por Miguel Urbano Rodrigues
O filósofo e historiador italiano Doménico Losurdo esteve em
Portugal em Junho a convite da revista web odiario.info para apresentar os seus
livros
Stalin, estória e critica de uma lenda negra
e
Fuga da História
[*]
.
Losurdo, que é professor catedrático da Universidade de Urbino,
dedicou atenção especial a desmontar a falsificação
da Historia montada no Ocidente para satanizar Stálin.
Para o autor de
Fuga da História
a reimplantação do
capitalismo na Rússia após a desagregação da
União Soviética foi uma tragédia para a Humanidade. Mas
essa conclusão não é para ele incompatível com a
convicção de que o fim da URSS foi o desfecho de uma soma de
factores inseparáveis da incapacidade da concretização do
projecto socialista concebido por Lénine, com base na teoria de Marx.
Não conheço trabalho comparável pela originalidade e rigor
ao que desenvolveu para demonstrar o desafio da transição na URSS
do capitalismo para o socialismo.
Lénine tinha consciência de que a tomada do poder na Rússia
fora uma tarefa muito mais fácil do que o desafio da
construção do socialismo. O Partido não dispunha de uma
teoria para a transição do capitalismo para o socialismo. E pagou
um preço altíssimo por essa carência. Ela está na
origem dos conflitos devastadores que Losurdo define como "as três
guerra civis" na sociedade a que ele chama pós capitalista. Essa
simples expressão tornou o autor de Fuga da História alvo de
muitas críticas. Domenico poderia ter utilizado a expressão
pré socialista. Mas não o fez porque o socialismo real se
distanciou para ele do socialismo, tal como o concebe na fidelidade ao projecto
de Marx. Não cabe nestas linhas recordar as situações
históricas que na Rússia, arruinada e hostilizada pelo
imperialismo, tornaram inevitáveis decisões em defesa da
Revolução desde o comunismo de guerra à NEP
que conduziram a uma gradual redução do papel dos sovietes, a um
apagamento dos sindicatos e a uma hipertrofia do Partido e à sua
posterior burocratização. São conhecidas as
consequências dessas opções.
O Relatório Secreto de Khruchov ao XX Congresso do PCUS representou uma
preciosa ajuda aos sovietólogos ocidentais que faziam da denúncia
do estalinismo instrumento fundamental da luta contra o comunismo, para muitos
irmão gémeo do fascismo.
A grande maioria dos livros sobre Stálin deforma o homem e a sua
época. Para uns é um herói; para outros um ser
demoníaco.
Losurdo chama a atenção para o primarismo e falta de
imaginação das campanhas que visam destruir a imagem de
Stálin, comparando-o a Hitler. É absurdo negar-lhe qualquer
mérito e apresentar como um ditador feroz e irresponsável um
homem que durante três décadas exerceu um enorme poder num
país que derrotou a Alemanha nazi e se transformou na segunda
potência mundial.
Para desmontar a argumentação dos autores que satanizam
Stálin, Losurdo recorre exclusivamente a fontes ocidentais, a destacados
historiadores, filósofos, sociólogos, economistas,
políticos, militares, amplamente conhecidos pelas suas
posições anticomunistas. Cita concretamente opiniões de
Roosevelt, De Gaulle, Benes, Hannah Arendt, Eisenhower, De Gasperi, Golda Meir,
John Foster Dulles, elogiosas para Stálin, como homem, estadista e
estratego.
Losurdo não é mais um divulgador do marxismo entre muitos.
É um criador. Tal como os materialistas gregos, não desconhece
que o objectivo supremo do homem na aventura da vida é a procura da
felicidade possível. E sabe também que em poucas épocas
terá sido tão difícil como hoje perseguir essa meta.
Não é de estranhar que o filósofo, nessa ânsia de
compreender para ensinar, tenha escrito sobre autores tão diferentes
como Nietzsche, Hegel, Marx e Lénine.
Mas Domenico tem os pés bem fincados na terra. A teoria e a
prática são para ele complementares. Consciente dessa
interacção, o historiador está, como intelectual
revolucionário, permanentemente envolvido na solidariedade com as
grandes causas da humanidade e na luta dos povos contra o imperialismo. Os seus
artigos correm mundo na crítica às guerras de agressão
imperiais contra os povos da Palestina, do Iraque, do Afeganistão, da
Líbia e outros, na denúncia da participação do
golpe dos EUA nas Honduras, na solidariedade com as FARC colombianas e com o
povo iraniano. É reconfortante que neste mundo em crise de
civilização haja pensadores revolucionários como Domenico
Losurdo. Vai completar 70 anos e preparam-lhe merecidas homenagens em
diferentes países.
[1]
Ambos publicados no Brasil pela
Editora Revan
, do Rio de Janeiro.
O original encontra-se em
http://www.odiario.info/?p=2124
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.