Nova operação colonial contra a Líbia
Não satisfeitos com o bloqueio solitário de uma
resolução do Conselho de Segurança da ONU condenando o
expansionismo de Israel na Palestina ocupada, os Estados Unidos vêm hoje
se apresentar novamente como os intérpretes e campeões da
"comunidade internacional". Convocaram o Conselho de
Segurança, e não foi para condenar a intervenção
das tropas sauditas em Bahrein, mas sim para exigir e finalmente impor o
lançamento da "no-fly zone" e outras medidas guerreiras contra
a Líbia.
Algumas medidas agressivas já eram tomadas unilateralmente por
Washington e por alguns de seus aliados, como a aproximação da
frota militar americana das costas da Líbia e o apelo ao instrumento
clássico da política do canhão. Mas Obama não parou
por aí: nestes últimos dias vinha intimando Kadafi de modo
ameaçador a abandonar o poder e pressionava o exército
líbio a dar um golpe de Estado.
Mais grave ainda, desde há algum tempo os agentes estadunidenses, juntos
com os da França e Grã-Bretanha, vinham deixando os
funcionários líbios diante de um dilema: ou passar para o lado
dos rebeldes ou serem processados perante o Tribunal Penal Internacional e
passarem os restos das suas vidas encarcerados por "crimes contra a
humanidade".
A fim de dar cobertura à retomada das práticas colonialistas mais
infames, o gigantesco aparelho midiático de manipulação e
desinformação lançou sua campanha e, entretanto, basta ler
com atenção a própria imprensa burguesa para perceber o
engodo. Por exemplo, diz-se há dias que a aviação de
Kadafi bombardeia a população civil. Mas em 1° de
março o jornal
La Stampa
escreve, pag. 6, e pela pena de Guido Ruotolo: "É verdade,
provavelmente não houve bombardeio".
Mudou radicalmente a situação nos dias seguintes? Dia 16 de
março, Lorenzo Cremonesi escreve de Tobruk no
Corriere della Sera:
"Como já aconteceu nas outras localidades onde interveio a
aviação, o que houve foram apenas raids de
advertência". "Eles queriam assustar; muito barulho por
nada", disse-nos pelo telefone um dos porta-vozes do governo
provisório. São, portanto, os próprios rebeldes que
desmentem os 'massacres' invocados para justificar a intervenção
'humanitária'.
A propósito dos rebeldes. Eles são celebrados dia após dia
como os campeões da democracia em toda a sua pureza, eis porém a
forma como foi relatada por Lorenzo Cremonesi, no
Corriere della Sera
de 12 de março, sua retirada frente à contra-ofensiva do
exército líbio: "Na confusão geral, acontecem
também atos de pilhagem. O mais notório é o do hotel El
Fadeel, de onde levaram televisores, colchões, cobertores, transformaram
as cozinhas em lixeiras e os corredores em acampamentos imundos".
Não parece ser o comportamento de um exército de
liberação, e o mínimo que se pode dizer é que a
visão maniqueísta do conflito na Líbia não tem o
menor fundamento.
Há mais. A cada dia denunciam as "atrocidades" da
repressão na Líbia. Mas, falando de Bahrein, conta Nicholas D.
Kristoff no
International Herald Tribune:
"No curso destas ultimas semanas, vi cadáveres de manifestantes,
quase todos executados de perto por armas de fogo, vi uma moça
retorcendo-se de dor após ter sido espancada, vi o pessoal das
ambulâncias ser golpeado por tentar salvar manifestantes".
Um vídeo de Bahrein mostra o que parecem ser forças de
segurança atingir com uma bomba lacrimogênea um homem de
meia-idade e desarmado, a poucos metros delas. O homem cai no chão e
tenta levantar-se. Atiram então nele, na cabeça, outra bomba.
Caso não seja suficiente, vale lembrar que "nestes últimos
dias, as coisas vão de mal a pior". Antes mesmo da
repressão, é na vida quotidiana que a violência se
expressa; a maioria xiita é submetida a um regime de
"apartheid".
Para reforçar o aparelho de repressão, agem os
"mercenários estrangeiros" com tanques de assalto, armas e
gás lacrimogêneo estadunidenses. O papel dos Estados Unidos
é decisivo, como o explica o jornalista do
International Herald Tribune,
ao contar um episódio por si esclarecedor: "Umas semanas
atrás, um colega meu do
New York Times,
Michael Slackman, foi capturado pelas forças de segurança de
Bahrein. Ele me contou que chegaram a apontar-lhe armas. Receoso de
alguém atirar nele sem mais nem menos, ele pega seu passaporte e grita
que é jornalista dos Estados Unidos. A partir dali, o humor do grupo
muda de repente. O chefe chega perto dele, aperta a sua mão e muito
animado, lhe diz "Não se preocupe. Nós gostamos dos Estados
Unidos!".
De fato, a Quinta Frota dos Estados Unidos tem base em Bahrein. Inútil
dizer que tem como dever defender ou impor a democracia: sempre que não
seja em Bahrein ou mesmo no Iêmen, e sim
na Líbia ou em
algum outro país que, por sua vez, entre na mira de Washington.
