O combate das palavras: A nova propaganda
por Robert Fisk
Têm acompanhado a semântica mais recente nos noticiários? O
jornalismo e o governo israelense estão novamente em amores. É
terror islâmico, terror turco, terror do Hamas, terror da jihad
islâmica, terror do Hezbollah, terror activista, guerra ao terror, terror
palestino, terror muçulmano, terror iraniano, terror sírio,
terror anti-semita, ...
Mas estou a fazer uma injustiça aos israelenses. O seu léxico, e
o da Casa Branca a maior parte do tempo e o léxico dos
nossos repórteres é o mesmo. Sim, sejamos justos para com os
israelenses. O seu léxico anda assim: Terror, terror, terror, terror,
terror, terror, terror, terror, terror, terror, terror, terror, terror, terror,
terror, terror, terror, terror, terror, terror.
Quantas vezes utilizei a palavra "terror"? Vinte. Mas poderiam bem ser
60, ou 100, ou 1000, ou um milhão. Estamos caídos de amor pela
palavra, seduzidos por ela, fixados por ela, atacados por ela, assaltados por
ela, violados por ela, comprometidos com ela. É amor e sadismo e morte
em duas sílabas, a canção de fundo do horário
nobre, a abertura de toda sinfonia na televisão, a manchete de todas as
páginas, uma marca de pontuação no nosso jornalismo, um
ponto e vírgula, uma vírgula, nosso mais poderoso ponto final.
"Terror, terror, terror, terror". Cada repetição
justifica a sua antecessora.
Acima de tudo, é acerca do terror do poder e o poder do terror. Poder e
terror tornaram-se intermutáveis. Nós jornalistas deixámos
isto acontecer. A nossa linguagem tornou-se não apenas um aliado
degradado, mas um parceiro verbal de pleno direito na linguagem de governos,
exércitos, generais e armamento. Recordam o "destruidor de
bunkers"
("bunker buster")
e o "destruidor de mísseis Scud"
("Scud buster")
e o "ambiente rico em alvos" na Guerra do Golfo (Parte Um)?
Esqueça as "armas de destruição em massa" (WMD).
Demasiado obviamente imbecil. Mas as "WMD" na Guerra do Golfo (Parte
Dois) têm poder por si próprias, um código secreto
talvez genético, como o DNA para alguma coisa que recolheria
terror, terror, terror, terror, terror. "45 minutos de terror".
O poder e os media não se limitam apenas a relações
cómodas entre jornalistas e líderes políticos, entre
editores e presidentes. Não se limitam apenas à
relação osmótico-parasítica entre jornalistas
supostamente honestos e o nexo de poder que flui entre a Casa Branca, o
Departamento de Estado e o Pentágono, entre Downing Street, o
Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da
Defesa, entre os EUA e Israel.
No contexto do Ocidente, o poder e os media consistem em palavras e na
utilização de palavras. Consiste em semântica. Consiste no
emprego de frases e nas suas origens. E consiste no abuso da história, e
da nossa ignorância da história. Cada vez mais, hoje em dia,
nós jornalistas nos tornámos prisioneiros da linguagem do poder.
Será porque já não nos importamos com a
linguística ou a semântica? Será porque os computadores
portáteis "corrigem" a nossa ortografia, "retocam" a
nossa gramática de modo a que as nossas sentenças muitas vezes
acabam por ser idênticas àquelas dos nossos dominadores?
Será porque os editoriais dos jornais de hoje muitas vezes soam a
discursos políticos?
Nas últimas duas décadas, as lideranças estado-unidenses e
britânicas e israelenses e palestinas utilizaram as
palavras "processo de paz" para definir o incorrigível,
inadequado e desonroso acordo que permitiu aos EUA e Israel dominarem quaisquer
bocadinhos de terra de um povo ocupado. Questionei esta expressão, e a
sua proveniência, primeiro no tempo de Oslo embora facilmente
esqueçamos que as capitulações secretas em Oslo foram elas
próprias uma conspiração sem qualquer base legal.
Pobre velha Oslo, sempre pensei. O que é que Oslo fez para merecer isto?
Foi o acordo da Casa Branca que selou este tratado absurdo e dúbio
no qual refugiados, fronteiras, colonatos israelenses e mesmo
calendários estiveram a ser atrasados até que já
não podiam mais ser negociados.
E quão facilmente esquecemos o relvado da Casa Branca embora,
sim, recordemos a imagens sobre o qual era Clinton que citava o
Corão e Arafat que preferiu dizer: "Obrigado, obrigado, obrigado,
Sr. Presidente". E o que chamámos a esta insensatez posteriormente?
