Contribuições
(para entender o que se passa no México)
Ditadura, diz o dicionário, é o "Governo que, invocando o
interesse público, se exerce fora do quadro das leis fundamentais do
país". Os dicionários nem sempre vão a par com a
semântica; os factos não se compadecem com as palavras. Em Oaxaca,
por exemplo, a população está sujeita a uma ditadura
estatal de facto. O Executivo oaxaquenho, encarnado pelo governador Ulises
Ruiz, representa um poder autoritário, classista, corrupto, corporativo,
racista e caciqueiro que, carecendo de toda a legitimidade, utiliza os meios de
repressão ao seu alcance, viola a paz social e agudiza a violência
e a desordem em todos os espaços e níveis sociais.
Apoiado a nível federal pelo presidente Vicente Fox, pelo seu
espúrio sucessor, Felipe Calderón, e pelo Partido
Acção Nacional (PAN), o sátrapa Ruiz, com o aval do seu
partido, o Revolucionário Institucional (PRI), e contando com aliados no
seio do poder empresarial, instaurou um regime de repressão que pratica
a tortura, o desaparecimento e o assassinato de opositores pela via da
acção violenta de grupos paramilitares e sicários a soldo,
usando-os como componentes básicos de uma guerra suja típica do
terrorismo de Estado. Com o apoio da Polícia Federal Preventiva, que
actua como um exército de ocupação no seu próprio
país, [Ruiz] mantém-se no poder mediante leis de
excepção, num autêntico Estado de sítio.
Na actual conjuntura, Oaxaca espelha a crise do sistema de domínio no
México, todas as suas instituições incluídas,
porque respondem aos interesses da classe no poder. É uma crise
nacional, em que se está a pôr em causa todo um sistema
económico, político, jurídico e social, que, fundado na
sobre-exploração, na pilhagem, corrupção,
impunidade, na fraude eleitoral e na negação da democracia,
apenas se pode manter no poder por meio da repressão.
Fazendo frente a este estado de coisas, surge há cinco meses a
Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), como um embrião de poder
popular que se foi transformando de maneira acelerada, de um modelo de
organização originariamente defensivo, numa proposta
orgânica de tipo horizontal e de assembleias, onde, tendo por eixo uma
ampla política de alianças e órgãos de
direcção colectiva, se pratica a democracia directa. Trata-se de
um movimento plural e diverso, participativo, autonómico,
autogestionário, que, a partir de uma fecunda resistência civil
através dos piquetes e barricadas, se foi autodeterminando e ganhando
cidadania no exercício concreto da soberania popular. Mas, ao mesmo
tempo, a APPO é também o resultado de um longo processo de
acumulação de forças, produto das lutas comunais,
regionais e sectoriais que se têm vindo a registar no território
oaxaquenho.
Subindo mais um patamar neste processo de luta, no seu congresso constitutivo,
dias 10, 11 e 12 de Novembro, a APPO decidiu transformar a revolta popular numa
revolução pacífica, democrática e humanista,
tendo-se ainda aí definido o carácter anti-imperialista,
anticapitalista e antifascista do movimento. Se bem que os seus objectivos
imediatos sejam a queda de Ruiz, o fim da repressão e a saída da
PFP do estado [de Oaxaca], a APPO, ao mesmo tempo, propõe-se
também dar impulso à transformação profunda e
transversal do actual regime autoritário, para que nasçam um novo
pacto social e as necessárias reformas que permitam transformar as
instituições e assentar as bases para a criação de
uma assembleia constituinte que elabore uma nova Carta Magna com garantia da
transparência, da prestação de contas e da
revogação de mandato.
Convém ter em conta que a estratégia de poder da plutocracia e
dos seus aliados é impedir uma revolução popular e toda e
qualquer mudança, por pequena que seja, que ameace os instrumentos
básicos do seu domínio. O continuísmo no plano
económico não pode separar-se do continuísmo no plano
político, ainda que mudem as tácticas que se empregam dentro
dessa mesma estratégia de poder. Tácticas que se resumem em
desmobilizar e dividir o movimento popular, de modo a impor a política
económica sem ter de recorrer, na medida do possível, ao
exercício aberto e permanente da violência. A violência
reaparece quando um conflito social ou sindical ataca a dita política, e
recrudesce quando o ataque põe em causa os instrumentos do poder.
Exemplos disso são a Sicartsa, Atenco e Oaxaca. Nestes casos
a classe dominante esquece-se por completo do quadro de legalidade que havia
imposto.
Não há que confundir governo com poder. E tão pouco
ignorar que o mais provável é que a oligarquia se oponha pela
violência às mudanças de que Oaxaca e o país
necessitam. À medida que o povo for aprofundando os seus objectivos e
radicalize as suas movimentações, os senhores do dinheiro
aumentarão a violência da repressão. É um processo
determinado pelo ascenso da combatividade das massas e pela escalada repressiva
que lhe é inseparável. Um processo de mudança radical
é sempre um ininterrupto processo de acumulação de
forças. Dada a actual correlação, a tarefa e a
táctica principal é a de continuar a acumular forças
políticas e sociais, não de maneira passiva mas no combate,
tratando simultaneamente de fazer brotar a consciência política,
de impulsionar formas de organização fundadas na solidariedade e
na participação para a defesa dos interesses do povo, de fomentar
direcções colectivas. Estas formas organizativas constituem
germes de poder popular, tal como os que existem nas autonomias zapatistas e os
que se estão a forjar na comuna de Oaxaca. Numa etapa qualitativamente
superior, de duplo poder, a multiplicação desses germes,
complementada por uma orientação política,
possibilitará a constituição de um pólo oposto ao
do actual Estado plutocrata, e estará então próxima a
possibilidade de construir uma república democrática e humanista
tal como a desejam milhões de mexicanos. Só então
haverá pátria para todos.
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2006/11/20/index.php?section=opinion&article=023a2pol
Tradução de Jorge Almeida.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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