por Miguel Urbano Rodrigues
Transcorridas duas semanas das primeiras manifestações em
Benghazi e Tripoli, a campanha de desinformação sobre a
Líbia semeia a confusão no mundo.
Antes de mais uma certeza: as analogias com os acontecimentos da Tunísia
e do Egipto são descabidas. Essas rebeliões contribuíram,
obviamente, para despoletar os protestos nas ruas do país vizinho de
ambos, mas o processo líbio apresenta características peculiares,
inseparáveis da estratégia conspirativa do imperialismo e daquilo
que se pode definir como a metamorfose do líder.
Muamar Kadhafi, ao contrário de Ben Ali e de Hosni Mubarak, assumiu uma
posição anti-imperialista quando tomou o poder em 1969. Aboliu
uma monarquia fantoche e praticou durante décadas uma politica de
independência iniciada com a nacionalização do
petróleo. As suas excentricidades e o fanatismo religioso não
impediram uma estratégia que promoveu o desenvolvimento económico
e reduziu desigualdades sociais chocantes. A Líbia aliou-se a
países e movimentos que combatiam o imperialismo e o sionismo. Kadhafi
fundou universidades e industrias, uma agricultura florescente surgiu das
areias do deserto, centenas de milhares de cidadãos tiveram pela
primeira vez direito a alojamentos dignos.
O bombardeamento de Tripoli e Benghazi em l986 pela USAF demonstrou que Reagan,
na Casa Branca identificava no líder líbio um inimigo a abater.
Ao país foram aplicadas sanções pesadas.
A partir da II Guerra do Golfo, Kadhafi deu uma guinada de 180 graus.
Submeteu-se a exigências do FMI, privatizou dezenas de empresas e abriu o
país às grandes petrolíferas internacionais. A
corrupção e o nepotismo criaram raízes na Líbia.
Washington passou a ver em Kadhafi um dirigente dialogante. Foi recebido na
Europa com honras especiais; assinou contratos fabulosos com os governos de
Sarkozy, Berlusconi e Brown. Mas quando o aumento de preços nas grandes
cidades líbias provocou uma vaga de descontentamento, o imperialismo
aproveitou a oportunidade. Concluiu que chegara o momento de se livrar de
Kadhafi, um líder sempre incómodo.
As rebeliões da Tunísia e do Egipto, os protestos no Bahrein e no
Iémen criaram condições muito favoráveis às
primeiras manifestações na Líbia.
Não foi por acaso que Benghasi surgiu como o pólo da
rebelião. É na Cirenaica que operam as principais transnacionais
petrolíferas; ali se localizam os terminais dos oleodutos e dos
gasodutos.
A brutal repressão desencadeada por Kadhafi após os primeiros
protestos populares contribuiu para que estes se ampliassem, sobretudo em
Benghazi. Sabe-se hoje que nessas manifestações desempenhou um
papel importante a chamada Frente Nacional para a Salvação da
Líbia, organização financiada pela CIA. É
esclarecedor que naquela cidade tenham surgido rapidamente nas ruas a antiga
bandeira da monarquia e retratos do falecido rei Idris, o chefe tribal Senussi
coroado pela Inglaterra após a expulsão dos italianos. Apareceu
até um "príncipe" Senussi a dar entrevistas.
A solidariedade dos grandes media dos EUA e da União Europeia com a
rebelião do povo da Líbia é, porem, obviamente
hipócrita. O
Wall Street Journal,
porta-voz da grande Finança mundial, não hesitou em sugerir em
editorial (23 de Fevereiro) que "os EUA e a Europa deveriam ajudar os
líbios a derrubar o regime de Kadhafi".
Obama, na expectativa, manteve silêncio sobre a Líbia durante seis
dias; no sétimo condenou a violência, pediu sanções.
Seguiu-se a reunião de emergência do Conselho de Segurança
da ONU e o esperado pacote de sanções.
Alguns dirigentes progressistas latino americanos admitiram como iminente uma
intervenção militar da NATO. Tal iniciativa, perigosa e
estúpida, produziria efeito negativo no mundo árabe,
reforçando o sentimento anti-imperialista latente nas massas. E seria
militarmente desnecessária porque o regime líbio aparentemente
agoniza.
Kadhafi, ao promover uma repressão violenta, recorrendo inclusive a
mercenários tchadianos (estrangeiros que nem sequer falam árabe),
contribuiu para ampliar a campanha dos grandes media internacionais que
projecta como heróis os organizadores da rebelião enquanto ele
é apresentado como um assassino e um paranóico.
Os últimos discursos do líder líbio, irresponsáveis
e agressivos, foram alias habilmente utilizados pelos media para o desacreditar
e estimular a renúncia de ministros e diplomatas, distanciando Kadhafi
cada vez mais do povo que durante décadas o respeitou e admirou.
Nestes dias é imprevisível o amanhã da Líbia, o
terceiro produtor de petróleo da África, um país cujas
riquezas são já amplamente controladas pelo imperialismo.
Vila Nova de Gaia, 28/Fevereiro/2011
O original encontra-se em
http://www.odiario.info/?p=1993
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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