Sim, foi "um momento histórico"! Será que foi?
Realmente?
Lembra-se o que Arafat chamou àquilo? "A paz dos bravos". Mas
não me recordo de ninguém a destacar que "paz dos
bravos" foi a expressão utilizada pelo general De Gaulle perto do
fim da guerra da
Argélia. Os franceses perderam a guerra na Argélia. Nós
não reconhecemos esta ironia extraordinária.
O mesmo agora, outra vez. Nós jornalistas ocidentais utilizados
mais uma vez pelos nossos mestres temos estado a cobrir os nossos
alegres generais no Afeganistão, a dizer que a sua guerra só pode
ser ganha com uma campanha de "corações e mentes".
Ninguém lhes perguntou a questão óbvia: Não era
esta a mesma frase utilizada em relação aos civis vietnamitas na
Guerra do Vietname? E não perdemos nós não o
Ocidente a guerra no Vietname? Mas agora nós jornalistas
ocidentais estamos a utilizar em relação ao
Afeganistão a frase "corações e mentes"
nas nossas reportagens como se ela tivesse uma nova definição no
dicionário, ao invés de ser um símbolo de derrota pela
segunda vez em quatro décadas.
Olhe simplesmente para palavras individuais que recentemente adoptámos
dos militares estado-unidenses. Quando nós ocidentais descobrimos que os
"nossos" inimigos a al-Qaida por exemplo, ou o Taliban
colocou mais bombas e efectuou mais ataques do que o habitual, chamamos a isso
um "surto"
(spike)
de violência".
Ah, sim, um "surto"! "Surto" é uma palavra utilizada
pela primeira vez neste contexto, segundo meus ficheiros, por um general de
brigada na Zona Verde de Bagdad em 2004. Mas agora nós utilizamos aquela
frase, utilizamo-la a torto e a direito, enviamo-la para o ar como frase nossa,
nossa invenção jornalística. Estamos a utilizar,
literalmente, uma expressão criada para nós pelo
Pentágono. Um surto, naturalmente, sobe agudamente e a seguir cai
agudamente. Um "surto de violência" evita portanto a agourenta
utilização das palavras "aumento na violência"
pois um aumento, naturalmente, pode não se reduzir posteriormente.
Agora, mais uma vez, quando generais estado-unidenses referem-se a um
súbito aumento nas suas forças para um assalto a Faluja ou centro
de Bagdad ou Kandahar um movimento em massa de soldados levados a
países muçulmanos às dezenas de milhares eles
chamam a isto um "surto". E um surto, como um tsunami, ou qualquer
outro fenómeno natural, pode ser devastador nos seus efeitos. Os que
estes "surtos" realmente são para utilizar as palavras
reais do jornalismo sério são reforços. E
reforços são enviados para conflitos quando exércitos
estão a perder guerras. Mas os rapazes e garotas da nossa
televisão e jornais ainda estão a falar acerca de
"surtos" sem qualquer qualificação. O Pentágono
vence mais uma vez.
Entretanto, o "processo de paz" entrou em colapso. Portanto os nossos
líderes ou "actores chave" como gostamos de
chamá-los tentaram fazê-lo funcionar outra vez. O processo
tinha de ser colocado "de volta aos trilhos". Era um comboio, como se
vê. As carruagens haviam descarrilado. A administração
Clinton utilizou primeiro esta frase, a seguir os israelenses e então a
BBC. Mas havia um problema quando o "processo de paz" foi
repetidamente posto "fora dos trilhos" e continuava ainda fora
da linha. Assim, produzimos um "mapa da estrada"
("road map")
dirigido por um Quarteto e liderado pelo velho Amigo de Deus, Tony
Blair, que numa obscenidade da história nós agora
mencionaremos como um "enviado da paz". Mas o "mapa da
estrada" não está a funcionar. E agora, percebo, o velho
"processo da paz" está de volta aos nossos jornais e aos
nossos écrans de televisão. E no mês passado, na CNN, um
daqueles aborrecidos botas de elástico a quem os rapazes e garotas da TV
chamam "peritos" contou-nos mais uma vez que o "processo de
paz" estava a ser colocado "de volta aos trilhos" por causa da
abertura de "conversações indirectas" entre israelenses
e palestinos. Não se trata apenas de clichés isto é
um jornalismo ridículo. Não há qualquer batalha entre os
media e o poder, através da linguagem nós, os media, tornaram-se
extensões do poder.
