O proteccionismo de Trump
No dia 8 de Março Donald Trump anunciou aquilo que, segundo muitos, tem
o potencial para desencadear uma guerra comercial global. Ele anunciou que os
EUA elevariam as tarifas sobre o aço importado em 25 por cento e as
tarifas sobre o alumínio importado em 10 por cento.
Actualmente, a OMC permite tarifas sob certas circunstâncias, contra, por
exemplo, algum país que esteja "injustamente" a subsidiar suas
exportações, ou a fazer dumping das suas mercadorias, o que
significa cobrar preços mais altos no mercado interno pelas mesmas
mercadorias que são vendidas barato no mercado de
exportação. Ela também permite tarifas sob uma
cláusula de "salvaguarda" pela qual um país pode
efectuar apoio temporário a produtores locais de modo a que possam
preparar-se para enfrentar o desafio de importações. Trump
contudo não utilizou nenhuma destas duas disposições da
OMC para anunciar seu aumento de tarifas. Ele ao invés recorreu a uma
cláusula raramente utilizada da lei estado-unidense relativa à
"segurança nacional" (uma cláusula semelhante
também existe na OMC).
O que constitui exactamente "segurança nacional" é
difícil de definir. As exigências militares de um país
envolvem todo um conjunto de bens; se a importação de tais bens
é impedida com a desculpa de que a "segurança nacional"
exige a sua produção interna, então virtualmente qualquer
bem pode ser reservado à produção interna. É por
causa do seu recurso a esta cláusula que dá para tudo que a
introdução de Trump de medidas proteccionistas está a ser
vista não como um desenvolvimento menor, uma mera
aberração de um regime na generalidade de "livre
comércio", mas como um acto de impugnação do
próprio regime do assim chamado "livre comércio".
Este regime de "livre comércio" que os EUA e a Europa
construíram cuidadosamente em tempos recentes naturalmente não
significava "livre comércio"
per se.
Ele tinha dentro de si um sistema de discriminação contra
países do terceiro mundo. Isto era óbvio por exemplo em
relação a subsídios agrícolas e direitos de
propriedade intelectual. Mas mesmo este regime de "livre
comércio" concebido para servir os seus próprios interesses
está a ser minado pelos EUA sob a administração Trump. O
facto de Trump estar a fazer isto tão cedo sublinha a gravidade da
crise do capitalismo mundial e o facto de que o capitalismo neoliberal atingiu
um beco sem saída total.
Ultimamente tem havido muita conversa sobre como a economia mundial estaria a
recuperar-se e de como os EUA em particular estariam a sair da crise, com a sua
taxa oficial de desemprego agora reduzida a meros 4,1 por cento. Mas se isto
fosse realmente o caso, então a administração Trump
não teria razão para introduzir as suas medidas proteccionistas.
Se o mercado de trabalho está tão tenso quanto sugere a taxa
de desemprego de 4,1 por cento, então tarifas mais elevadas provocariam
não produção interna mais alta nos sectores protegidos
mas, ao contrário, apenas um aumento dos seus preços, isto
é, não ajustamento da produção mas apenas
ajustamento do preço. Isto significaria uma mera promoção
gratuita da inflação interna que é contraproducente para a
economia. O facto de a administração Trump ter recorrido ao
proteccionismo indica portanto que o mercado de trabalho não está
de modo algum tão tenso como se diz, que a crise persiste na economia
dos EUA.
Outros indicadores também confirmam este ponto de vista. Exemplo: apesar
de a taxa de desemprego oficial ser de 4,1 por cento, a qual é mais
baixa do que no início de 2008 quando a crise começou, a taxa de
participação do trabalho, isto é, o rácio entre
aqueles empregados ou à procura de trabalho e a população
em idade de trabalhar, continua a permanecer abaixo da que existia na data
inicial. Se assumirmos que a mesma taxa de participação do
trabalho de hoje existisse em Janeiro de 2008, então a taxa de
desemprego nos EUA de hoje seria não de 4,1 por cento mas sim de 6,1 por
cento.
Uma taxa de participação do trabalho, entretanto, ascende
tipicamente porque pessoas se retiraram da força de trabalho devido ao
desvanecimento das perspectivas de encontrar emprego. Portanto, a
persistência de uma taxa de participação do trabalho mais
baixa lança dúvidas mesmo sobre o valor do número oficial
de 4,1 por cento na taxa de desemprego.
Uma conclusão semelhante levanta-se quando examinamos a taxa salarial.
Um mercado de trabalho tenso tende a elevar a taxa salarial, mas nos EUA
apesar dos 4,1 por cento oficiais de taxa de desemprego não tem havido
aumento na taxa salarial, o que sugere que o mercado de trabalho está
longe estar tenso e que os 4,1 por cento é um número enganoso. E
agora a medida proteccionista de Trump apenas confirma que a economia dos EUA,
sobre a qual a recuperação da totalidade do mundo capitalista
está tão vitalmente dependente, continua a estar afundada na
crise.
