Oposição social na era da Internet:
Militantes "de teclado" e intelectuais públicos
A relação entre as tecnologias da informação, e
mais precisamente a internet, com a política é uma questão
central para os movimentos sociais contemporâneos. Tal como outros
avanços tecnológicos no passado, as tecnologias da
informação (TI) servem um duplo propósito: por um lado
contribuem para acelerar os movimentos de capitais (sobretudo de capitais
financeiros), facilitando uma globalização imperialista. Por
outro, a internet fornece importantes fontes alternativas de análise,
assim como uma forma fácil de comunicação, que pode servir
para a mobilização dos movimentos populares.
A indústria das tecnologias da informação criou uma nova
classe de multimilionários, que se estende de Silicon Valey na
California até Bangalore na India. Estes desempenham um papel central
na expansão do colonialismo económico através do controlo
monopolista que exercem sobre as mais diversas esferas de difusão da
informação e do entretenimento.
Parafraseando Marx: "a internet tornou-se o ópio do povo".
Novos e velhos, empregados e desempregados, todos eles passam horas
passivamente contemplando espectáculos, pornografia, video-jogos,
consumindo online e até acedendo a "notícias", isolados
dos restantes cidadãos e trabalhadores.
Em muitas ocasiões, a superabundância de
"notícias" na internet, absorve tempo e energia, desviando os
"observadores" da reflexão e da acção
propriamente dita. Assim como a escassa e tendenciosa informação
dos meios de comunicação de massas distorce a consciência
popular, o excesso de mensagens na internet pode imobilizar a
acção dos cidadãos.
A internet, propositadamente ou não,
"privatizou\particularizou" a vida política. Muitos activistas
potenciais foram levados a acreditar que o envio de manifestos a outros
cidadãos é um acto político, esquecendo-se que apenas a
acção pública, incluíndo a
confrontação com os seus adversários no espaço
público, nos centros das cidades assim como no campo, é a base da
transformação política.
As tecnologias da informação e o capital financeiro
Recordemos que o ímpeto original que presidiu ao crescimento das
tecnologias da informação partiu das necessidades das grandes
instituições financeiras, bancos de investimento e dos
especuladores, que pretendiam mover milhares de milhões de dolares, de
um país para o outro, de uma empresa para outra, de uma mercadoria para
outra, com um simples toque de dedos.
A Internet foi a tecnologia motora do crescimento da globalização
ao serviço do capital. As tecnologias da Informação
desempenharam um papel central na precipitação das duas crises
financeiras da última década (2001-2002; 2008-2009). A bolha das
acções de empresas ligadas às tecnologias da
informação em 2001 foi o resultado da promoção e da
sobrevalorização das empresas de software, desligadas da economia
real. O crash financeiro global de 2008-2009, que se extende até hoje,
foi consequência de pacotes computadorizados de activos fraudulentos e de
empréstimos imobiliários sub-financiados. As "virtudes"
da internet, a velocidade com que transmite informação,
revelaram-se, no contexto da expeculação capitalista, um factor
determinante da pior crise do capitalismo desde a Grande Depressão dos
anos 30.
A democratização da Internet
A internet tornou-se acessível às massas enquanto mercado aberto
à exploração comercial, alargando-se posteriormente a usos
sociais e políticos, e, mais importante ainda: tornou-se um meio
fundamental para informar o grande público da exploração e
pilhagem que os bancos multinacionais impunham aos mais variados paìses
e aos seus habitantes. A internet ajudou também a expôr as
mentiras que subjazem às guerras imperialistas dos Estados Unidos e da
União Europeia no Médio-Oriente e no Sul da Ásia.
A internet tranformou-se assim num terreno contestado, numa nova forma de luta
de classes, que engloba movimentos pró-democracia e de
libertação nacional. Os maiores movimentos e os seus
líderes, desde os guerrilheiros no Afeganistão aos activistas
pró-democracia no Egipto, passando pelo movimento estudantíl
chileno e pelo movimento pela habitação popular na Turquia, todos
eles contam com a internet para informar o mundo das suas lutas, dos seus
programas, da repressão estatal de que são alvos, bem como das
suas vitórias. A internet liga as diferentes lutas muito para lá
das fronteiras nacionais é uma ferramenta central para a
construção de um novo internacionalismo que faça face
à globalização capitalista e às suas guerras
imperialistas.
