A ascensão dramática da desigualdade de riqueza
A OXFAM acaba de produzir um relatório no qual destaca o aumento
dramático na desigualdade de riqueza que está a verificar-se na
Índia. Os dados básicos que utiliza são do Credit Suisse,
o qual regularmente publica o
Global Wealth Databook
. E de acordo com o Credit Suisse os 1 por cento do topo da
população indiana açambarcaram 73 por cento da riqueza
adicional gerada no ano de 2017.
Trata-se de um número incrível por si mesmo. Além disso,
esta percentagem, que se refere ao ano passado, é mais alta do que o
número que prevalecer antes deste ano, o qual era de 58 por cento. A
percentagem à margem sendo mais elevada do que a percentagem
média significa que a própria média, já
extremamente elevada, está em vias de ascender ainda mais.
A crescente desigualdade de riqueza e rendimento não é um
fenómeno confinado só à Índia. É um
fenómeno à escala mundial o qual agora começou a preocupar
mesmo os líderes de topo do mundo capitalista que se reúnem todos
os anos em Davos no Fórum Económico Mundial. A ameaça de
instabilidade social desta crescente desigualdade económica foi colocada
como um ítem importante na agenda de Davos.
Mas a Índia destaca-se no facto de que o crescimento da desigualdade tem
sido mais rápido do que em qualquer outro lugar do mundo, ao ponto de
agora classificar-se entre as sociedades mais desiguais do mundo. Comparando-se
por exemplo os 58 por cento de riqueza total que os 1 por cento do topo
possuíam na Índia antes de 2017, o número correspondente
para o mundo como um todo é de 50 por cento. E muito embora para o mundo
como um todo os 1 por cento do topo em 2017 possuíssem 82 por cento do
acréscimo de riqueza comparados aos 73 por centro para a Índia, o
nível de desigualdade de riqueza no mundo continuará abaixo
daquele da Índia no futuro previsível.
O que isto sugere é que a razão subjacente que está a
promover a desigualdade de riqueza por toda a parte está a operar com
maior intensidade na Índia. E esta razão primariamente tem a ver
com a prossecução de políticas económicas
neoliberais. A riqueza crescente e a desigualdade de rendimento é uma
característica necessária do capitalismo neoliberal. A
tendência "espontânea" do capitalismo para produzir
"riqueza num pólo e pobreza no outro" a qual foi algo restrita
nos anos do pós-guerra através da intervenção do
Estado, em resposta à ameaça socialista e à força
crescente da classe trabalhadora que o capitalismo enfrentava no fim da segunda
guerra mundial, foi agora reintroduzida com uma vingança, sob o
capitalismo neoliberal.
Há pelo menos cinco caminhos óbvios pelos quais o capitalismo
neoliberal promove a desigualdade de riqueza. O primeiro é
através do aumento na desigualdade de rendimento que ele provoca. Uma
vez que o rácio de rendimento que é poupado (e portanto
acrescentado ao stock de activos) é maior para os grupos de rendimento
mais altos, uma mudança na distribuição do rendimento em
favor destes últimos aumenta tanto o rácio geral de
poupança (e formação de activos) no rendimento total como
a fatia dos possuidores de activos do topo nos activos totais.
Um exemplo tornará este ponto mais claro. Suponha, para começar, que
os 10 por cento de topo da população possuíssem activos no
valor de 250 e ganhassem um rendimento de 50, ao passo que os 90 por cento da
base tivessem um activo de 5'0 e rendimento de 50; e suponha que os primeiros
habitualmente poupassem metade do rendimento enquanto os últimos
habitualmente poupassem 10 por cento do seu rendimento. Assim, os 10 por cento
do topo poupariam 25 e os 90 por cento da base 5 por cento, de modo que cada
activo do grupo cresça em 10 por cento e não há
ascensão da desigualdade de riqueza.
Mas agora, se a distribuição de rendimento se tornar 60 para os
10 por cento do topo e 40 para o resto, então com os mesmos
rácios de poupança o crescimento em activos é 34 ou 11,3
por cento do nível existente anteriormente. O crescimento dos activos do
grupo do topo 12 por cento ao passo que o do grupo da base é de 8 por
cento. A fatia do grupo do topo no total de activos aumenta de 83 para 84. E se
o aumento na desigualdade de rendimento
continuar
então a fatia dos 10 por cento do topo
continuaria a ascender.
A tendência sob o neoliberalismo é continuar a piorar a
distribuição do rendimento. Isto acontece porque o número
de empregos criados sob o mesmo cai aflitivamente abaixo do número dos
que buscam emprego, o que aumenta a dimensão relativa do exército
de reserva do trabalho, de modo que os salários permanecem ligados a um
nível de subsistência mesmo quando a produtividade do trabalho
aumenta. A fatia do excedente a acumular-se para os ricos mantém-se
portanto a aumentar ao longo do tempo sob o capitalismo neoliberal, implicando
um aumento na desigualdade do rendimento e por conseguinte da riqueza.
