Colômbia: Pilhagem, esperança e paz
por James Petras
Vivemos tempos de grande destruição e de grandes oportunidades
económicas. A América Latina não é
excepção. No contexto global, o Império estado-unidense
está empenhado em guerras destrutivas (Afeganistão, Iraque,
Paquistão, Líbia, Iémen, Somália e Haiti). Em
contraste, a China, Índia, Brasil, Argentina e outras "economias
emergentes" estão a expandir comércio, investimentos e
reduzir pobreza. A União Europeia (UE) e os Estados Unidos (EUA)
estão em crises económicas profundas. A periferia da UE
(Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha) está totalmente em
bancarrota. As "dependências" dos EUA na América do
Norte (México), América Central e Caribe são narco-estados
virtuais praguejados pela pobreza em massa, taxa de crime astronómicas e
estagnação económica. As dependências dos EUA
são pilhadas por multinacionais, oligarcas locais e políticos
corruptos.
A Colômbia posiciona-se em encruzilhadas: ela pode seguir as pegadas do
seu antecessor, o narco-presidente Álvaro Uribe, e permanecer uma
dependência militar, um solitário posto avançado do
Império estado-unidense na América do Sul. A Colômbia pode
permanecer à margem da maior parte dos mercados mundiais dinâmicos
e em guerra com o seu povo ou, através de uma nova liderança
sócio-política, pode efectuar uma reorientação
profunda de política e consumar uma transição rumo a maior
integração com os mercados dinâmicos do mundo.
A Colômbia tem todos os ingredientes objectivos (recursos materiais e
humanos) para ser parte da nova ordem dinâmica. Mas primeiro e acima de
tudo ela deve abandonar seu papel como vassalo militarizados dos Estados Unidos
e objecto de exploração de uma oligarquia rentista. A
Colômbia deve deixar de apoiar golpes dos EUA (Honduras, Venezuela) e de
ameaçar seus vizinhos (Equador).
A Colômbia não pode desenvolver suas forças produtivas e
financiar a modernização da educação superior e
melhoria de treino técnico e [ao mesmo tempo] gastar milhares de
milhões com as centenas de milhares de militares, paramilitares,
polícias e operativos de inteligência. O aparelho repressivo
militar está orientado para a repressão dos sectores da
força de trabalho mais produtivos, criativos e motivados. A prosperidade
depende da paz civil a qual depende da profunda desmilitarização
do estado colombiano. A conexão entre a economia e o pode militar
é clara. A China gasta um décimo do orçamento militar dos
EUA mas cresce cinco vezes mais rápido. A política externa
independente do Brasil e o realinhamento com o mercado asiático levou a
um alto crescimento, ao passo que o México, como um satélite do
North American Free Trade Treaty, é um estado estagnado e fracassado.
Desmilitarização: As especificidades da Colômbia
A Colômbia é a sociedade mais militarizada da América
Latina, com o mais elevado número de vítimas na sociedade civil.
O "militarismo" na Colômbia inclui a maior força militar
activa operacional dentro das fronteiras do estado e ser o maior recipiente de
financiamento militar da maior potência militarista do mundo. Como
cliente subordinado do Império estado-unidense, a Colômbia tem o
pior registo de direitos humanos, no que se refere a mortes de jornalistas,
sindicalistas, activistas camponeses e advogados de direitos humanos.
Contudo, a violência estatal e para-estatal não é
aleatória. Mais de 4 milhões de agricultores, camponeses e
intermediários rurais foram expulsos à força e a suas
terras foram tomadas por grandes latifundiários, narco-traficantes,
generais e homens de negócio aliados ao governo. Por outras palavras, o
Estado terrorista e a expulsão em massa é um método
peculiarmente colombiano de "acumulação de capital". A
violência do Estado é o método para assegurar os meios de
produção para aumentar agro-exportações a expensas
de famílias de agricultores.
Na Colômbia, o extermínio estatal e para-estatal substitui o
mercado e "relações contratuais" no cumprimento de
transacções económicas. As relações
desiguais entre um estado militarista e movimentos populares da sociedade civil
têm sido o principal obstáculo a uma transição de um
regime político oligárquico para um sistema eleitoral
democrático e pluralisticamente representativo.
A Colômbia combina formas de representação da elite do
século XIX com meios de repressão militar altamente desenvolvidos
do século XXI: um caso de desenvolvimento desigual e combinado. Em
consequência deparamo-nos com "crescimento desequilibrado", um
aparelho militar, policial e paramilitar super-desenvolvido e subdesenvolvidas
instituições sociais e políticas dispostas e capazes de
entrar em negociações através da reciprocidade e dos
compromissos dentro de uma estrutura cívica.