Parafraseando Lénine poderiamos dizer que o socialismo do século
XXI pode resumir-se na formula: "os sovietes mais a internet = socialismo
participativo"
A internet e a política de classe
É bom recordar que as tecnologias computorizadas de
informação não são "neutrais" o
seu impacto político depende dos utilizadores e activistas que
determinam quem, e que interesses de classe, é que servem.
A internet serviu para mobilizar milhares de trabalhadores na China contra os
exploradores corporativistas, na Índia mobilizou milhares de camponeses
contra os especuladores latinfundiários. Por outro lado, a Nato utilizou
sistemas de guerra fortemente computorizados para bombardear e destruír
a Líbia independente. Os Estados-Unidos também utilizaram
"drones" para enviar mísseis para matar cívis no
Paquistão e no Yémen; ora esta técnica é controlada
por uma inteligência computorizada. A localização da
guerrilha colombiana e os bombardeamentos aéreos utilizam a mesma
tecnologia computorizada. Em suma, as técnologias da
informação podem ter um duplo uso: podem ser utilizadas para a
libertação dos povos, mas também podem servir os ataques
imperialistas contra-revolucionários.
O neoliberalismo e o espaço público
A discussão acerca do "espaço público" assume
frequentemente que "público" é sinónimo de uma
maior intervenção estatal em prol do bem-estar da maioria: de uma
maior regulação do capitalismo e de uma crescente
protecção do meio-ambiente. Por outras palavras aos actores
"públicos" benignos opor-se-iam às forças
privadas exploradoras dos mercados.
Num contexto de proliferação da ideologia e das políticas
neoliberais, muitos autores progressistas escrevem sobre "o
declínio da esfera pública". Esta perspectiva negligencia o
facto de a "esfera pública" ter vindo a ganhar uma
importância crescente na sociedade, na política e na economia,
beneficiando sempre o grande capital, mais concretamente o capital financeiro e
os investidores estrangeiros. A "esfera pública", nesta caso o
estado, é muito mais intrusiva na sociedade civil como força
repressiva num momento em que as políticas neoliberais aumentam as
desigualdades. Graças à intensificação e ao
aprofundamento das crises financeiras, a esfera pública (o estado)
assumiu um papel fundamental no resgate dos bancos falidos.
Devido aos enormes défices fiscais provocados pela fuga aos impostos do
capital, às despesas com as guerras coloniais e aos subsídios
públicos às grandes empresas, a esfera pública (o estado)
impõe uma austeridade de classe, cortanto as despesas sociais e
prejudicando os funcionários públicos, os reformados e os
trabalhadores assalariados do privado.
A esfera pública reduziu o seu papel no sector produtivo da economia. No
entanto, o sector militar cresceu com a expansão das guerras coloniais e
imperialistas.
A questão fundamental que subjaz a qualquer discussão acerca da
esfera pública e da oposição social não é a
do seu crescimento ou declínio, mas antes a dos interesses de classe que
definem o papel dessa esfera pública. No contexto do neoliberalismo, a
esfera pública está orientada para a utilização do
tesouro público no resgate dos bancos, para o militarismo e para uma
larga intervenção policial estatal. Uma esfera pública
dirigida pela "oposição social" (trabalhadores,
agricultures, profissionais, empregados) alargaria o campo de
acção da esfera publica no que toca à saúde,
à educação, às pensões, ao ambiente e ao
emprego.
O conceito de "esfera pública" tem duas faces (como Jano): uma
olha para o capital e para o sector militar; a outra para a
oposição laboral/social. A internet está também
subordinada a esta dualidade: por um lado, facilita grandes movimentos do
capital e rápidas intervenções militares imperialistas;
por outro, fornece à oposição social um fluxo de
informação rápido que permite a sua
mobilização. A questão fundamental é a de saber que
tipo de informação é transmitida, a que actores
políticos ela é transmitida e que interesse social serve?
A Internet e a oposição social: a ameaça da
repressão estatal
Para a oposição social, a internet é antes de mais uma
fonte vital de informação alternativa crítica, capaz de
educar e mobilizar os dirigentes progressistas, os profissionais, os
sindicalistas e os líderes camponeses, os militantes e os activistas. A
internet é uma alternativa aos meios de comunicação
capitalistas e à sua propaganda, uma fonte de notícias e
informações que transmite manifestos e informa os activistas
acerca dos locais das intervenções públicas. Graças
a este papel progressista como instrumento da oposição social, a
internet está sujeita a uma forte vigilância por parte do aparelho
repressivo policial e estatal. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 800 mil
funcionários são utilizados pela policia de
"Segurança Interna" para espiar milhares de milhões de
emails, faxes e chamadas telefónicas de milhões de
cidadãos americanos. Saber quão efectivo é o policiamento
diário de toneladas de informação é uma outra
questão. Mas o facto é que a internet não é uma
"fonte livre e segura de informação, debate e
discussão". Com efeito, quanto mais eficaz se torna a internet na
mobilização de movimentos sociais que se opõem ao estado
imperialista e colonial, mais provável se torna uma
intervenção por parte da polícia e do estado com o pretexo
de "combater o terrorismo".
