de H. Clinton. Segundo, não entende a
dinâmica de uma luta de massas, porque na América Latina, em
particular, se não 'mostras a cara' e 'metes os peitos',
encabeçando as grandes mobilizações, as pessoas
começam a perder a confiança.
Há muitos anos, conversando com dirigentes na América Central e
América Latina que passaram por situações perigosas, e
perguntando aos companheiros que estavam encabeçando esses movimentos
por que marchavam nas primeiras filas, me disseram que é porque as
massas somente confiam nos líderes que 'mostram a cara', que 'metem os
peitos', que estão dispostos a acompanhar seus seguidores nos mesmos
golpes, nos mesmos enfrentamentos. E eu creio que é assim. Não se
pode fazer esses gestos grandiloqüentes "eu volto amanhã"
ou "volto na próxima semana" e depois ficar na fronteira, em
uma tenda, tomando medidas puramente simbólicas. A luta em Honduras
é muito dura; há muita repressão e se uma pessoa sente que
está em perigo e o perigo pessoal é maior do que o perigo
dos movimentos sociais , tem que se colocar a um lado e deixar que os
líderes internos tomem o caminho da luta; porque até agora todas
as decisões de Zelaya de confiar que a OEA vai tomar fortes medidas
simplesmente denunciando; depois confiar que a Casa Branca vai excluir seus
próprios títeres; depois anunciar que volta ao país e
não volta... semeiam um contexto derrotista, penso eu, não por
falta de luta das massas internas, mas devido à confusão que
existe na cabeça do senhor Zelaya.
Chury:
De modo que você vê que a situação no momento
pelo menos no que se refere à volta de Zelaya está
bastante complexa, porque os Estados Unidos não vão retroceder;
pois se promoveram o golpe, não vão permitir o retorno.
Petras:
Sim. E Zelaya diz que está frustrado com a ambiguidade dos EUA.
Não existe nenhuma ambiguidade! Desde o começo até agora
estão muito claros que não querem que ele volte: apóiam
aos golpistas; criaram um contexto de negociação favorável
aos golpistas; elegeram um mediador completamente sob sua
direção. Que ambiguidades? Os lutadores entendem muito mais do
que Zelaya qual é a posição estadunidense
Chury:
Petras, outra questão: o grande medo, o grande temor que tantas vezes
os governos estadunidenses tiveram está se insinuando como uma realidade
ante a problemática social da falta de trabalho, da falta de
oportunidades...
Petras:
A desocupação é um problema quando tem expressão
social. Por si mesma, a desocupação não preocupa aos EUA;
inclusive, os favorece, porque baixa os custos e aumenta os lucros.
O que preocupa é quando os desocupados se organizam e começam a
manifestar-se, perturbando os governos. Porém, enquanto exista uma massa
desocupada passiva não existe nenhuma preocupação. Somente
começam a pensar quando os desocupados começam a mover-se
politicamente ou, pelo menos, socialmente aparecem alguns brotes, alguns
levantamentos; algumas expressões concretas que colocam questões
sobre o funcionamento do capitalismo. Porém, enquanto isso, a grande
massa desocupada é funcional para o sistema capitalista porque permite
baixar os salários, recortar os orçamentos sociais.
O outro assunto que quero mencionar tem relação com o Irã,
pois existe muita controvérsia sobre os protestos, supostamente contra
os resultados das eleições.
Há três dias, no
Boston Globe
foi publicado um artigo abordando que o regime de Obama vai duplicar os fundos
para os grupos internos no Irã. A Casa Branca anunciou que
aumentará a ajuda, de 15 milhões que entraram em 2009
para 30 milhões. Isso significa que há uma
aceitação pública de que os Estados Unidos canalizaram 15
milhões para as ONGs e todos sabemos que as ONGs e outros grupos estavam
envolvidos nessas manifestações.
Isso para mim é outra manifestação a mais de que esses
protestos não tinham o objetivo de denunciar as eleições;
que não existia nenhuma fraude; porém, que eram em
função do financiamento e do condicionamento da Casa Branca.
Não existe debate, já está confirmado que os EUA
canalizaram pelo menos 15 milhões de dólares para todo tipo de
atividades de grupos favoráveis e aceitos pela Casa Branca.