A cultura do estado de "guerra permanente" mina as
condições de confiança e reciprocidade e levanta riscos
inaceitáveis para quaisquer interlocutores sociais e políticos.
Dentro do estado militarizado especialmente devido às suas
ligações profundamente enraizadas a instituições
militares regionais dos EUA apenas "negociações"
que reforçam a actual ordem sócio-económica e
disposição política institucional são
aceitáveis. Mesmo reconhecidos "mediadores da paz" empenham-se
em "negociações" só com um lado exigindo
concessões unilaterais de insurgentes e raramente fazem exigência
de concessões recíprocas do Estado.
A maior parte dos países latino-americanos que passaram por
transições do domínio ditatorial para a política
eleitoral respeitou os oponentes. Só a Colômbia assassinou toda a
liderança política e os activistas da União
Patriótica que se converteram da luta armada para a luta
eleitoral. Nenhuma outra oposição latino-americana (ou europeia
ou asiática) experimentou a violência do estado infligida à
União Patriótica (UP): o assassínio de 5.000 activistas
incluindo candidatos ao Congresso e à Presidência.
Os actuais regimes de centro-esquerda da América do Sul, suas economias
em expansão e as lutas de movimentos sociais livres e abertas,
são um produto de levantamentos sociais (entre 1999-2005) que terminaram
"políticas militarizadas". Revoltas populares na
Bolívia, Argentina, Equador e Venezuela abriram o caminho para o
centro-esquerda. No Brasil, Uruguai e Chile movimentos sociais ajudaram a
deslocar regimes de direita.
Em consequência de lutas de massa e levantamentos populares, regimes de
centro-esquerda prosseguem políticas económicas relativamente
independentes e programas anti-pobreza progressistas. Eles elevaram
padrões de vida e proporcionaram espaço político e social
para a continuação da luta de classe
A Colômbia é um dos poucos países que fracassaram em
efectuar a transição de um regime militarista de direita para um
modelo de bem-estar e desenvolvimento de centro-esquerda, porque ao
contrário do resto da América Latina ela ainda tem de
experimentar um levantamento popular, resultando numa nova
configuração política.
Colonatos de paz: América Central ou Indochina?
"Colonatos de paz" produzem vencedores e perdedores. Eles reflectem a
correlação de forças externa e interna. O processo de
negociação, incluindo quem é consultado no estabelecimento
de prioridades e em efectuar concessões, é central para a
trajectória futura do "processo de paz".
A história recente proporciona-nos dois "processos de paz"
diametralmente opostos e com consequências dramaticamente diferentes: os
aldeamentos de paz indochineses de 1973-75 e os aldeamentos de paz
centro-americanos de 1992-1993. No caso da Indochina e mais especificamente dos
aldeamentos vietnamita-americanos, a Frente de Libertação
Nacional (FLN), assegurou a retirada das forças militares dos EUA, o
desmantelamento de bases militares estado-unidenses e a
desmilitarização do estado. a FLN concordou acordou um processo
de integração política baseado no reconhecimento de certas
reformas sócio-económicas e políticas básicas,
incluindo reforma agrária, a recuperação da posse de
terras de milhões de camponeses deslocados e o processamento de
responsáveis civis e militares acusados de crimes contra a humanidade.
Os negociadores da FLN fizeram concessões políticas mas em
consulta estreita com a sua base de massa de camponeses, trabalhadores e
profissionais. Eles apoiaram o princípio da democratização
do estado e desmilitarização da sociedade como
condições essenciais para a finalização da guerra.
Ao longo dos últimos 35 anos, o Vietname evoluiu de país
socialista independente em direcção a uma economia capitalista
pública-privada, transitando para um crescimento mais alto e
padrões de vida mais elevados mas aumentando desigualdades e com maior
corrupção.
Em contraste, os acordos de paz centro-americanos assinados pelos
líderes da guerrilha levaram ao fim do conflito armado e à
incorporação da elite insurgente dentro do sistema eleitoral.
