Reconstruir o partido comunista, unir a esquerda, bater a direita
Intervenção no 6º congresso nacional do PdCI (Partito
dei Comunisti Italiani)
por Domenico Losurdo
Fico feliz por participar deste evento que poderia ser um relançamento
ou mesmo um novo arranque da presença comunista no nosso país.
Quando, há vinte anos, foi criada a Rifondazione Comunista, o clima
ideológico era bem diferente daquele de hoje. Há vinte anos, em
Washington, os ideólogos mais enfáticos proclamavam que a
história estava acabada: em todo caso o capitalismo havia triunfado e os
comunistas haviam cometido o erro de ficarem do lado mau, e mesmo criminoso, da
história. Sabemos hoje que estas certezas e suas mitologias haviam
penetrado mesmo no grupo dirigente da Rifondazione Comunista. Assiste-se assim
ao espectáculo grotesco no qual um líder de primeiro plano
[1]
aplicou todo o seu talento retórico para demonstrar que os comunistas
haviam errado sempre, sempre provocaram catástrofes tanto na
Rússia como na Itália; e continuavam a errar tanto na China como
no Vietname e, em última análise, mesmo em Cuba. Compreende-se
bem o entusiasmo da imprensa burguesa para com este profeta, para esta prenda
vinda do Céu. Mas todos nós conhecemos o resultado final.
Foi um desastre: pela primeira vez na história da nossa república
os comunistas estão sem representação no parlamento. Pior.
Privar as classes laboriosas da sua história significava
privá-las também da sua capacidade para orientar-se no presente.
As classes laboriosas penam hoje para organizar uma resistência eficaz
num momento onde a República fundada sobre o trabalho
[2]
se transforma em república fundada sobre o despedimento
arbitrário, sobre o privilégio da riqueza, sobre a
corrupção, sobre a venalidade dos cargos públicos. E,
infelizmente, até aqui foi quase inexistente a resistência oposta
ao processo pelo qual a República que repudia a guerra
[3]
se transforma em república que participa nas mais infames guerras
coloniais. É com este desastre atrás de nós que nós
nos empenhamos hoje no relançamento do projecto comunista.
Disto decorre uma necessidade urgente. E não se trata de uma necessidade
experimentada só pelos comunistas. Vemos o que acontece no país
que, há pouco mais de vinte anos, vira a proclamação do
fim da história. As ruas estão cheias de manifestantes que gritam
a sua indignação contra a Wall Street. Os cartazes não se
limitam a denunciar as consequências da crise, ou seja, o desemprego, a
precariedade, a fome, a polarização crescente de riqueza e
pobreza. Estes cartazes vão mais além: eles denunciam o peso
decisivo da riqueza na vida política estado-unidense e desmascaram de
facto o mito da democracia americana. O que dita a lei na república
norte-americana é na realidade a grande finança, é a Wall
Street; eis o que gritam os manifestantes. E certos cartazes vão mais
além e bradam a cólera não só contra a Wall Street
mas também contra a War Street. Isto quer dizer que o quarteirão
da alta finança é identificado como sendo ao mesmo tempo o
quarteirão da guerra e do desencadeamento da guerra. Emerge assim, ou
começa a emergir, a consciência da relação entre
capitalismo e imperialismo.
Sim, o capitalismo traz ao mesmo tempo crises económicas devastadoras e
guerra infames. Mais uma vez as massas populares e os comunistas encontram-se
diante do dever de enfrentar a crise do capitalismo e sua política de
guerra. Por razões de tempo não me deterei senão sobre
este segundo ponto. O fim da intervenção da NATO na Líbia
não é o fim da guerra no Médio Oriente. As guerras contra
a Síria e o Irão já estão em preparativos. Estas
guerra, mesmo, já começaram. O poder de fogo
multimediático com a qual o Ocidente tenta isolar, criminalizar,
estrangular e desestabilizar estes dois países está prestes a
transformar-se num poder de fogo verdadeiro, com base em mísseis e
bombas. E nós comunistas devemos desde já fazer ouvir a nossa
voz. Se esperássemos o desencadeamento das hostilidades não
estaríamos à altura nem do movimento comunista nem do movimento
anti-militarista, e não seríamos os herdeiros de Lenine e de
Liebknecht. Devemos desde o presente organizar manifestações
contra a guerra e contra os preparativos de guerra; desde o presente devemos
clarificar o facto de que a posição em relação
à guerra é um critério essencial para definir a
discriminação entre aliados potenciais e adversários
irredutíveis.