Aqui está uma outra peça da covardia dos media que faz a minha
dentadura de 63 anos crispar-se depois de comer homus
[1]
e tahine [
[2]
durante
34 anos no Médio Oriente. Dizem-nos, em muitas análises
jornalísticas, que no Médio Oriente temos de tratar com
"narrativas competitivas". Como é cómodo. Já
não há justiça, nem injustiça, apenas um par de
povos que conta estórias diferentes da história. "Narrativas
competitivas" agora surgem regularmente na imprensa britânica.
A frase, vinda da falsa linguagem da antropologia, elimina a possibilidade de
que um grupo de povos no Médio Oriente, por exemplo seja
ocupado, enquanto outro está a fazer a ocupação. Mais uma
vez, não há justiça, nem injustiça, nem
opressão ou oprimido, apenas algumas amistosas "narrativas
competitivas", um campeonato de futebol, se quiser, um terreno de jogo
nivelado porque os dois lados estão não estão?
"em competição". E aos lados tem de ser dado
tempo igual em toda estória.
Dessa forma, uma "ocupação" torna-se uma
"disputa". Portanto uma "muralha" torna-se uma
"protecção" ou "barreira de
segurança". Então os actos israelenses de
colonização da terra árabe, contrários a todo
direito internacional, tornam-se "colonatos"
("settlements")
ou "postos avançados"
("outposts")
ou "vizinhanças judias". Foi Colin Powell, no seu estrelato,
a sua aparição impotente como secretário de Estado de
George W. Bush, que recomendou aos diplomatas dos EUA que se referissem
à terra palestina ocupada como "terra disputada" e isso
foi bastante bom para a maior parte dos media dos EUA. Não havia
"narrativas competitivas", naturalmente, entre os militares
estado-unidenses e o Taliban. Quando houver, você saberá que o
Ocidente perdeu.
Mas vou dar um exemplo de como "narrativas competitivas" acabaram
desfeitas. Em Abril, fiz uma palestra em Toronto para assinalar o 95º
aniversário do genocídio arménio de 1915, o deliberado
assassinato em massa de 1,5 milhão de arménios cristãos
pelo exército e a milícia dos turcos otomanos. Antes da minha
palestra, fui entrevistado pela televisão canadiana, CTV, a qual
também é dona do jornal
Globe and Mail,
de Toronto. E desde o princípio pude ver que o entrevistador tinha um
problema. O Canadá tem uma vasta comunidade arménia. Mas Toronto
também tem uma vasta comunidade turca. E os turcos, como o
Globe and Mail
sempre nos diz, "contestam acaloradamente" que isto tenha sido um
genocídio.
Assim, o entrevistador chamou ao genocídio "massacres
mortais". Naturalmente, reconheci o seu problema específico de
imediato. Ela não podia chamar os massacres de
"genocídio", porque a comunidade turca seria ultrajada. Mas
ela percebia que "massacres" em si mesmo especialmente com as
pavorosas fotografias de arménios mortos no fundo do estúdio
não era inteiramente adequado para definir o assassínio de
um milhão e meio de seres humanos. Portanto os "massacres
mortais". Como é estranho! Se há massacres
"mortais", haverá alguns massacres que não sejam
"mortais", dos quais as vítimas saiam vivas? Era uma
tautologia ridícula.
Mas a utilização da linguagem do poder das suas palavras
guia e da suas frases guia ainda continua entre nós. Quantas
vezes ouvi repórteres ocidentais falarem acerca de "combatentes
estrangeiros" no Afeganistão? Eles estão a referir-se,
naturalmente, aos vários grupos árabes supostamente a ajudar o
Taliban. Ouviamos a mesma estória no Iraque. Combatentes sauditas,
jordanos, palestinos, chechenos, naturalmente. Os generais chamaram-nos
"combatentes estrangeiros". Imediatamente, nós
repórteres ocidentais fizemos o mesmo. Chamá-los
"combatentes estrangeiros" significava que eles eram uma força
invasora. Mas jamais ouvi desde sempre uma estação
de televisão ocidental referir-se ao facto de que há pelo menos
150 mil "combatentes estrangeiros" no Afeganistão e que
acontece todos eles estarem a envergar uniformes americanos, britânicos e
de outros países da NATO. É que "nós" é
que somos os "combatentes estrangeiros" reais.
Analogamente, a frase perniciosa "Af-Pak" tão racista
quanto é politicamente desonesta é agora utilizada pelos
repórteres, embora originalmente tenha sido uma criação do
Departamento de Estado no dia em que Richard Holbrooke foi nomeado
representante especial dos EUA para o Afeganistão e o Paquistão.
