Está aberta para Trump a porta de saída quanto ao ataque
à Síria
A fatídica decisão do presidente Donald Trump sobre um ataque
militar contra a Síria é iminente e terá impacto
não só no futuro da Síria e da política do
Médio Oriente como também na capacidade dos EUA para impor sua
hegemonia global na ordem mundial emergente.
Como era de esperar, o dia começou com um tweet de Trump. Ele disse:
A Rússia promete derrubar todos e quaisquer mísseis disparados
à Síria. Prepare-se, Rússia, porque eles serão
enviados, lindos e novo e "inteligentes". Vocês não
deveriam ser parceiros de um
Gas Killing Animal
que mata o seu povo e desfruta com isso!
Nosso relacionamento com a Rússia agora é pior do que nunca e
isso inclui a Guerra-fria. Não há razão para isso. A
Rússia precisa de nós para ajudar com sua economia, algo que
seria muito fácil fazer, e precisamos que todas as nações
trabalhem em conjunto. Parar a corrida armamentista?
Trump afirma que está prestes a ordenar o ataque. Mas é
também uma mensagem trumpeana. A segunda parte é destinada ao
Kremlin e refere-se ao potencial de cooperação EUA-Rússia
para benefício mútuo. Trump oferece o isco de
negociações sobre contenção na corrida às
armas, a qual é uma questão prioritária para a
Rússia.
Trump aparentemente pensa que está a "negociar" uma
solução com vantagem mútua
(win-win)
ao acenar com uma cenoura na expectativa de Moscovo se ponha de lado e deixe
os EUA atacarem a Síria. É tragicómico, para dizer o
mínimo, que a diplomacia estado-unidense tenha a isso o
Presidente dos Estados Unidos a negociar a Síria como se fosse um
negócio imobiliário em Manhattan.
Por outro lado, uma inundação de declarações russas
sublinha que Moscovo defenderá a Síria a qualquer preço. O
que significa que não só os mísseis dos EUA serão
abatidos como também que as plataformas de lançamento americanas
serão alvejadas. Esta última mensagem foi transmitida
através do canal de TV do Hezbollah, o que naturalmente é uma
afronta devastadora para Israel.
Na sequência do ataque israelense à base aérea T4 na
Síria, segunda-feira, Putin incumbiu o seu enviado especial sobre a
Síria, Alexander Lavrentiev, de ir a Teerão numa visita
"não programada e inesperada" para encontrar-se com o poderoso
czar da segurança nacional iraniana e pessoa fulcral quanto à
Síria, o contra-almirante Ali Shamkhani, o qual é o chefe
executivo do conselho de segurança nacional e reporta directamente ao
Líder Supremo Ali Khamenei. Evidentemente, a coordenação
russo-iraniana está num nível muito alto.
Quanto ao Irão, está a jogar suas cartas junto ao peito, o que
é como deveria ser. Teerão entende perfeitamente bem que a
operação de falsa bandeira alegando ataque químico pode
ser usada como álibi pelos EUA para criar na Síria novos factos
sobre o terreno destinados a desgastar a posição dominante que
desfrutam a Rússia e o Irão.
Putin aproveitou hoje uma cerimónia no Kremlin para
apresentação de credenciais de novos enviados estrangeiros para
fazer uma referência oblíqua ao grito de guerra de Trump. Disse
Putin:
O estado dos assuntos mundiais não desperta senão
preocupações, a situação no mundo está a
tornar-se mais caótica. No entanto, ainda esperamos que o senso comum
finalmente prevalecerá e que as relações internacionais
entrem num curso construtivo, que todo o sistema mundial se torne mais
estável e previsível.
O comentário pode ser interpretado como um apelo ao "senso
comum" de Trump. Mas a seguir Putin também enfatizou que Moscovo
continuará a advogar o fortalecimento da segurança
global e regional,
e apegar-se-á às suas
"responsabilidades internacionais e desenvolverá
cooperação com nossos parceiros numa base construtiva e
respeitosa".
Na véspera, numa informação aos media, o porta-voz
presidencial do Kremlin, Dmitry Peskov, foi explícito: "Não
somos participantes na "diplomacia do Twitter". Apoiamos abordagens
sérias. Acreditamos firmemente que é importante abster de dar
passos que possam ser prejudiciais à situação (na
Síria) já frágil".
Na realidade, Trump encontra-se numa situação pouco
invejável. A Rússia deixou abundantemente claro que
conterá qualquer ataque à Síria e, Deus proíba, se
houver qualquer perda de vidas russas no ataque americano, todo o inferno
será desencadeado. Por outro lado, se Trump recua, a sua credibilidade
será reduzida. Isto não é como chamar Kim Jong Un um
"Pequeno Homem Foguete" e escapar disso sem punição.
Haverá uma porta de saída disponível para Trump? Sim,
há. O secretário da Defesa dos EUA, James Mattis, disse hoje que
o trabalho de avaliar a inteligência sobre a alegada
utilização dar armas químicas em Douma, Síria,
ainda está em andamento. Citando-o: "Ainda estamos a avaliar a
inteligência nós próprios e nossos aliados. Ainda
estamos a trabalhar nisto". Mattis disse isto quando perguntado
explicitamente se há evidência suficiente para acusar o governo
sírio de utilizar agentes químicos em Douma.
Na minha opinião, as probabilidades de a inteligência ocidental
dar um relatório "Zero"
("Nil")
são razoavelmente boas. (O Primeiro Vice-Chefe do Estado Maior Russo do
Departamento de Operações Principais, vice-general Viktor
Poznikhir, disse hoje a repórteres em Moscovo que os notórios
Capacetes Brancos, os quais são um artefacto ONG de agências de
inteligências que colaboram com grupos terroristas na Síria,
encenaram e filmaram um ataque de armas químicas a civis na cidade de
Douma.)
Na verdade, se a avaliação do general russo de uma
operação falsa bandeira for confirmada, Trump pode dar um suspiro
de alívio. Afinal de contas, se não há ataque
químico, por que deveria haver retaliação?
11/Abril/2018
Ver também:
Russia’s military options to counter US strike in Syria (photos)
US Attack on Syria Is Futile but Serves a Purpose
, M.K. Bhadrakumar, 11/Abr
[*]
Analista político, diplomata indiano reformado.
O original encontra-se em
blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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