A internet e a luta contemporânea: uma relação
revolucionária?
É tão importante reconhecer a importância da internet
enquanto detonador de determinados movimentos sociais como relativizar a sua
importância global.
A internet teve um papel fundamental na divulgação e
mobilização de "movimentos espontâneos", como o
dos "indignados" espanhóis, na sua maioria jovens
desempregados e sem filiação partidária, ou na americana
"Ocupação de Wall Street". Noutros casos, como o das
massivas greves gerais em Itália, Portugal, na Grécia e em tantos
outros sítios, as confederação sindicais organizadas
tiveram um papel central e a internet um impacto apenas secundário.
Em países altamente repressivos, como o Egipto, a Tunísia e a
China, a internet tem um papel fundamental na divulgação de
intervenções públicas e na organização de
protestos de massas. No entanto, a internet não levou a qualquer
revolução bem sucedida ela pode informar, ser um local de
debate, e mesmo mobilizar, mas não pode oferecer a liderança e a
organização necessárias a uma acção
política consistente e muito menos fornecer uma estratégia de
tomada do poder estatal. Comprova-se assim que a ilusão, alimentada por
alguns gurus da internet, de que a acção
"computadorizada" pode substituir um partido político
disciplinado, é falsa: a internet pode facilitar o movimento, mas apenas
uma oposição social organizada lhe pode dar uma
direcção tática e estratégica capaz de o manter
vivo face à repressão do estado e de o levar a lutas bem
sucedidas.
Ou seja, a internet não é um "fim em si mesmo" a
postura autocongratulatória dos ideologos da internet, anunciando uma
nova época de informação
"revolucionária", ignora o facto de que NATO, Israel e os seus
aliados e clientes utilizam a internet para lançar vírus e
destruir economias, para programas de defesa anti-sabotagem e para promover
levantamentos etnico-religiosos. Israel enviou vírus danosos para travar
o programa nuclear pacífico do Irão; os Estados Unidos, a
França e a Turquia instigam, na Líbia e na Síria, uma
oposição social capaz de servir os seus interesses. Em resumo, a
internet tornou-se um novo terreno de luta de classes e de luta
anti-imperialista. A internet é um meio e não um fim. A internet
é parte dessa esfera pública, cujos objectivos e resultados
são determinados pela estrutura de classe em que se integra.
Comentários finais: "militantes de teclado" e intelectuais
públicos
A oposição social é definida pela
intervenção pública: pela presença das
colectividades nos comícios políticos, pelos indivíduos
que discursam em encontros públicos, por activistas que se manifestam em
praças públicas, sindicalistas militantes que defrontam os
patrões, pessoas pobres que exigem aos governantes locais para morar e
serviços públicos...
Discursar activamente num comício público, formular ideias e
programas, propor estratégias através da acção
política, constitui o papel de um intelectual público. Sentar-se
a uma secretária num escritório para, num esplêndido
isolamento, enviar cinco manifestos por minuto define um "militante de
teclado". Esta é uma forma de pseudo-militância que separa as
palavras dos actos. A "militância" de teclado é um acto
de inacção verbal, de "activismo" inconsequente, uma
revolução mental de faz-de-conta. A comunicação via
internet torna-se um acto político quando se enquadra em movimentos
sociais que desafiam o poder. Necessariamente, isto envolve riscos para um
intelectual público: desde ataques policiais no espaço
público até represálias económicas na esfera
privada. Os "activistas de teclado" não arriscam nada e pouco
realizam. O intelectual público faz a ligação entre o
descontentamento dos indivíduos e o activismo social da colectividade. O
professor universitário vem ao local de acção, fala e
regressa ao seu gabinete. O intelectual público fala e faz um
compromisso pedagógico de longo termo com a oposição
social na esfera pública, tanto através da internet como de
frequentes encontros diários cara a cara.
20/Novembro/2011
[*]
Intervenção como convidado no "Symposium on
Re-Publicness", Patrocinado pela Chamber of Electrical Engineers.
Ancara, Turquia, 9-10/Dezembro/2011
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=27761
. Tradução de MQ.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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