Os EUA e os seus aliados repetem na Líbia crimes contra a humanidade
similares aos cometidos no Iraque e no Afeganistão.
A agressão ao povo líbio difere das outras apenas porque o
discurso que pretende justificá-la excede o imaginável no tocante
à hipocrisia.
A encenação prévia, pela mentira e perfídia, traz
à memória as concebidas por Hitler na preparação da
anexação da Áustria e das campanhas que precederam a
invasão da Checoslováquia e da Polónia.
Michel Chossudovsky, James Petras e outros escritores progressistas revelaram
em sucessivos artigos citando fontes credíveis que a
rebelião de Benghazi foi concebida com grande antecedência e
minúcia e alertaram para o papel decisivo nela desempenhado pelos
serviços de inteligência dos EUA e do Reino Unido.
A suposta hesitação dos EUA em apoiar a Resolução
do Conselho de Segurança da ONU que criou a chamada zona de
"Exclusão Aérea", e posteriormente, em assumir a
"coordenação das operações militares" foi
também uma grosseira mentira. Farsa idêntica caracterizou o debate
em torno da transferência para a NATO do comando da
operação dita "Amanhecer de Odisseia", titulo que
ofende o nome e a epopeia do herói de Homero.
O Pentágono tinha elaborado planos de intervenção militar
na Líbia muito antes das primeiras manifestações em
Benghazi, quando ali apareceram as bandeiras da monarquia fantoche inventada
pelos ingleses após a expulsão dos italianos. Tudo isso se acha
descrito em documentos (alguns constantes de correspondência
diplomática divulgada pela Wikileaks) que principiam agora a ser
tornados públicos por webs alternativos.
OS CRIMES ENCOBERTOS
Os discursos dos responsáveis pela agressão ao povo líbio
e a torrencial e massacrante campanha de desinformação montada
pelos grandes media ocidentais, empenhados na defesa e apologia da
intervenção militar, são diariamente desmentidos pela
tragédia que se abateu sobre a Tripolitania, ou seja o ocidente do
país controlado pelo Governo.
Hoje não é mais possível desmentir que o texto da
Resolução do CS que não teria sido aprovado sem a
abstenção cúmplice da Rússia e da China foi
desafiadoramente violado pelos Estados agressores.
Os ataques aéreos não estavam previstos. Mas foram imediatamente
desencadeados pela força aérea francesa e pelos navios de guerra
dos EUA e do Reino Unido que dispararam em tempo mínimo mais de uma
centena de mísseis de cruzeiro Tomahwac sobre alvos muito diferenciados.
Têm afirmado repetidamente os governantes dos EUA do Reino Unido, da
França, da Itália que a "intervenção é
humanitária" para proteger as populações e que
"os danos colaterais" por ela provocados são mínimos.
Mentem consciente e descaradamente.
As "bombas inteligentes" não são cegas. Têm
atingido, com grande precisão, depósitos de combustíveis e
de produtos tóxicos, pontes, portos, edifícios públicos,
quartéis, fábricas, centrais eléctricas, sedes de
televisões e jornais. Reduziram a escombros a residência principal
de Muamar Khadafi.
Um objectivo transparente foi a destruição da infra-estrutura
produtiva da Líbia e da sua rede de comunicações.
Outro objectivo prioritário foi semear o terror entre a
população civil das áreas bombardeadas.
Afirmaram repetidas vezes o secretário da Defesa Robert Gates e o
secretário do Foreign Ofice, William Haggue que as forças daquilo
a que chamam a «coligação» mandatada pelo Conselho de
Segurança, não se desviaram das metas humanitárias de
"Odisseia". Garantem que o número de vítimas civis tem
sido mínimo e, na maioria dos bombardeamentos cirúrgicos,
inexistente.
Não é o que informam os correspondentes de alguns influentes
media ocidentais e árabes.
Segundo a Al Jazeera e jornalistas italianos, o "bombardeamento
humanitário" de Adhjedabya foi na realidade uma matança
sanguinária, executada com requintes de crueldade.
Outros repórteres utilizam a palavra tragédia para definir os
quadros dantescos que presenciaram em bairros residenciais de Tripoli.
Generais e almirantes norte-americanos e britânicos insistem em negar que
instalações não militares ou afins tenham sido atingidas.
É outra mentira. As ruínas de um hospital de Tripoli e de duas
clínicas de Ain Zara, apontadas ao céu azul do deserto
líbio, expressam melhor do que quaisquer palavras a praxis dos
"bombardeamentos humanitários". Jornalistas que as
contemplaram e falaram com sobreviventes do massacre, afirmam que em Ain Zara
não havia um só militar nem blindados, sequer armas.
Numa tirada de humor negro, no primeiro dia da agressão, um oficial dos
EUA declarou que a artilharia anti aérea líbia ao abrir fogo
contra os aviões aliados que bombardeavam Tripoli estava a "violar
o cessar-fogo" declarado por Khadafi.
Cito o episódio por ser expressivo do desvario, do farisaísmo, do
primarismo dos executantes da abjecta agressão ao povo líbio,
definida como "nova cruzada" por Berlusconi, o clown neofascista da
coligação ocidental.
Khadafi é o sucessor de Ben Laden como inimigo número um dos EUA
e dos governantes que há poucos meses o abraçavam ainda
fraternalmente.
O dirigente líbio não me inspira hoje respeito. Acredito que
muitos dos seus compatriotas que participam na rebelião da Cirenaica e
exigem o fim do seu regime despótico actuam movidos por objectivos
louváveis.
Mas invocar a personalidade e os desmandos de Muamar Khadafi no esforço
para apresentar como exigência de princípios e valores da
humanidade a criminosa agressão ao povo de um país soberano
é o desfecho repugnante de uma ambiciosa estratégia imperialista.
O subsolo líbio encerra as maiores reservas de petróleo (o dobro
das norte-americanas) e de gás da África. Tomar posse delas
é o objectivo inconfessado da falsa intervenção
humanitária.
É dever de todas as forças progressistas que lutam contra a
barbárie imperialista desmascarar a engrenagem que mundo afora qualifica
de salvadora e democrática a monstruosa agressão à
Líbia.
A Síria pode ser o próximo alvo. Isso quando não há
uma palavra de crítica às monarquias teocráticas da
Arábia Saudita, do Bahrein, dos Emirados.
Uma nota pessoal a terminar. Os líderes da direita europeia, de Sarkozy
e Cameron à chanceler Merkel, cultivam nestes dias repito
o discurso da hipocrisia. Nenhum, porém, consegue igualar na mentira e
na desfaçatez a oratória de Barack Obama, que, pelos seus actos,
responderá perante a História pela criminosa política
externa do seu país, cujo povo merecia outro presidente.