A desarabização da Liga Árabe
O bombardeamento israelense do Líbano e da Palestina, bem como o
processo americano em curso de abruptamente e pela força criar um
natimorto novo regime iraquiano modelado pelos EUA, estão a triturar o
"sistema" da Liga Árabe num teste de vida ou morte e, mais uma
vez, a empurrá-la para uma rota de colisão com o povo.
Quase todas as constituições e leis básicas dos vinte e
dois estados da Liga Árabe, incluindo a Autoridade Palestina que
não tem estado, estipulam que os seus povos e países são
parte integral da "nação árabe" e algumas falam
explicitamente na unidade Pan-árabe como um objectivo nacional. Mas na
prática quase todos eles prosseguem políticas que violam
flagrantemente estipulações constitucionais, embrulhando a sua
contradição no jargão retórico pan-arabista.
Os desesperados clamores por ajuda pan-árabe dos indefesos árabes
palestinos, iraquianos e libaneses que estão a ser esmagados pelas
cruéis máquinas de guerra americana e israelense estão a
cair em ouvidos surdos nos estados da Liga Árabe, que não aceita
realisticamente o facto provado pela vida de que não virá nenhuma
ajuda daquele agrupamento regional moribundo e extinto, ainda a flutuar
só graças à parteira americana do "Novo Médio
Oriente".
E apesar da história provada e frustrante do "sistema" da Liga
Árabe, as massas árabes estão novamente a virar-se para
este fútil agrupamento regional à procura de ajuda em tempos de
crises.
"Onde estão os árabes?", "Deixem os árabes
verem!", era gritado em alta voz para câmaras de televisão,
por vezes num árabe com acento palestino, outras vezes num árabe
com acentos iraquianos ou libaneses, por mulheres, crianças e homens a
chorar enquanto reuniam pedaços dos corpos do seus seres amados, tanto
em Gaza como no sul do Líbano ou no Iraque ocidental. Mas os seus
clamores não têm ecos nos palácios republicanos ou reais
dos estados membros.
A esperança de uma "solução árabe"
deveria ter-se desvanecido há muito, mas o sentimento de pertença
pan-árabe está profundamente enraizado nos corações
e nas mentes das massas árabes apesar da sua diversidade religiosa ou
cultural e da doutrinação intensa em favor da lealdade à
ideologia do "estado-nação" adoptada por cada um dos
estados membros da Liga Árabe.
As elites dirigentes dos estados da "liga" estão muito bem
conscientes dos laços pan-árabes que unificam as massas
árabes em ondas de solidariedade por cima das fronteiras nos tempos de
crise. Assim, ao longo do tempo criaram mecanismos internos e externos para
prevenir uma onda tipo tsunami que pudesse ameaçar a independência
do estado-nação.
Elas trombetearam "solidariedade" entre os estados da Liga
Árabe como alternativa ao anseio maciço por unidade de
acção, mas esta solidariedade caiu de lado de demonstrou-se
enviesada em tempos de crise.
Elas promoveram a crença islâmica da maioria esmagadora das massas
árabes como uma ideologia alternativa, uma orientação que
também tem ouvidos atentos no ocidente e nos corredores do poder
israelense. Contudo, o despertar do gigante islâmico demonstrou-se
contraproducente e pelo contrário cimentou mais os laços
pan-árabes como um factor unificador decisivo.
Eles super trombetearam a ideologia do "estado-nação" e
da lealdade até à beira do absurdo, que não podia anular
as ligações tribais através das fronteiras, as lealdades
sectárias transfronteiriças ou a profundamente enraizada
ideologia pan-árabe.
Os estados da Liga Árabe, individualmente e em conjunto, fracassaram na
mobilização dos países membros sob o pacto de defesa da
Liga Árabe, não puderam impedir a Nakba palestina em 1947-47, a
ocupação israelense de terra árabe de quatro estados
membros em 1967, a ocupação israelense do sul desde Líbano
até a capital Beirute em 1982, a crise Iraque-Kuwait em 1990, a
invasão e ocupação do Iraque pelos EUA em 2002, e sua
impotência era e ainda é considerada uma parte integral de todas
as crises árabes, e não uma parte das soluções para
as mesmas.
A desarabização da Organização de
Libertação da Palestina (OLP) por exemplo foi um
pré-requisito e pré-condição para o reconhecimento
da OLP pelos Estados Unidos e por Israel como parceira para os acordos de paz
de Oslo. Em 1998, uma dúzia de artigos da Carta Nacional da OLP foram
eliminados e 16 emendados, principalmente os que se referiam à
pertença pan-árabe dos palestinos.
Outro exemplo: a lei jordana dos partidos políticos proíbe
quaisquer ligações organizacionais transfronteiriças.
Outros estados-nação árabes que adoptam o pan-arabismo
sujeitaram realisticamente a sua ideologia aos imperativos mais altos da
"segurança nacional".
A Liga Árabe foi fundada por sete estados árabes sob mandatos
britânico ou francês em 22 de Março de 1945 a fim de:
servir o bem comum de todos os países árabes, assegurar melhores
condições para todos os países árabes, garantir o
futuro de todos os países árabes e cumprir as esperanças e
expectativas de todos os países árabes.
Os colonialistas britânicos e franceses daquele tempo praticamente
patrocinaram a criação da liga como uma garantia para impedir a
realização da aspiração árabe à
unidade, mas os seus herdeiros americanos têm um plano expandido para a
região: incorporar a nova realidade do terreno, isto é, Israel.
Os estrategas americanos e israelenses estão ansiosos por incorporar
Israel como parte integral da região e como este não poderia
aderir a uma Liga "Árabe" desejam manter a Liga Árabe
à tona até que a sua alternativa do "Novo Médio
Oriente" tenha adquirido suficientes condições para ser
aplicada à região.
O fracasso do sistema da Liga Árabe podia logicamente anunciar o
fracasso dos seus estados membros e a longo prazo podia conduzir à queda
tanto da liga como dos "sistemas" políticos a que se aferram
desesperadamente a fim de mante-los a flutuar.
Este fracasso levou a realpolitik das elites dirigentes a procurarem
"soluções externas" às crises pan-árabes.
A Liga Árabe foi desarabizada há muito
Ao responder a uma pergunta acerca do encerramento em 1987 do gabinete de
informação palestino e da criação de um estado
palestino, o antigo secretário de Estado dos EUA, Sirus Vance, disse
numa audiência de diplomatas e jornalistas no National Press Club, em
Washington, que os árabes nunca estavam unidos, nem para a guerra nem
para a paz, que o antigo presidente da Argélia, Chadli bin Jadid, era o
único líder visitante árabe a pressionar a
administração americana a apoiar a criação de um
estado palestino. Se os 21 países árabes houvessem encerrado os
gabinetes da USIA nas suas capitais, Washington teria aberto o gabinete de
informação da OLP dentro de dias, afirmou ele.
Será que a Liga Árabe mudou desde 1987? Sim, ela mudou, mas para
ainda mais desarabização.
O fracasso dos líderes árabes em acordarem uma reunião
cimeira de emergência acerca da ofensiva israelense sobre o Líbano
exacerbou o conflito povo-estado.
03/Agosto/2006
[*]
Jornalista árabe a trabalhar em Ramallah, West Bank. É
editor do sítio web
Palestine Media Centre
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O original encontra-se em
www.globalresearch.ca/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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