A recessão mundial está destinada a agravar-se
Mais de sete anos após o início da crise do mundo capitalista
não há sinal de qualquer
recuperação e hoje as perspectivas parecem ainda mais
negras do que antes. De facto, enquanto o mundo capitalista avançado
continua atolado na crise, ela agora está a propagar-se por todo o
globo, mesmo para países como a Índia e a China que inicialmente
pareciam haver escapado ao seu impacto. A taxa de crescimento do PIB
indiano está a desacelerar; além de que o sector
manufactureiro continua a testemunhar estagnação quase absoluta.
A taxa de crescimento de 2,3 por cento nas manufacturas em 2014-15, ainda que
exígua representou uma melhoria em relação aos 0,8 por
cento em 2013-14 e foi geralmente extrapolada como uma viragem. Mas a taxa de
crescimento em Maio, o mês mais recente para o qual temos números,
está outra vez nos 2,2 por cento (em relação ao mesmo
mês de um ano atrás). Também na China, a taxa de
crescimento do PIB está a reduzir-se; isso acontece no seu sector
industrial que testemunhou uma expansão fenomenal durante longo tempo. E
uma vez que a China emergiu como grande compradora de matérias-primas,
incluindo as da América Latina, um arrefecimento da sua taxa de
crescimento industrial implica um entrave a várias economias do terceiro
mundo cujas fortunas haviam melhorado devido ao boom chinês.
A crise, em suma, está a tornar-se generalizada por todo o globo, mesmo
que haja uma pequena melhoria nas economias dos países capitalistas
avançados. A situação quanto à Eurozona é
bem conhecida: todo o Sul da Europa, e mesmo a França, é atingido
duramente pela crise. E a Grã-Bretanha continua a sofrer com as medidas
de "austeridade" draconianas impostas pelo governo Cameron.
IMPRESSÃO ENGANOSA
Os Estados Unidos dão a impressão de serem uma
excepção a este fenómeno, mas esta impressão
é enganosa. Apesar de a taxa de desemprego nos EUA ter baixado para 5,3
por cento em Julho de 2015, a qual é muito mais baixa do que a do pico
pós crise de cerca de 10 por cento, houve uma queda significativa na
dimensão da força de trabalho. Tal queda é uma
ocorrência comum durante recessões e exprime o que muitas
vezes é chamado de efeito "trabalhador desencorajado". O
declínio na taxa de emprego é explicado, pelo menos parcialmente,
por esta queda, ao invés de um ressuscitar da economia.
Um cálculo muito simples mostraria que, apesar de qualquer melhoria que
a economia estado-unidense possa ter experimentado ultimamente (sobre isto, ver
mais adiante), a taxa real de desemprego permanece muito alta. Pouco antes da
crise, a taxa de desemprego nos EUA era cerca de 5 por cento e o rácio
emprego-população era de 63,3 por cento, o qual dá um
rácio força de trabalho-população de 66,6 por
cento. Vamos aceitar este número (o que significa aceitar a
questionável estimativa oficial de taxa de desemprego de 5 por cento na
véspera da crise). O rácio emprego-população em
Julho de 2015 situava-se nos 59,2 por cento. Com o mesmo rácio
força de trabalho-população que existia pouco antes da
crise, isto significaria uma taxa de desemprego de 11 por cento! O facto de ao
invés de uma taxa de desemprego de 11 por cento termos uma de apenas 5,3
por cento nos EUA é porque um certo número de trabalhadores
simplesmente abandonou a força de trabalho. E eles assim fizeram
não porque nesse ínterim se houvessem dedicado a alguma outra
actividade que valesse a pena, como obter educação, mas por causa
das perspectivas negras de obtenção de emprego. A economia dos
EUA, em suma, muito embora possa a estar a experimentar melhoria marginal,
continua a ser afligida pela crise.
E isto assim é apesar do facto de que o Federal Reserve dos EUA tem
mantido suas taxas de juro básicas próximas do nível zero
desde a cerca de sete anos.
Uma vez que a política orçamental sob a hegemonia do
capital financeiro destinada a estimular o nível de actividade
é evitada, mesmo numa economia como a dos EUA que não tem
qualquer legislação de "responsabilidade
orçamental", e cuja divisa sendo "tão boa quanto o
ouro" proporciona ao seu governo um enorme grau de liberdade para actuar
com impunidade em assuntos fiscais (uma vez que é muito
improvável que enfrente qualquer fuga de capitais), a política
monetária torna-se o único instrumento para fazer reviver a
economia. E o US Federal Reserve tem feito tanto quanto podia com este
instrumento. (Ele podia, logicamente, ter taxas de juro nominais negativas
através da aplicação de um imposto sobre os haveres de
balanços monetários, mas isto não é claramente uma
proposição prática). Contudo, notavelmente, não
há sinais de qualquer recuperação perceptível.
Mesmo a melhoria marginal que se verificou na economia dos EUA deve-se à
queda dos preços do petróleo. A principal fonte da melhoria tem
sido o gasto do consumidor privado, não a despesa do governo ou o
investimento privado. E este maior gasto do consumidor privado tem sido
estimulado pela queda dos preços do petróleo, os quais, para uma
economia dependente do automóvel como os EUA, com substancial consumo
privado de refinados, é uma bênção para
famílias privadas. Elas têm utilizado esta
bênção para aumentar suas compras de uma variedade de bens
e serviços produzidos internamente, cuja procura acrescida provocou
algum aumento na produção.