Mas a frase evita a utilização da palavra
"Índia" cuja influência no Afeganistão e
cuja presença no Afeganistão é uma parte vital da
estória. Além disso, "Af-Pak" ao eliminar a
Índia eliminou efectivamente toda a crise da Cachemira do
conflito no Sudeste da Ásia. Portanto privou o Paquistão de
qualquer palavra na política local dos EUA sobre a Cachemira
afinal de contas, Holbrook foi tornado o enviado "Af-Pak", proibido
especificamente de discutir a Cachemira. Portanto a frase "Af-Pak",
que esvazia totalmente a tragédia da Cachemira talvez demasiadas
"narrativas competitivas"? significa que quando nós
jornalistas utilizamos a mesma frase, "Af-Pak", a qual certamente foi
criada para nós jornalistas, estamos a fazer o trabalho do Departamento
de Estado.
Agora vamos olhar a história. Nossos líderes amam a
história. Acima de tudo, amam a Segunda Guerra Mundial. Em 2003,
George W. Bush pensava que era Churchill. É verdade que Bush havia
passado a Guerra do Vietname a proteger os céus do Texas do Vietcong.
Mas agora, em 2003, ele erguia-se contra os "apaziguadores" que
não queriam uma guerra com Saddam o qual era, naturalmente, "o
Hitler do Tigre". Os apaziguadores foram os britânicos que
não queriam combater a Alemanha nazi em 1938. Blair, naturalmente,
também tentou vestir o colete e o casaco de Churchill para a
ocasião. Ele não era "apaziguador". A América
era a mais antiga aliada britânica, proclamou ele e tanto Bush
como Blair recordaram aos jornalistas que os EUA haviam lutado ombro a ombro
com a Grã-Bretanha na sua hora de aflição em 1940.
Mas nada disto era verdadeiro. O mais antigo aliado da Grã-Bretanha
não eram os Estados Unidos. Era Portugal, um estado fascista neutro
durante a Segunda Guerra Mundial, o qual arvorou as suas bandeiras nacionais a
meio mastro quando Hitler morrer (mesmo os irlandeses não fizeram isso).
Nem tão pouco a América combateu junto à
Grã-Bretanha na sua hora de aflição em 1940, quando Hitler
ameaçava invasão e a Luftwaffe atacava Londres. Não, em
1940 a América estava a desfrutar um muito lucrativo período de
neutralidade e não se juntou à Grã-Bretanha na guerra
até o Japão ter atacado a base naval de Pearl Harbour em Dezembro
de 1941. Analogamente, remontando a 1956, Eden chamou Nasser de "o
Mussolini do Nilo". Um erro grosseiro. Nasser era amado pelos
árabes, não odiado como Mussolini pela maioria dos africanos,
especialmente os árabes líbios. O paralelo Mussolini não
foi desafiado ou questionado pela imprensa britânica. E todos nós
sabemos o que aconteceu no Suez em 1956. Quando se chega à
história, nós jornalistas deixamos os presidentes e
primeiros-ministros usarem-nos como cavalgaduras.
Mas o lado mais perigoso da nossa nova guerra semântica, nossa
utilização das palavras do poder embora não seja
uma guerra, uma vez que nos rendemos completamente é que isso nos
isola dos nossos espectadores e leitores. Eles não são
estúpidos. Eles entendem palavras em muitos casos receio
melhor do que nós. E também de História. Eles sabem que
estamos a retirar o nosso vocabulário da linguagem de generais e
presidentes, das assim chamadas elites, da arrogância dos peritos do
Brookings Institute, ou aqueles da Rand Corporation. Portanto temos de nos
tornar parte desta linguagem.
Nas últimas duas semanas, quando estrangeiros humanitários
ou "terroristas activistas" tentaram levar alimentos e
remédios por via marítima para os famélicos palestinos de
Gaza, nós jornalistas deveríamos ter estado a recordar aos nossos
espectadores e ouvintes de um tempo remoto em que a América e a
Grã-Bretanha correram em ajuda de um povo cercado, trazendo-lhe
alimentos e combustível para ajudar uma população faminta.
Aquela população fora cercada por uma protecção
erguida por um exército brutal o qual pretendia reduzir o povo à
submissão. O exército era russo. A cidade era Berlim. O muro
estava para vir mais tarde. O povo havia sido nosso inimigo apenas três
anos antes. Mas nós fizemos a ponte aérea para Berlim a fim de
salvá-los. Agora olhemos para a Gaza de hoje: qual jornalista ocidental
uma vez que amamos paralelos históricos alguma vez
mencionou Berlim 1948 no contexto de Gaza?
