Islândia, combata esta injustiça
No sábado
[1]
o povo islandês vota em referendo sobre se o Estado islandês e
portanto os cidadãos deveriam garantir o chamado pedido de
indemnização
(claim)
do Icesave. O Icesave era um banco com contas de depósito que prometia
as melhores taxas de juro do mercado. Quando o banco faliu, levantou-se a
questão de se o fundo de garantia de depositantes islandês
uma instituição privada financiada pelos bancos deveria
ter o apoio dos contribuintes. Ao invés de deixar os depositantes
perderem o seu dinheiro ou mesmo à espera de compensação
do espólio da bancarrota, os governos do Reino Unido e da Holanda (onde
os produtos Icesave eram comercializados) decidiram reembolsar os depositantes
dos seus próprios países. O reembolso incluía todo o
principal, enquanto os proveitos dos juros temerariamente altos dos
depositantes que se arriscaram foram acrescentados como bónus.
A seguir as autoridades britânicas e holandesas foram junto ao governo
islandês e reclamaram, referindo-se à regulamentação
da UE, que a compensação era de facto da responsabilidade do
contribuinte islandês e que a Islândia tinha de reembolsar
plenamente os britânicos e holandeses.
As exigências à Islândia são enormes,
considerando a dimensão da sua população £3,5
mil milhões [3,97 mil milhões] equivale a uma
exigência ao contribuinte britânico de £700
mil milhões [795 mil milhões]. Tal
exigência é contestável, tem uma duvidosa base legal e
uma ainda mais duvidosa base moral.
Com uma disposição semelhante, os povos da Irlanda, Grécia,
Portugal e outros países da UE teriam de aceitar uma garantia total de
todos os empréstimos feitos por prestamistas comerciais, deixando
portanto tanto as instituições financeiras como os possuidores de
títulos livres de qualquer responsabilidade. Por que isto? Será que
isto foi discutido adequadamente? Será a ideia de que contribuintes
deveriam necessariamente garantir prestamistas privados uma proposta aceite
habitualmente? Será de supor que o empréstimo temerário
não tenha consequência?
Ao invés de aplicar os métodos costumeiros de cancelamento
(writing off)
da dívida, parece que foi criado um consenso invisível
que recorda a frase de Chomsky da "conspiração
inconsciente" de que os excessos financeiros e os
empréstimos temerários da década passada serão
transferidos para os contribuintes no futuro imprevisível. Em resultado
disso, cidadãos através de toda a Europa estão a enfrentar
cortes em serviços públicos, elevações de impostos
e aumentos maciços no desemprego.
Até agora, problemas graves de dívida soberana eram limitados a
países em desenvolvimento, frustrando o desenvolvimento social e
económico real. Mas agora os problemas que povos em alguns dos mais
pobres países no Sul têm estado a enfrentar durante décadas
estão a atingir o Norte.
É neste contexto que o referendo do Icesave é tanto significativo
como importante para a Europa e para todo o vasto mundo. É evidente que
o processo democrático está a faltar. Não houve debate
público para decidir se, como questão de princípio,
contribuintes deveriam salvar ou não instituições
financeiras. Duvido seriamente que os contribuintes europeus pensem que isto
é justo e razoável. Não está claro se isto é
uma posição ideológica ou uma questão
prática. E se for puramente prática, será
sustentável?
A crise financeira provocou um sofrimento inimaginável para
milhões de pessoas que perderam suas casas, empregos e pensões.
Estes homens e mulheres sabem o que estas perdas significam, enquanto
financeiros internacionais, banqueiros e possuidores de títulos fogem
à plena compensação, com os seus bónus e
salários surrealistas e lucros intactos, como se nada houvesse
acontecido. O seu comportamento cínico e temerário é
claramente visível, como crateras de bombas na paisagem económica.
O mundo olha para o povo islandês, que até
agora se tem recusado a aceitar a ordem do dia salvamentos
incondicionais do sector financeiro. Tenho esperança de que este
louvável espírito combativo irá vencer.
08/Abril/2011
[1] Este artigo foi escrito antes do referendo de 09/Abril/2011, vencido pelo
povo islandês com 59,1% de votos "não" contra 40,9% de
"sim".
[*]
Eva Joly
é juíza e deputada francesa ao Parlamento Europeu pelo partido
Verde.
O original encontra-se em
www.guardian.co.uk/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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