O neoliberalismo e a extrema-direita
Ultimamente tem havido um recrudescimento de partidos de extrema-direita,
fascistas, semi-fascistas ou neo-fascistas em todo o mundo, de uma forma que
lembra a década de 1930. Os governos fascistas servem invariavelmente os
interesses do capital monopolista em geral, e da sua secção mais
recente, menos "liberal" e mais reaccionária em particular,
razão pela qual Georgi Dimitrov, presidente da Internacional Comunista,
tinha, no seu Sétimo Congresso, caracterizado um Estado fascista como a
"ditadura terrorista aberta da secção mais
reaccionária do capital financeiro"; mas os movimentos fascistas
desta era anterior haviam começado como movimentos contra o
big business.
Tendo adquirido um seguimento através da sua retórica anti-
big business
ou "direita radical", fizeram então uma aliança com o
big business
para chegarem ao poder e traíram os seus próprios seguidores.
Hitler fez isto da forma mais sangrenta possível durante a chamada
"noite das facas longas", quando o seu próprio associado mais
próximo, Ernst Rohm, o chefe da SA, e uma série de outros nazis
foram assassinados sob as suas ordens.
Os movimentos neo-fascistas e de extrema-direita contemporâneos diferem,
no entanto, dos seus congéneres anteriores a este respeito: eles
esquivam-se desde o início a qualquer retórica radical de
direita. Não há diatribes deles contra o
big business,
não há tentativas da sua parte para aproveitar a ira
legítima das pessoas contra um sistema que as mantém
desempregadas. No contexto actual, claro, tal retórica anti-
big business
teria necessariamente de tomar a forma de um ataque às políticas
económicas neoliberais, uma vez que estas políticas são a
expressão perfeita da hegemonia do capital globalizado com o qual o
big business
interno está integrado. Mas os movimentos neo-fascistas e de
extrema-direita contemporâneos por todo o mundo são ostensivos
pelo seu silêncio e, por conseguinte, pelo seu endosso às
políticas económicas neoliberais.
Em alguns casos há um apoio aberto e entusiástico, em
oposição ao endosso tácito, a tais políticas desde
o início, e à grande burguesia que está por detrás
de tais políticas. Um exemplo importante disto é o BJP que se
tornou próximo do
big business
e do capital globalizado sob Narendra Modi. De facto, a proximidade de Modi ao
big business, quando ele era o principal ministro de Gujarat, foi o que levou o
big business
indiano a "adoptá-lo" abertamente após uma cimeira de
investidores em Gujarat há alguns anos atrás e a promovê-lo
com êxito como o próximo candidato a primeiro-ministro. Modi
efectuou a aliança corporações-Hindutva que impulsionou a
sua ascensão ao poder; e um aspecto crucial para forjar esta
aliança foi a marginalização do Hindutva de frentes como o
Swadeshi Jagaran Manch que anteriormente abraçou algum tipo de programa
de direita radical. Uma vez no poder, Modi recompensou amplamente os seus
apoiantes corporativos, não apenas através de contratos e acordos
específicos (dos quais o acordo [dos aviões] Rafale é
considerado como um exemplo primordial), ou através de
legislação para reduzir os direitos dos trabalhadores e minar a
independência do campesinato, mas através de um programa de
privatização maciça de empresas do sector público.
Ele justificou tudo isto com o argumento de que a grande burguesia constitui os
"criadores de riqueza" da nação! Isto, ironicamente de
acordo com ele, justifica entregar-lhes a riqueza da nação.
Mas, deixemos de lado o Modi que está na sua própria liga. Mesmo
outros partidos de extrema direita no mundo, como a Liga do Norte de Matteo
Salvini, na Itália, que inicialmente pareciam opor-se às
políticas neoliberais, pelo menos no contexto da União Europeia,
cuja expressão era a sua oposição à moeda comum
Euro, agora acalmaram-se e aceitaram toda a gama de medidas económicas
ortodoxas da UE.
Recentemente, o endosso do neoliberalismo por parte da extrema-direita na
Europa foi expresso de modo formal por uma declaração conjunta de
dezasseis partidos europeus de extrema-direita, os quais incluem o Fidesz de
Victor Orban na Hungria, a Frente Nacional de Marine Le Pen em França, o
Partido da Liberdade na Áustria, o Partido Lei e Justiça da
Polónia, o Vox da Espanha e a Liga do Norte bem como o Irmãos da
Itália daquele país. Nesta declaração não
houve nem uma única palavra dedicada a questões de
política económica (Thomas Fazi, The Delphi Initiative, July 9).
A necessidade de preservar culturas nacionais dentro da Europa foi enfatizada,
tal como a tradição judia-cristã daquele continente
(acenada pela direita como um meio de atacar minorias religiosas); mas
não houve menção a qualquer retirada da moeda comum ou a
qualquer repúdio da imposição draconiana de austeridade
sobre todo Estado-membro que está associada à moeda comum.