Por mais repugnante que seja a hipocrisia do imperialismo, não é
uma razão suficiente para esconder as responsabilidades de Kadafi.
Embora tenha, historicamente, o mérito de ter acabado com a
dominação colonial e as bases militares que intimidavam seu
país, ele não soube estabelecer uma camada dirigente bastante
ampla. Além do mais, utilizou os lucros do petróleo para
construir improváveis projetos "internacionalistas" sob a
bandeira do "Livro Verde", em vez de desenvolver uma economia
nacional, moderna e independente. Perdeu-se assim uma oportunidade única
de pôr fim à estrutura tribal da Líbia e ao antigo dualismo
entre Tripolitânia e Cirenáica, e de contrapor uma sólida
estrutura econômico-social diante das manobras renovadas e das
pressões do imperialismo.
E temos não obstante, de um lado, um líder do Terceiro Mundo que,
de forma rústica, confusa, contraditória e bizarra, segue uma
linha de independência nacional, enquanto, de outro lado, em Washington,
um dirigente expressa de forma elegante, educada e sofisticada as razões
do neocolonialismo e do imperialismo. Somente um surdo à causa da
emancipação dos povos e da democracia nas relações
internacionais, ou então quem se deixa conduzir antes pelo esteticismo
que pelo raciocínio político, pode alinhar-se com Obama, Cameron
e Sarkozy!
Aliás, será tão elegante assim este refinado Obama que,
embora condecorado com o prêmio Nobel da Paz, não leva sequer por
um instante em consideração a sábia
proposição dos países sul-americanos, ou seja, o convite
de Chávez e outros dirigido às duas partes em luta na
Líbia para que se esforcem por chegar a uma solução
pacífica do conflito, em benefício da salvação e da
integridade territorial do país?
Imediatamente após a votação da ONU, e indo ainda
além da proposição que mal acabava de ser votada, o
presidente dos Estados Unidos lançava um ultimato a Kadafi, que teve a
pretensão de ação em nome da "comunidade
internacional". Desde sempre, a ideologia dominante revela o seu racismo
ao identificar a humanidade com o Ocidente; agora, desta vez, são
excluídos da "comunidade internacional" não apenas os
dois países cuja população é a mais numerosa, mas
também um país chave da União Européia. Quando se
coloca como intérprete da dita "comunidade internacional",
Obama demonstra uma arrogância racista ainda pior do que aqueles que, no
passado, reduziram os seus ancestrais à escravidão.
Será tão elegante e refinado este Cameron que, para vencer em sua
casa a oposição à guerra, repete até a
obsessão que ela corresponde aos "interesses nacionais" da
Grã-Bretanha, como se o apetite em relação ao
petróleo não fosse já bastante claro?
E que dizer enfim de Sarkozy? Nos jornais, pode-se ler tranqüilamente que,
mais do que no petróleo, ele pensa nas eleições: quantos
líbios o presidente francês tem necessidade de matar para que
sejam esquecidos os seus escândalos, suas gafes e tenha maior
possibilidade de ser reeleito?
Os jornalistas e os intelectuais da corte gostam de pintar um Kadafi isolado,
acuado por um povo unido. Porém, para quem acompanha atentamente os
acontecimentos, é fácil perceber o grotesco dessa
representação. O voto recente no Conselho de Segurança
desmascarou outra manipulação: aquela que inventa a fábula
sobre uma "comunidade internacional" unida na luta contra a
barbárie. Na realidade, abstiveram-se e expressaram fortes reservas
China, Rússia, Brasil, Índia e Alemanha!
Os dois primeiros países não foram além da
abstenção e não usaram o seu poder de veto por uma
série de motivos. Pois não é fácil sempre desafiar
a superpotência solitária. Não se trata apenas disso e
tanto China quanto Rússia conseguiram em troca que não se enviem
tropas de terra (e de ocupação colonial); evitaram
intervenções militares unilaterais de Washington e de seus
aliados mais próximos, semelhantes às intervenções
contra a Iugoslávia em 1999 e o Iraque em 2003; tentaram conter as
manobras dos círculos mais agressivos do imperialismo, que gostariam de
deslegitimar a ONU e substituí-la pela OTAN e a Aliança das
Democracias; enfim, apareceu uma contradição no seio do
imperialismo ocidental conduzido pelos EUA, como o mostra o voto da Alemanha.
Ao fazer referência a um país como a China, dirigida por um
partido comunista, deve-se observar que o compromisso que ela quis aceitar em
nada engaja os povos do mundo. Mao Zedong explicou em seu tempo que as
exigências de política internacional e os próprios
compromissos dos países de orientação socialista ou
progressista são uma coisa; outra coisa, por sua vez, é a linha
política de povos, classes sociais e partidos políticos que
não conquistaram o poder e por isso não estão engajados na
construção de uma nova sociedade.
Fica claro então que a agressão à Líbia torna mais
urgente que nunca o ressurgimento da luta contra a guerra e o imperialismo.
25/Março/2011
A tradução, de Ana Maria Dávila, encontra-se em
Correio da Cidadania
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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