O que é digno de nota é o facto de que Trump tenha recorrido ao
proteccionismo como a saída da crise, o que também está em
conformidade com o que ele prometera durante a sua campanha eleitoral. Ele
não está a pensar numa expansão do mercado estado-unidense
através de despesas públicas mais vastas. A razão porque
não está a fazer isso é porque uma tal estratégia
exige que despesas públicas mais vastas teriam de ser financiadas ou
através de uma tributação sobre capitalistas (pois
tributar trabalhadores que na generalidade consomem o seu rendimento compensa o
efeito expansionista da despesa pública através de uma
redução correspondente no consumo dos trabalhadores), ou
através de um défice orçamental e ambos são
anátema para o capital financeiro.
Uma vez que não há um plano para expandir a dimensão do
mercado nos EUA através de maiores despesas públicas, o
proteccionismo significa simplesmente que uma fatia maior do mercado existente
está destinada à produção interna. Isto equivale,
por outras palavras, a efectuar uma expansão na produção e
emprego interno através do arrebatamento de uma parte do mercado aos
produtores localizados em outros países, o que significa que a
geração de emprego dentro do país seria acompanhada pela
destruição de emprego em outros países. Esta
política, que é mencionada como política de
"empobreço meu vizinho" (isto é, eu ganho às
expensas do meu vizinho), é assim uma manifestação do
terrível estado do mundo capitalista no presente, geradora de piores
coisas que estão para vir.
Sugere um estado terrível porque demonstra claramente a ausência
completa de qualquer estratégia coordenada da parte das potências
capitalistas; e anuncia um agravamento da crise porque políticas do
"empobreço meu vizinho" inevitavelmente atraem
retaliação dos demais. Os outros países não
vão simplesmente sentar-se e assistir o arrebatamento dos seus mercados;
eles não irão simplesmente permitir que a recessão e o
desemprego sejam exportados pelos EUA para as suas economias. Eles por sua vez
também protegerão suas economias, o que significaria uma
generalização das políticas "empobreço meu
vizinho".
E uma qualquer generalização de políticas do
"empobreço meu vizinho" (ou a irrupção de uma
"guerra comercial global" como dizem alguns) reduzirá ainda
mais o incentivo para os capitalistas investirem e, portanto, provocará
nova contracção no investimento e na procura agregada, resultando
num agravamento da crise. Nada poderia proporcionar uma
demonstração mais clara de que isto o completo beco sem
saída ao qual chegou o capitalismo neoliberal.
Ultimamente alguns têm utilizado a expressão
"des-globalização" para descrever a
situação actual. Certamente é o caso de que o regime de
"livre comércio" que os EUA e a Europa erigiram como parte do
processo de "globalização" está a ser alterado
significativamente. Mas o que falha na expressão
"des-globalização" é que
não há absolutamente recuo algum, no presente ou em perspectiva,
do regime de livres fluxos financeiros globais.
Naturalmente, a protecção por parte dos EUA afecta
desfavoravelmente actividades manufactureiras localizadas no exterior do
próprio capital dos EUA, para atender ao mercado estado-unidense
aproveitando baixos salários estrangeiros. De facto, grande parte das
importações pelos EUA de bens manufacturados é produzida
no Extremo Oriente por unidades controladas pelo próprio capital
estado-unidense. E desencorajar igualmente a deslocalização
(outsourcing)
de serviços dos EUA para países como a Índia, a qual
começou realmente com a administração Obama, constitui uma
intrusão na lucratividade de companhias dos EUA. Mas tudo isto refere-se
ao
capital-na-produção
e não ao
capital-como-finança.
Sobre este último, nem uma pitada de restrição
está a ser imposta, ou sequer contemplada, pela
administração Trump.
É porque o capital-como-finança não está de todo a
ser restringido que a oposição das finanças a
défices orçamentais tem de ser respeitada. Isto descarta qualquer
activismo orçamental por parte do Estado para ressuscitar a economia e
deixa o proteccionismo como a única opção remanescente,
especialmente desde que a política monetária se demonstrou
ineficaz. As restrições ao
capital-na-produção
são, em suma, uma medida desesperada a qual é necessitada,
ironicamente, pela ausência de quaisquer restrições ao
capital-como-finança.
O que escapa aos proponentes da ideia da
"des-globalização" é que as actuais medidas de
proteccionismo não negam de modo algum o fenómeno da
globalização da finança, a qual é a essência
do processo de globalização. O que estamos a testemunhar
não é "des-globalização", mas tentativas
desesperadas e contraproducentes para fazer frente a uma crise, a qual
é ela própria um resultado do processo de
globalização da finança, sem de modo algum negar aquele
processo. Uma vez que este processo é central para a
globalização, o presente esforço pode ser encarado como
tentar fazer frente às consequências
(fall-out)
da globalização sem negar a globalização.
25/Março/2018
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2018/0325_pd/trump's-protectionism
.
Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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