No exemplo acima assumimos que o rácio das poupanças em
relação aos rendimentos de cada grupo permanece inalterado quando
muda a distribuição do rendimento. Mas de facto o consumo tende a
ser relativamente rígido quando muda o rendimento, caso em que, no
exemplo acima, as poupança dos 10 por cento do topo aumentariam para 35
quando o seu rendimento aumenta para 60 (uma vez que o consumo permanece fixado
em 25) e as poupanças dos 90 por cento da base cairiam para
menos
5 já que o seu consumo permanece em 45 mesmo quando o rendimento cai
para 40. Nesta nova situação, então, a fatia na riqueza
total dos 10 por cento do topo aumenta de 83 para 86 por cento.
Esta tendência para um aumento da fatia de riqueza dos percentis do topo
torna-se particularmente pronunciada quando há um
declínio absoluto
nos rendimentos dos percentis da base. E uma das razões porque isto
acontece num regime neoliberal é a privatização de
serviços essenciais como educação e cuidados de
saúde, o que também os torna mais caros, de modo que os pobres
têm mesmo de esgotar o seu magro stock de activos para serem capazes de
dispor de um nível particular de acesso a estes serviços. Este
portanto é o segundo caminho pelo qual um regime neoliberal contribui
para um aumento na desigualdade de riqueza.
O terceiro modo pelo qual um regime neoliberal acentua a desigualdade de
riqueza é através de um processo intensivo de
acumulação primitiva de capital que ele desencadeia sobre a
economia. Através de uma variedade de meios, que vão desde uma
tomada sem rodeios da pequena propriedade, incluindo a propriedade camponesa
(ou a sua compra "por tostões"; até a invasão de
bens comuns; a apropriação de propriedade do Estado (a qual
é construída através de impostos sobre pessoas comuns); ao
simples roubo de crédito bancário dos bancos do sector
público (o que é habitualmente mencionado como um acúmulo
dos seus "Activos em incumprimento"), os grandes capitalista aumentam
a sua fatia no total de riqueza da economia.
A acumulação primitiva aumenta de facto a
concentração de riqueza de dois modos: um que acaba de ser
discutido; ele suplementa o efeito daquilo que Marx chamou de
"centralização do capital". O outro modo é que
pelo esmagamento de camponeses e pequenos produtores expulsa-os das suas
ocupações tradicionais para migrarem para cidades onde se juntam
às fileiras dos que procuram emprego e portanto incham a dimensão
relativa do exército de reserva do trabalho; isto acentua a desigualdade
de rendimento pelas razões já discutidas e, portanto, da
desigualdade de riqueza.
O quarto caminho pelo qual o neoliberalismo promove a desigualdade de riqueza
é pela transferência de concessões e isenções
fiscais aos ricos em nome da promoção do crescimento
económico mais alto. Tais concessões aumentam directamente a
desigualdade de riqueza. Além disso, uma vez que elas são
equilibradas pela redução da despesa governamental com
educação e saúde, e dessa forma privatizando directa ou
indirectamente estes serviços essenciais, contribuem assim para o
empobrecimento de vastos segmentos de pessoas comuns, o que, como vimos
anteriormente, também aumenta a desigualdade de riqueza.
O quinto caminho pelo qual aumenta a desigualdade de riqueza sob o
neoliberalismo é através da formação de bolhas de
preços de activos. Booms especulativos no mercado de
acções ou em outros mercados de activo dão um impulso aos
valores dos activos. Como percentis do topo figuram de modo destacado entre os
possuidores de activos, verifica-se que o valor absoluto da sua riqueza, e
portanto da sua fatia na riqueza total, aumenta bastante rapidamente num
período muito curto.
Isto entretanto levanta um ponto discutível. Em que medida um aumento do
montante absoluto de riqueza e da sua fatia no total fez com que um tal boom
especulativo fosse considerado genuíno? Afinal de contas, assim como uma
bolha especulativa pode impulsionar a riqueza dos percentis do topo, o colapso
da bolha pode reduzir a sua riqueza da noite para o dia. Por que então
um aumento da desigualdade de riqueza baseado na bolha deveria ser motivo de
preocupação?
Isto contudo torna-se motivo de preocupação porque, mais uma vez
sob um regime neoliberal, os governos tentam impedir o colapso da bolha (o qual
teria sérias repercussões adversas sobre a economia)
sustentando-o através de vários meios. Estes vão desde o
apoio orçamental (tal como aquele que Obama prometeu nos EUA para suster
o efeito do colapso da bolha habitacional sobre o sistema financeiro), à
mercantilização de elementos da natureza como água e ar
(de modo a que novos activos lucrativos sejam introduzidos a fim de manter a
continuidade do boom), à privatização de activos do
governo tais como o "espectro" [rádio-televisivo] (com o mesmo
objectivo). Assim, a visão de que a riqueza adquirida através de
uma bolha no mercado de activos constitui apenas riqueza fictícia e
não deveria ser motivo de preocupação, não se
mantém necessariamente.
Com certeza, estimativas de riqueza e portanto estimativas da
distribuição de riqueza estão repletas com uma
multidão de dificuldades estatísticas. Mas apesar de tais
dificuldades, não há que negar o facto de que está a
ocorrer algo de extremamente grave para a nossa democracia e liberdade com a
extraordinária ascensão da desigualdade de riqueza.
28/Janeiro/2018
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2018/0128_pd/dramatic-rise-wealth-inequality
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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