No que se refere à China, Washington, sim, transfere para a Ásia
o grosso do seu dispositivo militar, mas por enquanto não agita de modo
explícito senão a ameaça da guerra comercial. Mas, como
é notório, sabe-se como as guerras comerciais começam mas
não se sabe como acabam. Fariam bem em reflectir sobre este ponto
aqueles que, mesmo na esquerda, se alinham na campanha anti-chinesa: eles viram
assim as costas à luta pela paz.
Trata-se de uma atitude tanto mais desconcertante pelo facto de a China ter sido
protagonista de uma das maiores revoluções da história
universal. Evidentemente, convém manter em mente os problemas, os
desafios, as contradições mesmo graves que caracterizam o grande
país asiático. Mas clarifiquemos primeiro o quadro
histórico. No princípio do século XX a China era uma parte
integrante deste mundo colonial que pôde romper suas cadeias
graças à gigantesca vaga da revolução
anti-colonialista desencadeada em Outubro de 1917. Vemos como a história
se desenvolveu a seguir. Na Itália, na Alemanha, no Japão, o
fascismo e o nazismo foram a tentativa de revitalizar o neocolonialismo. Em
particular, a guerra desencadeada pelo imperialismo hitleriano e pelo
imperialismo japonês respectivamente contra a União
Soviética e contra a China foram as maiores guerras coloniais da
história. E portanto Stalingrado na União Soviética e a
Longa Marcha e a guerra de resistência anti-japonesa na China foram duas
grandiosas lutas de classe, aquelas que impediram o imperialismo mais
bárbaro de realizar uma divisão do trabalho fundamentado na
redução de grandes povos a uma massa de escravos ou semi-escravos
ao serviço da suposta raça dos senhores.
Mas o que é que se passa hoje? Como já disse, os EUA estão
em vias de transferir o grosso do seu dispositivo militar para a Ásia.
Leio em telegramas de ontem (28/Outubro/2011) da agência Reuters que uma
das acusações aos dirigentes de Pequim é a de promover ou
querer impor a transferência de tecnologia do Ocidente para a China. Os
EUA teriam desejado manter o monopólio da tecnologia para poderem
continuar a exercer uma dominação neocolonial; a luta pela
independência manifesta-se também no plano económico.
Portanto, revolucionária não é só a longa luta pela
qual o povo chinês pôs fim a um século de
humilhações e fundou a república popular; nem apenas a
edificação económica e social pela qual o Partido
Comunista Chinês libertou da fome centenas de milhões de homens e
mulheres; mesmo a luta para romper o monopólio imperialista da
tecnologia é uma luta revolucionária. Marx nos ensinou. Sim, a
luta para modificar a divisão internacional do trabalho imposta pelo
capitalismo e pelo imperialismo é em si mesma uma luta de classe. Do
ponto de vista de Marx, a luta para ultrapassar no quadro da família a
divisão patriarcal do trabalho já é uma luta de
emancipação; seria bem estranho que não fosse uma luta de
emancipação a luta para por fim ao nível internacional
à divisão do trabalho imposta pelo capitalismo e pelo
imperialismo, a luta para liquidar definitivamente este monopólio
ocidental da tecnologia que não é um dado natural mas o resultado
de séculos de dominação e de opressão!
Concluo. Vemos nos nossos dias o país-guia do capitalismo mergulhado
numa profunda crise económica e cada vez mais desacreditado ao
nível internacional. Ao mesmo tempo, ele continua a agarrar-se à
pretensão de ser o povo eleito por Deus e a aumentar febrilmente seu
aparelho de guerra já monstruoso, assim como a estender sua rede de
bases militares por todos os cantos do mundo. Tudo isso não promete nada
de bom. É a concomitância de perspectivas prometedoras e de
ameaças terríveis que torna urgente a construção e
o reforço dos partidos comunistas. Espero vivamente que o partido que
hoje construímos venha a estar à altura dos seus deveres.
Rimini, 29/Outubro/2011
(1) Fausto Bertinotti, durante muito tempo secretário-geral do Partito
della Rifondazione Comunista (NdT)
(2) Artigo 1 da Constituição italiana: "A Itália
é uma republica fundamentada no trabalho"
(3) Artigo 11 da Constituição italiana: "A Itália
repudia a guerra como instrumento de ofensa à liberdade dos outros povos
e como meio de resolução das controvérsias
internacionais".
O original encontra-se em
domenicolosurdo.blogspot.com/...
e a versão em francês em
www.legrandsoir.info/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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