E o mesmo sobre os supostos dissidentes muçulmanos na parte oeste da
China.
O lugar que dirige internacionalmente a campanha a favor do separatismo
está em Washington; partilham o mesmo edifício com os terroristas
da Chechenia. Ambos recebem dinheiro da Casa Branca, do Departamento de Estado.
E essas dissidências que existem, o separatismo e as campanhas de
desestabilização tanto no Irã quanto na China, não
são como os meios de comunicação os apresentam como
reivindicações locais mas estão instrumentalizados
para debilitar as posições de países adversários ou
críticos aos Estados Unidos.
Chury:
Mencionavas as ONGs. Que funções cumprem? São
funções a favor dos povos ou as ONGs são instrumentos
políticos?
Petras:
Poderíamos dizer que existem mais de 40 milhões de
dólares canalizados para as ONGs, além de 50 mil ONGs que existem
no mundo. Entre essas, menos de 500 recebem a grande maioria desses fundos e
são as que mais influenciam na política interna.
Existem ONGs de menor financiamento que, pelo menos formalmente, declaram-se a
favor dos movimentos populares. Porém, nenhuma ONG tem mostrado
capacidade de organizar as massas, muito menos participaram em greves gerais;
quase nenhum centro ONG maneja programas de estudo sobre o imperialismo.
Há alguns anos atrás revisei todos os programas e
investigações das ONGs. E em uma amostra de 100, nenhuma tinha a
proposta de estudar o imperialismo, porque não recebem fundos da Europa
ou dos Estados Unidos caso tenham em sua agenda estudar o problema chave que
é o imperialismo.
Cada financiador coloca as prioridades. Dizem: nesse ano estudaremos os
indígenas; no outro, financiamos gênero. Porém, nenhum
estudo de gênero inclui mulheres em luta para repartir terras, reforma
agrária. Não existe nenhum estudo e nenhum financiamento para os
indígenas que estão se organizando contra as multinacionais.
Esse tipo de microprojetos que fragmentam os movimentos, como repartir
máquinas de costura, microfinanças para pequenos prédios e
para artesanatos; porém, nada de participar em mudanças
estruturais que atingem a distribuição de rendimentos, da
propriedade, da exploração das multinacionais e muito menos da
penetração estadunidense e de seus militares.
Conheço alguns personagens progressistas que manejam ONGs que são
mais ou menos potáveis; porém são minorias; não
têm muitas finanças. A grande maioria do dinheiro vai para ONGs
contra-insurgentes. ONGs que funcionam na contra-insurgência desde a
base. O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), o
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) funcionam com as cúpulas
dos Estados e das empresas. As ONGs fazem o trabalho sujo na base, fragmentando
as mobilizações, cooptando direções e
líderes. Dão aos líderes uma 4X4, um escritório,
uma secretária e lhes dizem: "Bem, agora estás trabalhando
com uma ONG, tens passagens para ir consultar a Europa e contar-lhes sobre a
pobreza, a miséria e a discriminação; porém, nada
de vincular-se com mais igualdade com os movimentos de massa".
Comparando o salário de um presidente de uma ONG com o de um militante
camponês pobre, o resultado é de pelo menos 10x1. Os chefes de ONG
cobram de 2 a 3 mil dólares mensais e no melhor dos casos um assalariado
ganha 200 dólares, ou até menos.
Finalmente, quero dizer que algumas pessoas de esquerda nunca gostam de
discutir as contradições e problemas dentro da mesma esquerda;
ainda menos sobre Cuba.
E quando emerge uma crítica forte como a que fez Raúl Castro,
há sobressaltos, porque não reconhecem que a falta de
reflexão anterior os leva a uma situação de pouca
credibilidade; e que somente descobrem a crítica quando um líder
do mesmo processo começa a criticar.
Creio que parte da esquerda inteligente e com futuro é a que tenta fazer
críticas construtivas para que não desmoronem os processos
políticos progressistas.
Chury:
Muito bem, Petras, um abraço e obrigada.
Petras:
Obrigada, e um abraço.
[NR]
É discutível que a produção de etanol seja o caminho para a resolução dos
problemas energéticos de Cuba.
O original encontra-se em
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=40123
. Tradução de Adital.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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