Mas ao invés disso, o que é que tivemos? "Activistas"
que se transformaram em "activistas armados" no momento em que se
opuseram à abordagem do exército israelense. Como ousam estes
homens transtornar o léxico? A sua punição foi
óbvia. Eles tornaram-se "terroristas". E os raids israelenses
nos quais foram mortos "activistas" (outra prova do seu
"terrorismo") tornaram-se então raids
"mortais". Neste caso, "mortal" era mais desculpável
do que fora na CTV nove mortos de origem turca sendo ligeiramente menos
do que um milhão e meio de arménios assassinado em 1915. Mas era
interessante que os israelenses que por suas próprias
razões políticas haviam até agora vergonhosamente
corroborado a negação turca agora subitamente quisessem
informar o mundo do genocídio arménio de 1915. Isto provocou uma
compreensível tensão entre muitos dos nossos colegas. Jornalistas
que regularmente omitiam qualquer menção ao primeiro Holocausto
do século XX a menos que se pudessem referir também ao
modo como os turcos "contestam acaloradamente" a etiqueta genocida
(logo, o
Globe and Mail
de Toronto) subitamente podiam referir-se a isto. A recem encontrado
interesse histórico de Israel tornava o assunto legítimo, embora
quase todas as reportagens fizessem por evitar qualquer
explicação do que realmente aconteceu em 1915.
E no que se tornou o raid marítimo israelense? Tornou-se um raid
"mal feito"
("botched").
Mal feito é uma linda expressão. Ela teve origem numa palavra do
inglês medieval de origem germânica, a qual significava
"reparar toscamente". E nós mantivemos mais ou menos aquela
definição até que os nossos conselheiros do léxico
jornalístico mudaram o seu significado. Escolares "botch" um
exame. Podíamos "botch" uma peça de costuma, uma
tentativa de reparar uma peça de material. Mas não
podíamos "botch" uma tentativa de persuadir o nosso
padrão a dar-nos um aumento. Mas agora nós "botch" uma
operação militar. Não foi um desastre. Não foi uma
catástrofe. Apenas matou alguns turcos.
Assim, dada a má publicidade, os israelenses apenas "botched"
o raid. De modo estranho, ultimamente repórteres e governos utilizaram
esta palavra particular a seguir à tentativa de Israel de matar o
líder do Hamas, Khaled Meshaal, nas ruas de Aman. Neste caso, assassinos
profissionais de Israel foram apanhados depois de tentarem envenenar Meshaal, e
o rei Hussain obrigou o então primeiro-ministro israelense (um certo B.
Netanyahu) a providenciar um antídoto (e a deixar um bocado de
"terroristas" do Hamas fora do cárcere). A vida de Meshaal foi
salva.
Mas para Israel e os seus obedientes jornalistas ocidentais isto tornou-se um
"atentado botched" contra a vida de Meshaal. Não porque
não estivesse destinado a morrer, mas porque Israel fracassou em
matá-lo. Portanto você pode "botch" uma
operação matando turcos ou você pode
"botch" uma operação não matando um palestino.
Como podemos romper com a linguagem do poder? Ela certamente mata-nos. Esta,
suspeito, é uma razão porque os leitores se afastaram da imprensa
dita "de referência" em favor da Internet. Não porque a
net seja livre, mas porque os leitores sabem que lhes mentem e são
enganados; sabem que o que assistem e o que lêem em jornais é um
prolongamento do que ouviram do Pentágono ou do governo israelense, que
as nossas palavras tornaram-se sinónimo da linguagem aprovado por um
governo, o cuidadoso meio termo, o qual obscurece a verdade tão
certamente como nos fazem nossos aliados políticos e militares
de todos os principais governos ocidentais.
Muitos dos meus colegas em vários jornais ocidentais acabariam por
arriscar os seus empregos se fossem desafiar constantemente a falsa realidade
das notícias jornalísticas, o nexo de poder media-governo.
Quantas organizações noticiosas pensaram apresentar , no
momento do desastre de Gaza, filmes da ponte aérea para romper o
bloqueio de
Berlim? Será que a BBC o fez?
Para o inferno que o tenham feito! Preferimos "narrativas
competidoras". Os
políticos não queriam eu disse isso na reunião de
Doha a 11 de Maio que a viagem a Gaza alcançasse o seu destino,
"fosse o seu fim um êxito, uma farsa ou uma tragédia".
Nós acreditamos no "processo de paz", no "mapa da
estrada". Em manter a "protecção" em torno dos
palestinos. Deixem os "actores chave" destrinçarem isto. E
recordem do que trata tudo isto: "Terror, terror, terror, terror, terror,
terror."
1- Homus: prato libanês, pasta de grão-de-bico com óleo de
gergelim
2- Tahine: Gergelim
O original encontra-se em
www.independent.co.uk/...
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