Entretanto, o que é notável é o facto de que este aumento
na produção não provocou qualquer aumento do
investimento
privado, o que sugere que os capitalistas têm pouca confiança na
persistência deste aumento. Estamos portanto numa situação
semelhante àquela que, segundo
Harry Magdoff
, prevaleceu nos Estados Unidos no fim da década de 1930, quando a
produção do sector dos bens de consumo havia recuperado devido,
entre outras coisas, a maiores gastos governamentais sob o governo Roosevelt,
mas o sector de bens de capital havia permanecido a braços com uma
maciça capacidade inutilizada devido à falta de confiança
dos capitalistas na continuidade da recuperação. Foi só a
preparação para a guerra, sob a sombra da ameaça nazi que
deu origem a maior despesa militar, que arrancou o sector de bens de capital
dos EUA para fora da crise (uma vez que grande parte do hardware militar
é produzido nesse sector). Apesar de a situação nos EUA de
hoje recordar um pouco aquele período, com algum reviver na despesa de
consumo mas nada no investimento privado, não existem tais nuvens de
guerra no horizonte (felizmente) que pudessem causar uma plena
recuperação no emprego e na produção.
MAIOR FARDO SOBRE OS PRODUTORES DE COMMODITIES PRIMÁRIAS
Há um ponto que deveria ser observado quanto à ascensão da
despesa de consumo nos Estados Unidos. Vimos que estava ligada ao
declínio dos preços do petróleo, os quais por sua vez
tendem a estar correlacionados com os movimentos de preços de outras
commodities primárias. Uma vez que economias não metropolitanas
são exportadoras líquidas destas commodities, o que isto
significa é que mesmo a limitada revivificação que ocorreu
na economia dos EUA foi associada à transferência de um fardo, na
forma de uma queda de preços de commodities, para estas outras economias.
Na teorização do
Comitern
nos anos trinta, esta ideia, de os países avançados transferirem
o fardo da crise para as economias da periferia, desempenhou um grande papel.
Mas, com a "Revolução Keynesiana" e a ênfase na
procura agregada, ela tendeu a recuar para segundo plano, uma vez que as duas
questões, nomeadamente a da mudança dos termos de troca entre
bens manufacturados e commodities primárias, e a questão da
procura agregada nas metrópoles, não podiam ser teoricamente
ligada de modo adequado. A actual conjuntura, entretanto, revela uma
ligação entre estas duas questões: uma mudança nos
termos de comércio contra commodities primárias no contexto de
hoje causa,
ceteris paribus,
um aumento da procura agregada para os países avançados,
através de uma maior despesa de consumo que é dirigida pelos
consumidores aos seus próprios bens porque têm de gastar menos com
petróleo e outras commodities primárias. Mesmo a limitada
revivificação actual da procura nos EUA tem, em suma, como
contrapartida um maior fardo sobre os produtores de commodities
primárias.
Mas mesmo esta limitada revivificação nos EUA é
improvável que perdure muito. A questão de uma alta da taxa de
juro nos EUA tem sido falada desde há algum tempo. Isto não
acontece porque os EUA tenham ficado afundados em inflação, longe
disso na verdade. A queda global nos preços das commodities
primárias, que acaba de ser mencionado, remove a inflação
da lista de preocupações imediatas nos EUA. E mesmo pelos
padrões do capital financeiro, o qual evita mesmo inflação
moderada pois ela desgasta o valor real dos activos financeiros que possui, a
inflação actual nos EUA está longe de
"preocupante": a actual taxa de inflação de cerca de
1,5 por cento cai bem abaixo do que o Federal Reserve considera a "meta
inflacionária", a qual é de 2 por cento. Ainda assim, a
aversão do capital financeiro a taxas de juro zero ou próximas de
zero está a pressionar o Fed a elevar estas taxas. Ele adiou a
decisão até Setembro, mas é provável que
então efectue algum aumento de taxas. E quando isso acontecer, a
recessão mundial tornar-se-á ainda mais acentuada.
O fortalecimento do dólar, já a caminho, dará novo impulso
e piorará o défice corrente na balança de pagamentos dos
EUA o que reduzirá a procura agregada no país. Isto se
somará à redução que taxas de juro mais altas
provocariam de qualquer modo através da redução de
despesas devido a custos mais altos para a tomada de empréstimos. E
enquanto a recessão estado-unidense piora, o resto do mundo
também experimentaria uma pioria porque teria de ascender taxas de juro
em resposta às taxas americanas. Na verdade, uma queda relativa no valor
das divisas do resto do mundo em relação ao dólar deveria
aumentar suas exportações líquidas para os EUA. Mas o
aumento inflacionário associado à depreciação das
divisas forçaria seus governos a cortarem despesas, cujos efeitos na
redução da procura mais do que compensariam qualquer aumento da
procura que a depreciação da divisa pudesse promover.
E haveria um factor adicional a actuar na mesma direcção, o qual
é a não disponibilidade de influxos de dólares no caso de
um aumento nas taxas de juros dos EUA. Tais influxos actualmente sustentam os
défices em conta corrente de países como a Índia, mas se
eles não estiverem mais disponíveis então estes
países seriam forçados a cortar na sua procura agregada e a
adoptar medidas de "austeridade" para restringir seus défices
correntes.
Em suma, o capitalismo mundial parece destinado a um agravamento da crise.
Mesmo depois de sete anos após o seu surgimento, a crise persiste apesar
de as taxas de juro dos EUA serem deitadas abaixo para zero ao longo deste
período. E quando estas taxas aumentarem, o que eles estão em
vésperas de fazer sob a pressão do capital financeiro, a crise
só pode piorar. O capitalismo hoje parece muito mais afundado na crise
do que a maior parte das pessoas, incluindo mesmo muitos na esquerda, imaginam.
09/Agosto/2015
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2015/0809_pd/world-recession-set-worsen
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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