Contudo, não houve mudanças básicas no sistema militar,
económico e social. Nenhuma das organizações populares de
massa foi consultada. Ao grosso dos combatentes armados, tantos insurgentes
populares como mercenários paramilitares, foi dada alta e tornaram-se um
exército de desempregados "armados". Ao longo dos
últimos 20 anos, gangs criminosas tomaram o controle de grandes
extensões da América Central, ao passo que a elite da guerrilha
ex-Farabundo Marti, e dos seus colegas guatemaltecos e nicaraguenses, se
tornaram homens de negócio ricos e aliados eleitorais de
políticos conservadores. Eles são protegidos por guarda-costas
privados e não tomam conhecimento das condições de 60% da
população que vive abaixo da linha de pobreza. Os "acordos
de paz" na América Central serviram de veículo para a
mobilidade social da elite da guerrilha. Eles não acabaram com a
violência. Todos os anos mais pessoas deparam-se com mortes violentas do
que os que foram mortos durante os anos de guerra civil.
Os acordos de paz vietnamita e centro-americanos tiveram lugar durante
diferentes momentos internacionais. Na década de 1970, a União
Soviética e a China proporcionavam vasto apoio material e
político aos vietnamitas. Durante as negociações de paz
centro-americanas, com a União Soviética desintegrada, a China
estava virar para o capitalismo e Cuba enfrentava um "período
especial" de crise económica devido à perda da ajuda e do
comércio soviético.
A mudança na correlação de forças internacional
influenciou claramente, mas não determinou, os resultados
desfavoráveis na América Central. Em menos de uma década
após os desastrosos acordos de paz centro-americanos, a Venezuela, sob o
presidente Chávez, conseguiu derrotar um golpe e avançou rumo a
uma transformação socialista. Revoltas populares aboliram
governantes neoliberais na Argentina, Bolívia, Equador e alhures. O fim
da URSS não acabou com lutas de classe bem sucedidas na América
Latina.
A reaccionária correlação de forças política
da década de 1990 mudou dramaticamente. Em 2011, só a
América Central, o México e a Colômbia permanecem como
ilhas de reacção num mar de esquerda ressurgente e de lutas
populares na América do Sul, Norte de África e Sul da Ásia.
O estabelecimento da paz centro-americana, com sua aceitação do
estado militarizado, ligado às exportações agro-minerais
das elites e às gangs narco-criminosas, tornou-se um monumento de um
"processo de paz" fracassado. O estabelecimento da paz vietnamita, se
bem que longe de perfeito, pelo menos proporcionou paz, segurança,
reforma agrária e rendimento mais alto para o campesinato e os
trabalhadores. Não há dúvida de que a Colômbia tem
diferenças históricas e estruturais com a América Central
e a Indochina.
Os movimentos sociais armados na Colômbia têm uma história
específica a qual antecede os insurgentes centro-americanos em muitos
anos e desenvolveu laços políticos com certas regiões e
movimentos sociais os quais têm perdurado ao longo do tempo. Ao
contrário dos insurgentes centro-americanos e vietnamitas eles
também não estão dependentes de apoiantes
"externos". Acima de tudo, a experiência fracassada de
"reconciliação política" na América
Central levou insurgentes colombianos a levantarem condições
significativas em relação ao processo de paz, nomeadamente
desmilitarização e reformas sócio-económicas
(reforma agrária e recuperação de terra para os que dela
foram privados). "Paz a qualquer preço" só
levará a novas e igualmente virulentas formas de violência, como
no caso actual do México com 10 mil mortos por ano, 7 mil
assassínios por ano em El Salvador e um número igual de
homicídios na Guatemala.
A experiência vietnamita de paz via justiça social e
desmilitarização parece assegurar um mínimo de
prosperidade. Certamente a correlação internacional de
forças melhorou dramaticamente. A América Latina substituiu os
regimes fantoches neoliberais. As economias latino-americanas descobriram
mercados dinâmicos na Ásia independentes dos EUA. Revoltas
populares no Médio Oriente e na Ásia desde a
Tunísia até o Afeganistão estão a
forçar os militares estado-unidenses a recuar. O contexto internacional
e regional é muito favorável se a Colômbia souber
aproveitá-lo. O método e os modos de luta, aqueles que unem
movimentos populares sem distinção, deveriam ser abertamente
discutidos e resolvidos sem exclusões. A insurgência é
parte da solução, não do problema. A chave para um
diálogo frutífero é a desmilitarização do
estado, finalizar a presença militar dos EUA, terminar o Plano
Colômbia e converter despesas militares em desenvolvimento
económico e social.
04/Agosto/2011
[*]
Intervenção a ser apresentada no
"Encuentro Nacional de comunidades Campesinas, Afrodescendientes e Indigenas por la Tierra y la Paz de Colombia: El dialogo es la Ruta"
, 12 a 15 de Agosto 2011, Barrancabermeja, Colombia
O original encontra-se em
http://petras.lahaine.org/?p=1870
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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