É verdade que, neste momento, devido à pandemia, a UE suspendeu a
rigorosa disciplina orçamental do seu Pacto de Estabilidade e
Crescimento (PEC) e deu aos países membros alguma margem de manobra em
matéria de défices orçamentais, mas esta suspensão
supõe-se que seja apenas temporária; e a Comissão Europeia
já declarou recentemente que o PEC estaria outra vez em vigor em 2023. A
declaração dos partidos de extrema-direita não pede sequer
um adiamento desta data alvo para a reimposição do PEC.
Levanta-se a questão: porque é que a extrema-direita se tornou
tão mansa, tão acomodatícia em relação ao
big business,
mesmo antes de ter chegado ao poder na maior parte destes países?
Porque difere a este respeito da sua anterior encarnação na
década de 1930? A resposta básica a esta pergunta reside no facto
de que, ao contrário da década de 1930, quando o capital
financeiro de qualquer país, apesar de ter um alcance internacional,
estava essencialmente enraizado na nação e apoiado pelo
Estado-nação, o capital financeiro contemporâneo
está globalizado. É um capital globalizado que confronta o
Estado-nação. Para contrariar o neoliberalismo e a austeridade
orçamental que invariavelmente implica, um país teria de sair da
globalização que o envolve dentro de um turbilhão de
fluxos financeiros globais e, assim, minar a autonomia orçamental do seu
Estado. No contexto europeu isto significaria sair da União Europeia,
uma vez que a UE é o instrumento através do qual se exprime a
hegemonia do capital globalizado. O capital financeiro com origem em qualquer
país particular opor-se-ia a tal saída uma vez que está
integrado num sistema de capital financeiro globalizado. Uma agenda de
saída teria portanto de ser baseada no apoio de outras classes, acima de
tudo a classe trabalhadora e a extrema-direita não é
conhecida por representar ou promover os interesses da classe trabalhadora,
apenas quer enganá-la.
As objecções à União Europeia provenientes da
extrema-direita permanecem portanto confinadas a questões
"culturais", as quais podem ser acomodadas sem qualquer ameaça
à hegemonia do capital globalizado. Na verdade é de algum
benefício para o capital globalizado pois comuta o discurso afastando-o
de assuntos vitais, como desemprego e aflição económica, e
confinando-o à "identidade nacional" e à ameaça
à "tradição judia-cristã". Ele comuta o
discurso para longe das questões materiais que afectam a classe
trabalhadora e portanto serve os propósitos do capital globalizado.
No entanto, há um aspecto da aquiescência da extrema-direita
quanto à hegemonia do capital globalizado que merece
atenção. Para ultrapassar a crise de estagnação na
qual o capitalismo metropolitano e portanto a economia capitalista mundial
está apanhado, o presidente Joe Biden dos EUA tem advogado um
ressuscitar de políticas keynesianas: ele anunciou um conjunto de
medidas que aumentariam a despesa governamental consideravelmente e seria
financiada através de um aumento no défice orçamental
estado-unidense bem como de impostos sobre capitalistas (para os quais ele quer
um acordo internacional acerca de uma taxa fiscal corporativa mínima). O
êxito da agenda de Biden exige um mínimo de concordância de
outros governos capitalistas quanto a uma agenda semelhante. Mesmo se todos os
governos de países avançados concordassem numa agenda semelhante,
a menos que também aos países do terceiro mundo fosse permitida
autonomia orçamental, nomeadamente a libertação do
estrangulamento da "austeridade", então a dicotomia entre um
terceiro mundo "austero" e um primeiro mundo que persegue uma agenda
estilo New Deal seria odiosa para o primeiro. Mas se mesmo o primeiro mundo
não estiver de acordo sobre uma agenda expansionista keynesiana,
então os EUA, por si sós, não conseguiriam sequer cumprir
uma tal agenda.
Isto acontece porque se os EUA seguirem uma política keynesiana, a menos
que se isolem completamente através de restrições
à importação, aumentaria as importações de
outros que não seguissem tal política, o que ampliaria o seu
défice comercial em relação a eles. Os EUA estariam assim
a gerar emprego noutros países ao mesmo tempo que ficariam em
dívida para com eles (por atenderem o seu défice comercial), o
que não pode durar muito tempo. Com a extrema-direita a aceitar a
reimposição da austeridade orçamental na Europa, que teria
o apoio de um espectro de partidos políticos do
"establishment", e a esquerda europeia não suficientemente
forte para resistir a tal austeridade, parece pouco provável que a
Europa prossiga uma agenda ao estilo Biden, o que portanto significaria a
persistência da submersão do capitalismo mundial na sua actual
estagnação e crise.
18/Julho/2021
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2021/0718_pd/neo-liberalism-and-extreme-right
Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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